quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
A Gênese - 150 anos, valor da obra e suas primeiras edições francesas
Anúncio da Revista Espírita de janeiro de 1868 informa
que A Gênese foi lançada no dia 6 de janeiro de 1868, em Paris. Sabe-se
também que o depósito legal deste livro no Ministério do Interior da França
foi feito por Allan Kardec no dia 4 de janeiro de 1868. Com esta obra
completa-se o quinto volume das chamadas Obras Básicas da Codificação.
Os temas são desenvolvidos em três partes - A gênese
segundo o Espiritismo; Os milagres segundo o Espiritismo; As predições
segundo o Espiritismo -, desdobrando-os em dezoito capítulos.
Destacamos a importância do capítulo “Fundamentos da
Revelação Espírita”, onde Kardec faz significativa colocação: "[...] o
que caracteriza a revelação espírita é que a sua origem é divina, que a
iniciativa pertence aos espíritos e que a elaboração é o fruto do trabalho do
homem”. Essa afirmação mostra a responsabilidade dos encarnados, notadamente
nas condições de liderança, gestão nas instituições e as ações do movimento
espírita. O Mundo Espiritual orienta, mas as decisões dependem de nossas
escolhas. O Codificador discorre sobre a relação entre Espiritismo e Ciência
e faz importante ponderação: “Caminhando com o progresso, o Espiritismo
jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem que
está errado em um determinado ponto, ele se modificaria sobre esse ponto; se
uma nova verdade se revela, ele a aceita.”
Kardec, intelectual e inspirado, analisou o
desenvolvimento do planeta e da civilização procedendo a uma analogia dos
chamados dias bíblicos com os períodos geológicos e de maneira totalmente
diferenciada das religiões tradicionais. E comenta a posição da Terra no
amplo contexto do Cosmo. O perispírito é abordado em vários capítulos do
livro, ficando mais clara a explicação sobre a ocorrência dos fenômenos
mediúnicos e dos chamados “milagres” e aparições de Jesus, descortinando-se o
mundo espiritual: “As aparições de Jesus após a sua morte são narradas por
todos os evangelistas com detalhes circunstanciados que não permitem que se
duvide da realidade do fato. [...] perfeitamente explicadas pelas leis
fluídicas e pelas propriedades do perispírito...”
Trata também da polêmica sobre o desaparecimento do corpo
do Cristo, o que somente aparece na 1ª edição. O tema da transição planetária
é apreciado nos capítulos “As predições segundo o Espiritismo” e “Os tempos
são chegados”, e alerta: “Até o presente, a humanidade tem realizado
progressos incontestáveis. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a
resultados que jamais haviam sido alcançados, sob o ponto de vista das
ciências, das artes e do bem-estar material. Ainda lhes falta um imenso
progresso a realizar: o de fazerem reinar entre eles a caridade, a
fraternidade e a solidariedade, para assegurar o bem-estar moral”.
Em comentários sobre a nova geração deve ficar claro que
esta não ficaria circunscrita ao ambiente espírita e faz a relação entre
transição e nova geração. Estes temas deveriam ser estudados pelos espíritas
até para se evitar interpretações superficiais e até estranhas com relação ao
período em que vivemos. A Revista Espírita, ao longo do ano de 1868,
transcreveu vários trechos da nova obra com o objetivo de divulgá-la, traz
mensagem de São Luís sobre o novo livro e noticia a 2ª edição em março e a 3ª edição em abril. Até a desencarnação de Kardec ocorreram quatro edições desta
Obra Básica.
A partir daí, surgem dúvidas sobre a fidedignidade das
primeiras edições de A Gênese em francês, lançadas logo após a desencarnação
do Codificador. Em 2017 a Confederação Espírita Argentina (CEA) editou em
espanhol a versão inicial de A Gênese, de janeiro de 1868, e, em reunião da
Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional, ocorrida em Bogotá (Colômbia),
em outubro de 2017, deu conhecimento que apoiou a Sra. Simoni Privato
Goidanich, em pesquisa junto aos Arquivos Nacionais da França e na Biblioteca
Nacional da França, localizadas em Paris, na própria CEA e na Associação
Espírita Constancia, de Buenos Aires. A oportuna e detalhada pesquisa, o
livro El legado de Allan Kardec, de Simoni Privato Goidanich (lançado na sede
da Confederação Espírita Argentina, aos 3/10/2017) mostrou que um único
exemplar, publicado em 1868, foi depositado legalmente durante a existência
física de Allan Kardec na Biblioteca Nacional da França. Assim o Codificador
não teria modificado o conteúdo de seu livro. O livro de Simoni é um rico
repositório da história do movimento espírita francês imediatamente após a
desencarnação de Kardec.
Henri Sausse, o principal biógrafo de Kardec e dinâmico
líder espírita francês, em artigos – um deles intitulado “Uma infâmia” -
publicados no jornal Le Spiritisme, em 1884 e 1885, já levantava questões
sobre as adulterações na 5ª edição de A Gênese e apontou 126 alterações no
texto original.
Episódios históricos ficam mais claros em livro Beaucoup
de Lumière (1884), de Berthe Fropo, disponibilizado em edição digital
bilíngue: a tradução em português e o original em francês. A autora foi espírita
atuante; fiel a Kardec; amiga, vizinha e apoiadora de Amélie Boudet. Fropo
comenta ações polêmicas e desvirtuamentos doutrinários nas mãos de Leymarie
“por influência de ideologias outras, como o roustanguismo e — ainda mais
fortemente — a mística doutrina da Teosofia de Madame Blavatsky e do Coronel
Olcott”
Nessas dúvidas antigas suspeita-se que as alterações de
trechos de A Gênese teriam sido promovidas provavelmente por Pierre-Gaëtan
Leymarie (1827-1901), como redator-chefe e diretor da "Revue Spirite"
(1870 a 1901), gerente da "Librairie Spirite" (1870 a 1897) e
presidente da “Sociedade para a Continuação das Obras Espíritas de Allan
Kardec”, cuidando das edições e autorizações de traduções de obras de
Kardec, e, inclusive das traduções pioneiras das obras de Kardec, em nosso
país, no caso para Joaquim Carlos Travassos (1839-1915), com informação
publicada na Revista Espírita. Com exceção de A Gênese, utilizando o
pseudônimo de "Fortúnio", Travassos traduziu quatro obras da
Codificação para o português, em 1875 e 1876. Há interessante observação de
Zêus Wantuil em biografia sobre Travassos, sobre uma nota do tradutor: “[...]
sem nos referirmos ao bom estilo do tradutor, é o judicioso esclarecimento,
de fundo rustenista, que vem na obra ‘O Céu e o Inferno’...”
As traduções para o português, em geral, foram feitas a
partir da 5ª edição francesa do ano de 1872. A tradução de A Gênese,
realizada por Evandro Noleto Bezerra para a FEB, utiliza a 5ª edição
francesa. O tradutor inclui uma nota de rodapé no item 67 do capítulo XV,
anotando que há uma diferença com relação à edição de 1868, com Kardec ainda
encarnado. Justifica que “ao revisar a obra com vistas à 4ª edição, Allan
Kardec houve por bem suprimir o item 67 que constava nas edições anteriores”.
A editora do Centro Espírita Léon Denis, do Rio Janeiro, lançou uma tradução
da edição francesa de 1868.
Companheiros do “Le Mouvement Spirite Francophone”
confirmaram-nos, recentemente, que a primeira impressão da 5ª edição ocorreu
em 1872, revisada, e verificou-se que muitos trechos foram eliminados da
quarta para a quinta, inclusive no capítulo sobre o corpo de Jesus.
Por ocasião dos 150 anos de A Gênese, seria oportuno que
as editoras brasileiras fizessem um esforço para se esclarecer as dúvidas
sobre a fidedignidade das edições francesas após a desencarnação de Kardec e,
se for o caso, acrescentar-se nota(s) explicativa(s) nas edições traduzidas
para o português.
Os temas de A Gênese são oportunos para a atualidade e a comemoração dos 150 anos de seu lançamento deve ser uma motivação para se implementar seu estudo e divulgação no movimento espírita. |
Antônio César Perri de Carvalho – www.redeamigoespirita.com.br
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