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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Auto de fé em Barcelona. Apreensão dos livros.

 


21 de setembro de 1861. — (Em minha casa; médium: Sr. d’A…)

 

A pedido do Sr. Lachâtre, então residente em Barcelona, eu lhe enviara certa quantidade de O Livro dos Espíritos, de O Livro dos Médiuns, das coleções da Revista Espírita, além de diversas obras e brochuras espíritas perfazendo um total de cerca de 300 volumes. A expedição da encomenda fora regularmente feita pelo seu correspondente em Paris, num caixão que continha outras mercadorias e sem a menor infração da legalidade. À chegada dos livros, fizeram que o destinatário pagasse os direitos de entrada, mas, antes de os entregarem, houve que ser entregue uma relação das obras ao bispo, pois, naquele país, a polícia de livraria competia à autoridade eclesiástica. O bispo se achava então em Madri. Ao regressar, tomando conhecimento da relação dos livros, ordenou que eles fossem apreendidos e queimados em praça pública pela mão do carrasco. A execução da sentença foi marcada para 9 de outubro de 1861.

Se se houvesse tentado introduzir aquelas obras como contrabando, a autoridade espanhola teria o direito de dispor delas à sua vontade; mas, desde que absolutamente não havia fraude, nem surpresa, como o provava o pagamento espontâneo dos direitos, fora de rigorosa justiça que se ordenasse a reexportação dos volumes, uma vez que não convinha se lhes admitisse a entrada. Ficaram, porém, sem resultado as reclamações apresentadas por intermédio do Cônsul francês em Barcelona. O Sr. Lachâtre me perguntou se valeria a pena recorrer à autoridade superior. Opinei por que se deixasse consumar o ato arbitrário; entendi, porém, acertado ouvir a opinião do meu guia espiritual.

 

Pergunta. (à Verdade) — Não ignoras, sem dúvida, o que acaba de passar-se em Barcelona, com algumas obras espíritas. Quererás ter a bondade de dizer-me se convirá prosseguir na reclamação para restituição delas?

Resposta. — Por direito, podes reclamá-las e conseguirias que te fossem restituídas, se te dirigisses ao Ministro de Estrangeiros da França. Mas, ao meu parecer, desse auto de fé resultará maior bem do que o que adviria da leitura de alguns volumes. A perda material nada é, a par da repercussão que semelhante fato produzirá em favor da Doutrina. Deves compreender quanto uma perseguição tão ridícula, quanto atrasada, poderá fazer a bem do progresso do Espiritismo na Espanha. A queima dos livros determinará uma grande expansão das ideias espíritas e uma procura febricitante das obras dessa doutrina. As ideias se disseminarão lá com maior rapidez e as obras serão procuradas com maior avidez, desde que as tenham queimado. Tudo vai bem.

Obras póstumas — 2ª Parte.

***


"Assistiram ao Auto de Fé: um sacerdote com os hábitos sacerdotais, empunhando a cruz numa mão e uma tocha na outra; um escrivão encarregado de redigir a ata do Auto de Fé; um ajudante do escrivão; um empregado superior da administração das alfândegas; três serventes da alfândega, encarregados de alimentar o fogo; um agente da alfândega representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo.”

"Uma multidão incalculável enchia as calçadas e cobria a imensa esplanada onde se erguia a fogueira. Quando o fogo consumiu os trezentos volumes ou brochuras espíritas, o sacerdote e seus ajudantes se retiraram, cobertos pelas vaias e maldições de numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição! Em seguida, várias pessoas se aproximaram da fogueira e recolheram as suas cinzas."

Revista Espírita - nov. de 1861: 'Resquícios da Idade Média'

 

***

Na Revista Espírita daquele mesmo mês, Kardec publicou duas comunicações espirituais, dentre tantas, recebidas na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas; a primeira foi assinada pelo Espírito Dollet, que havia sido um livreiro do século XVI:

 

"O amor da verdade deve sempre fazer-se ouvir: ela rompe o véu e brilha ao mesmo tempo por toda parte. O Espiritismo tornou-se conhecido de todos; logo será julgado e posto em prática. Quanto mais perseguições houver, tanto mais depressa esta sublime doutrina alcançará o apogeu. Seus mais cruéis inimigos, os inimigos do Cristo e do progresso, atuam de maneira que ninguém possa ignorar a permissão de Deus, dada àqueles que deixaram esta Terra de exílio, de voltarem aos que amaram. Ficai certos: as fogueiras apagar-se-ão por si mesmas; e se os livros são lançados ao fogo, o pensamento imortal lhes sobrevive."

Dollet

 

***

“Graças a esse zelo imprudente, todo o mundo na Espanha vai ouvir falar do Espiritismo e quererá saber o que é ele; é tudo quanto desejamos. Podem queimar-se livros, mas não se queimam ideias; as chamas das fogueiras as superexcitam, em vez de abafar. Aliás, as ideias estão no ar, e não há Pireneus bastante altos para as deter. Quando uma ideia é grande e generosa encontra milhares de pulmões prestes a aspirá-la.”

 

Allan Kardec - Revista Espírita, setembro de 1864 - “O novo bispo de Barcelona”

 

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Referências: Obras póstumas, Revista Espírita nov/1861, cartilha Auto de fé de Barcelona (UEM)


quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Lembrando Allan Kardec

 


Depois de se dirigir aos numerosos missionários da Ciência e da Filosofia, destinados à renovação do pensamento do mundo no século XIX, o Mestre aproximou-se do abnegado João Huss e falou, generosamente:

— Não serás portador de invenções novas, não te deterás no problema de comodidade material à civilização, nem receberás a mordomia do dinheiro ou da autoridade temporal, mas deponho-te nas mãos a tarefa sublime de levantar corações e consciências.

A assembleia de orientadores das atividades terrestres estava comovida. E ao passo que o antigo campeão da verdade e do bem se sentia alarmado de santas comoções, Jesus continuava:

— Preparam-se os círculos da vida planetária a grandes transformações nos domínios do pensamento. Imenso número de trabalhadores no mundo, desprezando o sentido evolucionário da vida, crê na revolução e nos seus princípios destruidores, organizando-lhe movimentos homicidas. Em breve, não obstante nossa assistência desvelada, que neutralizará os desastres maiores, a miséria e o morticínio se levantarão no seio de coletividades invigilantes. A tirania campeará na Terra, em nome da liberdade, cabeças rolarão nas praças públicas em nome da paz, como se o direito e a independência fossem frutos da opressão e da morte. Alguns condutores do pensamento, desvairados de personalismo destruidor, convertem a época de transição do orbe em turbilhão revolucionário, envenenando o espírito dos povos. O sacerdócio organizado em bases econômicas não pode impedir a catástrofe. A Filosofia e a Ciência intoxicaram as próprias fontes de ação e conhecimento!… É indispensável estabelecer providências que amparem a fé, preservando os tesouros religiosos da criatura. Confio-te a sublime tarefa de reacender as lâmpadas da esperança no coração da humanidade. O Evangelho do Amor permanece eclipsado no jogo de ambições desmedidas dos homens viciosos!… Vai, meu amigo. Abrirás novos caminhos à sagrada aspiração das almas, descerrando a pesada cortina de sombras que vem absorvendo a mente humana. Na restauração da verdade, no entanto, não esperes os louros do mundo, nem a compreensão de teus contemporâneos.

Meus enviados não nascem na Terra para serem servidos, mas por atenderem às necessidades das criaturas. Não recebem palmas e homenagens, facilidades e vantagens terrestres, contudo, minha paz os fortalece e levanta-os, cada dia. Muitas vezes, não conhecem senão a dificuldade, o obstáculo, o infortúnio, e não encontram outro refúgio além do deserto. É preciso, porém, erigir o santuário da fé e caminhar sem repouso, apesar de perseguições, pedradas, cruzes e lágrimas!…

Ante a emoção dos trabalhadores do progresso cultural do orbe terrestre, o abnegado João Huss recebeu a elevada missão que lhe era conferida, revelando a nobreza do servo fiel, entre júbilos de reconhecimento.

Daí a algum tempo, no albor do século XIX, nascia Allan Kardec em Lyon, por trazer a divina mensagem.

Espírito devotado, jamais olvidou o compromisso sublime. Não encontrou escolas de preparação espiritual, mas nunca menosprezou o manancial de recursos que trazia em si mesmo. E como se quisera demonstrar que as fontes do profetismo devem manar de todas as regiões da vida para sustentáculo e iluminação do Espírito eterno, embora no quadro dos grandes homens do pensamento, estimou desferir os primeiros voos de sua missão divina na zona comum onde permanece a generalidade das criaturas. Consoante a previsão do Cristo, a Revolução Francesa preparara com sangue o império das guerras napoleônicas.

Enquanto os operários da cultura moderna lançavam novas bases ao edifício do progresso mundial, o grande missionário, sem qualquer preocupação de recompensa ou exibicionismo, dá cumprimento à tarefa sublime. E foi assim que o século XIX, que recebeu a navegação a vapor, a locomotiva, a eletrotipia, o telégrafo, o telefone, a fotografia, o cabo submarino, a anestesia, a turbina a vapor, o fonógrafo, a máquina de escrever, a luz elétrica, o sismógrafo, a linotipo, o radium, o cinematógrafo e o automóvel, tornou-se receptor da Divina Luz da revivescência do Evangelho.

O discípulo dedicado rasgou os horizontes estreitos do ceticismo e o Plano invisível encontrou novo canal a fim de projetar-se no mundo, atenuando-lhe as sombras densas e renovando as bases da fé.

Alguns dos companheiros de luta espiritual, embora em seguida às hostilidades do meio, recebiam aplausos do mundo e proteção de governos prestigiosos, mas o emissário de Jesus, no deserto das grandes cidades, trabalhava em silêncio, suportando calúnias e zombarias, vencendo dificuldades e incompreensões.

Ao fim da laboriosa tarefa, o trabalhador fiel triunfara.

Em breve, a Doutrina Consoladora dos Espíritos iluminava corações e consciências, nos mais diversos pontos do globo.

É que Allan Kardec, se viera dos Círculos mais elevados dos processos educativos do mundo, não esquecera a necessidade de sabedoria espiritual. Discípulo eminente de professores consagrados, como Pestalozzi, não esqueceu a ascendência do Cristo. Trabalhador no serviço da redenção, compreendeu que não viera à Terra por atender a caprichos individuais e sim aos poderes superiores da vida.

 Sua exemplificação é um programa e um símbolo. Conquistando a auréola dos missionários vitoriosos, não se incorporou à galeria dos grandes do mundo, por que apenas indicasse o caminho salvador à humanidade terrestre.

Allan Kardec não somente pregou a doutrina consoladora; viveu-a. Não foi um simples codificador de princípios, mas um fiel servidor de Jesus e dos homens.

  

Irmão X (Humberto de Campos) / Chico Xavier – Livro: Doutrina-escola



sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Rendição

Tudo fizera para pagar os quinhentos mil cruzeiros…

Desesperava-se.

Tudo debalde…

O desejo de autoeliminação escaldava-lhe o crânio.

Sentia a necessidade de orar… Mas, como?

Abnegado amigo dispôs-se a conduzi-lo a determinado templo espírita, a fim de que pudesse recolher algum esclarecimento e consolo.

Apreensivo, recebeu a palavra de generoso Mentor, que lhe dizia, em página breve:

— “Irmão Avelino. Deus esteja conosco. Não desespere. Simples quarto de hora está revestido de imenso valor e, por vezes, modifica inteiramente o destino. Volte ao lar e ouça Jesus no Evangelho. Somente o Evangelho guarda bastante luz para a solução de nossos problemas.”

Terminada a reunião, afastou-se Avelino, sem dar-se por satisfeito.

Estava desapontado e desgostoso. Fugiria do mundo. Ninguém lhe evitaria semelhante propósito.

Ao retornar a casa, inquieto em suas cogitações, reparou que os faróis do ônibus incidiram sobre a frente de um transportador de carga, a movimentar-se em sentido contrário, e pôde ler, nitidamente, no para-choque:

— “Deus viaja conosco.”

Sorriu, irônico.

“Todo motorista é engraçado” — pensou.

Chegando em casa, entrega-lhe a esposa afetuosa carta de um companheiro.

Retira-lhe o conteúdo.

Começa a leitura e esbarra com a saudação:

— “Deus esteja conosco, hoje e sempre.”

Deixou a missiva, contrafeito, e falou de si para consigo:

— “Sempre a filosofia religiosa!…”

Ainda assim, enfadado de tudo, notou que a esposa andara lendo o Evangelho, porque um exemplar do Novo Testamento descansava na mesa, a pequena distância.

Mais curioso que interessado, abriu o livro, e seus olhos caíram sobre o versículo onze do capítulo treze, na segunda carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios: “Quanto ao mais, regozijai-vos, sede perfeitos, sede consolados, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz será convosco.” 

Abandonou o livro, desalentado.

Esparramou-se em velha poltrona e ouviu conhecido locutor encerrando o programa naquelas primeiras horas da madrugada:

— “Deus esteja conosco.”

Desligou o aparelho, sem dizer palavra.

Beijou a esposa, então recolhida, com o enternecimento de quem se despede pela última vez.

Tornou à copa.

Estava decidido. Terminaria tudo.

O gargalo de uma garrafa verte a cerveja sobre alta dose de violento corrosivo.

Antes, porém, do gesto infeliz, pensa um pouco.

Fita, angustiado, a cena familiar que o rodeia… No cimo de grande armário vê, rasgado, o verde papagaio de papel que lhe recorda o filhinho.

Guardando a taça entre as mãos, dirige-se ao quarto próximo e inclina-se, quase em pranto, para Ricardo, o garoto que dorme.

O leito, pressionado, estala de leve e o menino acorda, atarantado.

À frente da inesperada visita, atira-se nos braços paternos, fazendo ir ao chão o copo que se estilhaça no piso, ao mesmo tempo que exclama, expansivo:

— Papai! Papai! Hoje na aula escrevi sem errar o primeiro ditado da professora: “Confiemos em Deus!”

Avelino, agora chorando e rindo, abraçou o petiz.

Deus vencera!

Deus, que o cercava por toda parte, ajudá-lo-ia a pagar os quinhentos mil cruzeiros.

— Obrigado, meu filho! — Clamou, feliz, levando o lenço aos olhos.

A seguir, descerrando larga janela, contemplou o céu rutilante de estrelas…

E, tomado de júbilo inconsciente, gritou, espontâneo:

— Obrigado, meu Deus!

Delirando de alegria, apertou o filhinho com mais ternura e, aliviado enfim, respirou, a longos haustos, como se tivesse encontrado a felicidade pela primeira vez…

 

Hilário Silva / Waldo Vieira – Livro: A Vida Escreve




 

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Bezerra de Menezes

 


(...) As primeiras experiências espiritistas, na pátria do Evangelho, começaram no problema das curas. Em 1818, já o Brasil possuía um grande círculo homeopático, sob a direção do mundo invisível. O próprio José Bonifácio correspondia-se com Frederico Hahnemann. Nos tempos do Segundo Reinado, os mentores invisíveis conseguem localizar na Bahia, no Pará e no Rio de Janeiro, alguns grupos particulares, que projetavam enormes claridades no movimento neoespiritualista do continente, talvez o primeiro da América do Sul.

Antes dessa época, quando prestes a findar o Primeiro Reinado, Ismael reúne no Espaço os seus dedicados companheiros de luta e, organizada a venerável assembleia, o grande mensageiro do Senhor esclarece a todos, sobre os seus elevados objetivos.

— “Irmãos, explicou ele, o século atual, como sabeis, vai assinalar a vinda do Consolador à face da Terra. Nestes cem anos, se efetuarão os grandes movimentos preparatórios dos outros cem anos que hão de vir. As rajadas de morticínio e de dor prenderão a alma da Humanidade, no século próximo, dentro dos imperativos das transições necessárias, que constituem o sinal do fim da civilização precária do Ocidente… Faz-se mister ampararmos o coração atormentado dos homens nessas grandes amarguras, preparando-lhes o caminho da purificação espiritual, através das sendas penosas. É preciso, pois, prepararmos o terreno para a sua estabilidade moral nesses instantes decisivos dos seus destinos. Numerosas fileiras de missionários encontram-se disseminadas, entre as nações da Terra, com o fim de levantar a palavra da Boa Nova do Senhor, esclarecendo os postulados científicos que surgirão neste século, nos círculos da cultura terrestre. Uma verdadeira renascença das filosofias e das ciências se verificará no transcurso destes anos, a fim de que o século XX seja necessariamente esclarecido, como elemento de ligação entre a civilização em vias de desaparecer e a civilização do futuro, que se constituirá da fraternidade e da justiça, porque a morte do mundo, prevista na Lei e nos profetas, não se verificará por enquanto, com referência às expressões físicas do globo, mas quanto às suas expressões morais, sociais e políticas. A civilização armada terá de perecer, para que os homens se amem como irmãos. Concentraremos, agora, os nossos esforços na terra do Evangelho, para que possamos plantar no coração de seus filhos as sementes benditas que, mais tarde, frutificarão no solo abençoado do Cruzeiro. Se as verdades novas deverão surgir primeiramente, segundo os imperativos da lei natural, nos centros culturais do Velho Mundo, é na pátria do Evangelho que lhes vamos dar a vida, aplicando-as na edificação dos monumentos triunfais do Salvador… Alguns dos nossos auxiliares já se encontram na Terra, esperando o toque de reunir de nossas falanges de trabalhadores devotados, sob a direção compassiva e misericordiosa do Divino Mestre.”

Houve na alocução de Ismael um doce “stacato”.

Depois, encaminhando-se para um dos dedicados e fiéis discípulos, falou-lhe brandamente:

— “Descerás às lutas terrestres com o objetivo de concentrar as nossas energias no país do Cruzeiro, dirigindo-as para o alvo sagrado dos nossos esforços. Arregimentarás todos os elementos dispersos com as dedicações do teu espírito, a fim de que possamos criar o nosso núcleo de atividades espirituais, dentro dos elevados propósitos de reforma e regeneração. Não precisamos encarecer aos teus olhos a delicadeza de tua missão, mas com a plena observância do código de Jesus e com a nossa assistência espiritual, pulverizarás todos os obstáculos, à força de perseverança e de humildade, consolidando os primórdios da nossa obra, que é a de Jesus, no seio da pátria do seu Evangelho… Se a luta vai ser grande, considera que não será menor a compensação do Senhor, dele que é o caminho, a verdade e a vida…”

Havia em toda a assembleia espiritual um divino silêncio. O discípulo escolhido nada pudera responder, com o coração alarmado por doces e esperançosas emoções, mas as lágrimas de reconhecimento caíam-lhe copiosamente dos olhos.

Ismael desfraldara a sua bandeira à luz gloriosa do Infinito, salientando-se a sua inscrição divina, que parecia constituir-se de sóis infinitésimos. Uma vibração de esperança e de fé palpitava em todos os corações, quando uma voz terna e compassiva, exclamou das cúpulas radiosas do Ilimitado:

 — “Glória a Deus nas Alturas e paz na Terra aos trabalhadores de boa vontade!…”

Relâmpagos de uma claridade estranha e misericordiosa clareavam o pensamento de quantos presenciavam o maravilhoso espetáculo, enquanto uma chuva de aromas inundava a atmosfera de perfumes balsâmicos e suavíssimos.

Sob aquela bênção maravilhosa, a grande assembleia dos operários do Bem foi dissolvida.

Daí a algum tempo, no dia 29 de agosto de 1831, no Riacho do Sangue, no Estado do Ceará, nascia Adolfo Bezerra de Menezes, o grande discípulo de Ismael, que vinha cumprir no Brasil uma grande missão.

 

Humberto de Campos — Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho – Trecho do capítulo 22.



sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Missão: Paternidade

 


Ser pai é missão com que o Senhor da Vida brinda o homem, abençoando a sua masculinidade, homenageando a sua função cocriadora, ao lado da mulher, que se faz mãe, pelos vínculos carnais.

Ser pai é ser protetor, guardião, amigo. Desde tempos muito antigos, essa figura foi tida como importante na formação dos filhos.

Remonta, há mais de quatro mil anos, um cartão escrito em argila, encontrado na Mesopotâmia, no qual um jovem de nome Elmesu homenageia seu pai, formulando votos de sorte, saúde e vida longa.

Possivelmente, revivendo aquele gesto, no ano de 1909, Sonora Luise, na cidade de Spokane, nos Estados Unidos, motivada pela admiração por seu genitor, decidiu homenageá-lo e criou O dia dos pais.

Não demorou muito para que outras cidades norte-americanas se interessassem pela data que, no ano de 1972, foi oficializada como festa nacional, pelo presidente Richard Nixon.

A comemoração naquele país ocorre no terceiro domingo do mês de junho, enquanto no Brasil passou a ser celebrada no segundo domingo de agosto.

Atribui-se o seu surgimento ao publicitário Sílvio Bhering e a primeira comemoração se deu no dia 14 de agosto de 1953, data dedicada, segundo a tradição católica a São Joaquim, patriarca da família.

Ter um dia para receber homenagens é sempre grato ao coração de quem ama. Momento especial, ademais, para pensar e repensar a respeito dessa importante missão.

Nos dias em que se vive a tormenta dos vícios, do tóxico, em particular, que destroça a criança, ainda nas primeiras experiências infantis, é de nos questionarmos o quê, na qualidade de pais, temos feito.

Verdade que há uma grande preocupação com a manutenção doméstica e por vezes, o cansaço nos toma as forças.

Contudo, a presença paterna é imprescindível, ao lado da materna, no sentido de educar a prole, acompanhar o passo dos pequenos e dos mocinhos.

Fazer-se presente é preciso. Olhar nos olhos dos filhos para lhes sentir as realidades íntimas, por essas janelas da alma.

Renunciar a um lazer para estar com eles. Verificar seus compromissos escolares, participar de uma ou outra atividade social, a fim de que eles se sintam apoiados por sua presença.

Dialogar com os filhos, ouvindo-lhes as opiniões sobre a vida, as pessoas, os fatos, cooperando no esclarecimento de equívocos, auxiliando-os a caminhar pelas vias do discernimento.

*   *   *

Com certeza, pai amoroso que você é, ama seus filhos. Contudo, não esqueça que o amor deve ser vigilante e perspicaz, para que, em seu nome, não se instale a insensatez e a sombra se estabeleça.

Pense nisso e dê o melhor de si a esses rebentos, filhos de Deus, confiados aos seus cuidados pelo Pai excelso de todos nós.

Pense: esta é a sua missão na qualidade de pai.

 

Redação do Momento Espírita, com base em informações colhidas no

Boletim SEI nº 2160, de 22.8.2009 e no cap. 30, do livro Vereda familiar,

pelo Espírito Thereza de Brito, psicografia de Raul Teixeira, ed. Fráter.



quinta-feira, 22 de junho de 2023

“Oceano de Pura Consciência”

 

O reconhecimento do valor de Chico Xavier não reside apenas nos oitenta e três* títulos de cidadania recebidos no Brasil — atuou junto às vítimas do fogo selvagem, contribuindo, com seu auxílio, à construção e na manutenção do Hospital do Pênfigo; merece especial atenção seu trabalho na Casa Transitória, da Federação Espírita do Estado de São Paulo, destinada a velhos desamparados, à recuperação de adultos e ao auxílio de crianças carentes; são inúmeros os hospitais psiquiátricos e casas de saúde orientados pelas obras de André Luiz, psicografadas por Chico; trabalhou intensamente na recuperação dos presidiários, organizando grupos de voluntários para orientar os detentos no regresso à sociedade, quase sempre relutantes; atende aos pobres distribuindo donativos que abrangem desde roupas e utilidades domésticas, até os gêneros de primeira necessidade; percorre as ruas de terra vermelha e barracos inacabados, distribuindo aos favelados bens materiais e conforto espiritual, entre centenas de outros gestos despojados e comoventes que possuem força suficiente para reanimar os mais aflitos.

Dimensionar a obra de Chico, através de sua longa jornada, seria pretender explicar os mundos insondáveis e profundos do médium.

A natureza, sinônimo da manifestação de Deus, não revela seus segredos de uma só vez.

A fama em nada mudou sua personalidade simples, nem alterou a magnitude de seus dons — Chico é a própria integração do homem na universalidade Cósmica e vive, simultaneamente, em duas dimensões — poderíamos dizer que Chico Xavier é um “oceano de pura consciência” e situa-se além do espaço e do tempo.

 

“Enquanto este planeta gira, de acordo com a lei imutável da gravidade, de um começo tão simples, formas infindáveis, as mais belas e perfeitas, evoluíram e ainda estão evoluindo.” (Charles Darwin)

 

“Quanto mais vivermos, com mais experiência partimos.” (Chico Xavier)

 

(“Tribuna de Brasília” - Brasília - DF, de 08 a 14 de janeiro de 1984.)

Novo mundo — Entrevistas — Emmanuel

 

*Ao longo de sua vida, Chico Xavier recebeu o título de cidadão honorário de mais de cem cidades brasileiras, inclusive as principais. (Wikipedia)


sexta-feira, 12 de maio de 2023

A missão da maternidade

 


Que mistério é esse que envolve as mães?

Eis uma pergunta difícil de explicar. Não existe uma única criatura no mundo que não haja experimentado o envolvimento de sua mãe.

Seja um envolvimento positivo, amoroso, seja um envolvimento lamentável, doentio, patológico. Mas, ninguém escapa da presença da mãe.

Alguém pode nascer sem a presença do pai, mas é impossível alguém nascer no mundo sem a presença da mãe.

A mãe é essa criatura tão especial que, muitas vezes, atormenta a vida dos filhos, desejosa de impulsionar a vida do filho.

Muitas vezes abafa o filho, querendo protegê-lo e, desse modo, verificamos quanto é importante essa figura no mundo!

Em O livro dos Espíritos, de Allan Kardec, ele chega a perguntar aos seres espirituais qual é a missão mais importante dentre aquelas que Deus concedeu aos homens na Terra e às mulheres. Os Imortais respondem a Allan Kardec que a missão mais importante é a da mulher. E complementam – porque é ela que educa o homem.

Quando nós pensamos nisso, verificamos a importância da mulher consciente, quando ela tem esse apercebimento do seu papel e quando tem essa certeza de sua influência, porque não há uma única mãe que não exerça influência sobre seus filhos.

Podemos mesmo ousar e dizer que, como base de todo o bruto, de todo o homem grotesco que houve na Humanidade, havia a figura de uma mulher, sua mãe.

Porque foi ela que fez com que ele não levasse desaforos para casa, foi ela que o ensinou a devolver agressão com agressão, ensinou-o a ser egoísta.

Mas, por baixo da história de todo santo, de todo missionário, de toda criatura do bem, existe a figura de uma mulher, de sua mãe.

Foi ela que disse: Meu filho, quando um não quer, dois não brigam. Meu filho, é melhor um covarde vivo do que um corajoso morto. Meu filho, venha lavar em casa os problemas da rua, porque em casa você encontrará amor. Roupa suja, meu filho, se lava em casa.

Então, desse modo, nós encontramos mães que criaram seus filhos para cima, e mães que empurraram seus filhos para baixo.

Encontramos aquelas que sabem que seus filhos não lhes pertencem, sabem que seus filhos são filhos de Deus essencialmente, são filhos da vida e que para a vida elas os deverão educar.

Há outras que supõem que eles sejam seus pertences, inoculam neles as suas fragilidades, os seus medos, os seus temores, seus pontos de vista.

Daí, então, começarmos a pensar na trajetória da mãe sobre o mundo, quando ela tiver essa consciência do seu papel junto aos filhos, quando ela admitir que serão seus filhos os professores de amanhã, os médicos, os advogados, os juízes, os políticos.

Quando ela admitir que serão seus filhos que administrarão as cidades, os Estados, os países, que responsabilidades terão em suas mãos. Elas próprias se tratarão melhor, para que não tenham a cabeça infernizada por complexos de culpa, por conflitos e possam passar para os seus filhos esse respeito à vida, esse respeito aos outros.

Jamais ensinando aos seus filhos que têm que respeitar os mais velhos, mas ensinando aos seus filhos que eles têm que respeitar a todo o ser humano, a todo ser vivente. E aí, a mãe ensinará os filhos a amar os vegetais, a proteger as florestas, começando a cuidar dos jardins em casa. Ela ensinará o respeito aos animais.

E, desse modo, então, quem começa das coisas simples, terá capacidade de realizar as coisas complexas.

Ah, mulher mãe! Que mistérios envolverão a sua figura?

*   *   *

A missão da mulher, desse modo, é uma missão misteriosa, porque ela consegue penetrar a alma do seu filho, ela consegue conhecer seu filho como ninguém.

Se pararmos para pensar, a mulher passa nove meses lunares carregando nas entranhas o seu rebento, nove meses em que ela faz um curso de especialização em percepção fluídica, em percepção psíquica.

Ela capta as emissões do seu feto, do seu filho ainda feto e as interpreta, como qualquer sensitivo interpretaria uma influenciação espiritual sobre seu psiquismo.

É dessa interpretação, das emissões do filho reencarnante que nascem os famosos desejos da mulher durante a gravidez: a interpretação que ela faz do que está sentindo.

Nem sempre são verdadeiras as interpretações, como nem sempre as criaturas transmitem corretamente aquilo que recebem de seres espirituais. O fenômeno é o mesmo.

Daí, podermos afirmar que a gravidez corresponde ao período de maior transe mediúnico de que se tem notícia. São nove meses em que a mulher mãe filtra o psiquismo de seu filho. São nove meses em que ela projeta sobre ele seu próprio psiquismo.

Tanto ele conhece a sua mãe intimamente, tanto ela conhece seu filho como ninguém.

A mãe conhece os filhos pelo andar deles, pelo modo deles respirarem, pelo modo de olharem. Ela conhece seu filho.

Jamais um filho se esconderá de sua mãe. Não é pelos olhos. É porque ela conhece suas emissões, seus fluidos, seu psiquismo.

Do mesmo modo, jamais uma mãe se esconderá do seu filho. Ele consegue ler na sua mãe se ela está contente, se ela está triste, se ela está feliz, se ela está aborrecida. Ele consegue ler sem que ela diga nada, por causa dessa habitualidade em conviver um com o outro, com essa intimidade visceral.

As nossas mães são aquele instrumento de que Deus lançou mão para que Ele se manifestasse na Terra, enviando-nos à Terra através delas.

A mulher rica, a mulher inteligente, intelectual quanto a mulher pobre, a mulher simples e ignorante, elas têm a mesma habilidade para ser mãe. Toda mulher, psiquicamente, nasce com essa estrutura para a maternidade.

Às vezes, elas não conseguem ser mães de filhos carnais, mas elas são mães dos sobrinhos, elas são mães dos irmãos mais novos, elas são mães de todas as crianças que se lhes acerquem, porque é da mulher esse instinto da maternidade, ainda que não tenha seus próprios filhos carnais.

É dessa maneira que nós verificamos que há um mistério notável na maternidade, e esse mistério se chama amor.

Esse amor que vem se desenvolvendo do instinto para a razão. É esse amor, nas devidas dimensões, que faz o ninho entre os irracionais, que faz com que a galinha guarde seus pintainhos sob as asas, que faz com que os felinos lambam suas crias, que faz com que os pássaros ponham na boca dos seus filhotes o alimento que trouxeram no seu próprio estômago.

É isso que se desenvolveu ao longo dos milênios e explodiu cá em cima na coroa humana e recebeu o nome de amor de mãe, profundamente irracional.

A mãe ama seu filho independentemente do que ele seja, de quem ele seja.

O maior santo recebe o amor de sua mãe, o maior vilão, o mais espúrio dos seres recebe o amor de sua mãe.

Em todas as cadeias públicas, nos dias de visita, pode faltar a esposa, o filho, o amigo, nunca a mãe. Ela estará sempre lá, amando seu filho, na felicidade ou na desdita, na alegria ou na tristeza. Porque ser mãe é de fato trazer uma proposta de Deus para aliviar as lutas do mundo.

Enquanto Deus mandar à Terra Seus filhos no seio das mulheres-mães é porque Ele ainda confia no progresso da Humanidade. 

 

Transcrição do Programa Vida e Valores, de número 147, apresentado por Raul Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná. Programa gravado em abril de 2008.

Exibido pela NET, Canal 20, Curitiba, no dia 10 de maio de 2009.

Texto extraído do site FEP - Federação Espírita do Paraná


sexta-feira, 21 de abril de 2023

A Inconfidência Mineira

 

(...) O mártir da inconfidência, depois de ter examinado, amarguradamente, a defecção dos companheiros, reveste-se de supremo heroísmo. Seu coração sente uma alegria sincera pela expiação cruel a ele somente reservada, já que seus irmãos de ideal poderiam continuar na posse do sagrado tesouro da vida. As falanges de Ismael cercam-lhe a alma leal e forte, inundando-a de santificadas consolações.

 Tiradentes entrega o Espírito a Deus, nos suplícios da forca, no dia 21 de abril de 1792. Um arrepio de angustiosa ansiedade percorre a multidão, no instante em que o seu corpo balança, pendente das traves do campo da Lampadosa.  

Mas, nesse momento, Ismael recebia nos seus braços carinhosos e fraternais a alma edificada do mártir.

— “Irmão querido, — exclama ele, — resgatas hoje os delitos cruéis levados a efeito por ti, quando te ocupavas do nefando mister de inquisidor, nos tempos passados… Resgataste o pretérito obscuro e doloroso, com as lágrimas do teu sacrifício em favor da pátria do Evangelho de Jesus. Passarás a ser um símbolo para a posteridade, com o teu heroísmo resignado nos sofrimentos purificadores… Novo gênio que surges, espargirás novas bênçãos sobre a terra do Cruzeiro, em todos os séculos do seu futuro… Regozija-te no Senhor pelo desfecho dos teus sonhos de liberdade, porque cada um será justiçado de acordo com as suas obras e se o Brasil se aproxima da sua maioridade como nação, ao influxo do amor divino, será o próprio Portugal quem virá trazer até ele, todos os elementos da sua emancipação política, sem o êxito incerto das revoluções feitas à custa do sangue fraterno, para multiplicar os órfãos e as viúvas na face sombria da Terra…”

Um sulco luminoso desenhou-se nos Espaços, à passagem das gloriosas entidades que vieram acompanhar o Espírito iluminado do mártir que não chegou a contemplar o hediondo espetáculo do esquartejamento.

Daí a alguns dias, a piedosa rainha portuguesa enlouquecia, ferida de morte na sua consciência pelos remorsos pungentes que a dilaceravam e, consoante as profecias de Ismael, daí a alguns anos era o próprio Portugal que vinha trazer, com D. João VI,  a independência do Brasil, sem o êxito incerto das revoluções fratricidas, cujos resultados invariáveis são sempre a multiplicação dos sofrimentos das criaturas, dilaceradas pelas provações e pelas dores, entre as pesadas sombras da vida terrestre.

 

Humberto de Campos — Trecho extraído do capítulo 14 do livro: Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho.


quinta-feira, 13 de abril de 2023

Imitação do Evangelho

 


Ségur, 9 de agosto de 1863. — (Médium: Sr. d’A…)

 

NOTA. — Eu a ninguém dera ciência do assunto do livro em que estava trabalhando. Conservara-lhe de tal modo em segredo o título, que o editor, Sr. Didier, só o conheceu quando da impressão. Esse título foi, a princípio: Imitação do Evangelho. Mais tarde, por efeito de reiteradas observações do mesmo Sr. Didier e de algumas outras pessoas, mudei-o para o de O Evangelho segundo o Espiritismo. Assim, as reflexões contidas nas comunicações seguintes não podem ser tidas como fruto de ideias preconcebidas do médium.

 

Pergunta. — Que pensais da nova obra em que trabalho neste momento?

 

Resposta. — Esse livro de doutrina terá considerável influência, pois que explanas questões capitais, e não só o mundo religioso encontrará nele as máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes. Fizeste bem enfrentando as questões de alta moral prática, do ponto de vista dos interesses gerais, dos interesses sociais e dos interesses religiosos. A dúvida tem que ser destruída; a terra e suas populações civilizadas estão prontas; já de há muito os teus amigos de além-túmulo as arrotearam; lança, pois, a semente que te confiamos, porque é tempo de que a Terra gravite na ordem irradiante das esferas e que saia, afinal, da penumbra e dos nevoeiros intelectuais. Acaba a tua obra e conta com a proteção do teu guia, guia de todos nós, e com o auxílio devotado dos Espíritos que te são mais fiéis e em cujo número digna-te de me incluir sempre.

 

P. — Que dirá o clero?

 

R. — O clero gritará — heresia, porque verá que atacas decisivamente as penas eternas e outros pontos sobre os quais ele baseia a sua influência e o seu crédito. Gritará tanto mais, quanto se sentirá muito mais ferido do que com a publicação de O Livro dos Espíritos, cujos dados principais, a rigor, poderia aceitar. Agora, porém, tu entraste por um novo caminho, no qual não poderá ele acompanhar-te. O anátema secreto se tornará oficial e os espíritas serão repelidos, como o foram os judeus e os pagãos, pela Igreja Romana. Em compensação, os espíritas verão aumentar-se-lhes o número, em virtude dessa espécie de perseguição, sobretudo com o qualificarem, os padres, de demoníaca uma doutrina cuja moralidade esplenderá como um raio de sol pela publicação mesma do teu novo livro e dos que se seguirão.

Aproxima-se a hora em que te será necessário apresentar o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo. Aproxima-se a hora em que, à face do céu e da Terra, terás de proclamar que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã e a única instituição verdadeiramente divina e humana. Ao te escolherem, os Espíritos conheciam a solidez das tuas convicções e sabiam que a tua fé, qual muro de aço, resistiria a todos os ataques.

Entretanto, amigo, se a tua coragem ainda não desfaleceu sob a tarefa tão pesada que aceitaste, fica sabendo que foste feliz até ao presente, mas que é chegada a hora das dificuldades. Sim, caro Mestre, prepara-se a grande batalha; o fanatismo e a intolerância, exacerbados pelo bom êxito da tua propaganda, vão atacar-te e aos teus com armas envenenadas. Prepara-te para a luta. Tenho, porém, fé em ti, como tu tens fé em nós, e sei que a tua fé é das que transportam montanhas e fazem caminhar por sobre as águas. Coragem, pois, e que a tua obra se complete. Conta conosco e conta sobretudo com a grande alma do Mestre de todos nós, que te protege de modo muito particular.

 

Obras póstumas — 2ª Parte / Capítulo 21.