Aquele que, por tanto tempo, figurou no
mundo científico e religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec, chamava-se
Rivail e morreu aos 65 anos.
Vimo-lo deitado num simples colchão, no meio
daquela sala das sessões que há longos anos presidia; vimo-lo com o rosto
calmo, como se extinguem aqueles a quem a morte não surpreende, e que,
tranquilo quanto ao resultado de uma vida vivida honesta e laboriosamente,
deixam como que um reflexo da pureza de sua alma sobre esse corpo que abandonam
a matéria.
Resignados pela fé numa vida melhor e pela
convicção da imortalidade da alma, numerosos discípulos foram dar um último
olhar a esses lábios descorados que, ainda ontem, lhes falava a linguagem da Terra.
Mas já tinham a consolação do além-túmulo; o Espírito de Allan Kardec viera
dizer como tinha sido o seu desprendimento, quais as suas impressões primeiras,
quais de seus predecessores na morte tinham vindo ajudar sua alma a
desprender-se da matéria. Se “o estilo é o homem”, os que conheceram Allan
Kardec vivo só podiam comover-se com a autenticidade dessa comunicação
espírita.
A morte de Allan Kardec é notável por uma
coincidência estranha. A Sociedade formada por esse grande vulgarizador do Espiritismo
acabava de chegar ao fim. O local abandonado, os móveis desaparecidos, nada
mais restava de um passado que devia renascer sobre bases novas. Ao fim da
última sessão, o presidente tinha feito suas despedidas; cumprida a sua missão,
ele se retirava da luta diária para se consagrar inteiramente ao estudo da
Filosofia Espiritualista. Outros, mais jovens - os valentes - deviam continuar
a obra, e fortes na sua virilidade, impor a verdade pela convicção.
Que adianta contar detalhes da morte? Que
importa a maneira pela qual o instrumento se quebrou e porque consagrar uma
linha a esses restos integrados no imenso movimento das moléculas? Allan Kardec
morreu na sua hora. Com ele fechou-se o prólogo de uma religião vivaz que,
irradiando cada dia, em breve terá iluminado a Humanidade. Ninguém melhor que
Allan Kardec poderia levar a bom termo essa obra de propaganda, à qual era
preciso sacrificar as longas vigílias que nutrem o espírito, a paciência que
ensina continuamente, a abnegação que desafia a tolice do presente para só ver
a radiação do futuro.
Por suas obras, Allan Kardec terá fundado o
dogma pressentido pelas mais antigas sociedades. Seu nome, estimado como o de
um homem de bem, é desde muito tempo vulgarizado pelos que creem e pelos que
temem. É difícil realizar o bem sem chocar os interesses estabelecidos.
O Espiritismo destrói muitos abusos; -
também reergue muitas consciências doloridas, dando-lhes a convicção da prova e
a consolação do futuro.
Hoje os espíritas choram o amigo que os
deixa, porque o nosso entendimento, demasiado material, por assim dizer, não se
pode dobrar a essa ideia da passagem. Mas, pago o primeiro tributo à
inferioridade do nosso organismo, o pensador ergue a cabeça, e para esse mundo
invisível, que sente existir além do túmulo, estende a mão ao amigo que se foi,
convencido de que seu Espírito nos protege sempre.
O Presidente da Sociedade de Paris morreu,
mas o número dos adeptos cresce dia a dia, e os valentes, cujo respeito pelo
mestre os deixava em segundo plano, não hesitarão em se afirmar, para o bem da
grande causa.
Esta morte, que o vulgo deixará passar
indiferente, é um grande fato na história da Humanidade. Este não é apenas o
sepulcro de um homem; é a pedra tumular enchendo o vazio imenso que o
Materialismo havia cavado sob os nossos pés, e sobre o qual o Espiritismo
espalha as flores da esperança.
31 DE MARÇO DE 2020 – 151 ANOS DE DESENCARNAÇÃO DO CODIFICADOR