sábado, 30 de abril de 2022

Mais Luz - Edição 576 - 01/05/2022

 Confira nesta edição do Boletim Mais Luz:

 

Trabalho e caridade

Ante o Evangelho: Pelas suas obras é que se reconhece o cristão

Poema: Trabalho

Avancemos – Fonte Viva

Prece por trabalho

 

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Trabalho e caridade

 


Meus amigos, que o Senhor nos reúna em sua paz.

Comove-me, sobremaneira, a oportunidade de falar-vos, igualmente, nesta noite, rica de emoção e alegria para nós todos que nos harmonizamos nesta casa de amor cristão na sementeira do Evangelho simples e puro.

Que dizer-vos de nossa expectativa, de nossa esperança? O tempo voa apressado e a luta modifica os aspectos da experiência humana, entretanto, os nossos interesses efetivos da alma são os mesmos.

Guardamos no coração o programa de aperfeiçoamento da primeira hora, programa que se estende além do túmulo, compelindo-nos a ingente serviço de aplicação com o Divino Mestre.

Ah! Se pudesse, meus irmãos, descerrar-vos o véu que vos oculta a verdadeira visão da Vida Imperecível. Não obstante todos os conhecimentos amealhados por minha pequenina inteligência e por meu obscuro coração, a passagem no rumo da Vida Nova me impôs intraduzível reajustamento não no capítulo das convicções, mas, no setor da ação pessoal no aprimoramento íntimo.

Compreendi, aqui, com mais clareza, que Espiritismo sem caridade e sem trabalho é ruinoso esquecimento dos benefícios recebidos do Alto, traduzindo endurecimento e ingratidão.

É imprescindível mover nossa mente no espírito de serviço e santificar o coração no amor com que nos cabe empenhar todas as energias no bem aos semelhantes.

Todos vós que me ouvis, companheiros de luta e alegria, irmãos de muitas jornadas na Terra, despertemos nossas forças para a obra individual que o Senhor espera de nosso concurso em sua colheita de amor e luz.

Não aguardemos alheia colaboração, situando alma e pensamento, coração e cérebro nesse abençoado esforço de estender o tesouro das Bênçãos que nos foi conferido, irradiando de nós mesmos a paz e a bondade, a fraternidade e a regeneração.

Estreito é o caminho de acesso às Fontes Superiores e curto é o tempo de experiência construtiva no corpo.

O tempo é o campo sublime que não devemos menosprezar.

Atualmente, em nossa condição de desencarnados, para vós outros não passamos de sentinelas, cujo único mérito é o de vos relacionar os perigos da jornada e os percalços da senda que nos compete percorrer.

Muita gente acredita, exclusivamente, no conselho de si própria, entretanto, os que sofreram conhecem o caminho com mais precisão e é por isto que nos oferecemos ao serviço de doutrinação espiritual, acreditando que nos relevareis a boa vontade.

Grande, em verdade, é o nosso júbilo identificando-vos os propósitos elevados na direção do Reino Divino, observando o cuidado com que vos consagrais à Obra do Mestre Compassivo e Inesquecível, acompanhando-vos as realizações, a benefício do bem-estar coletivo, inspirados pelo Espiritismo Cristão em que nos irmanamos; entretanto, meus amigos, é indispensável cresçamos mais intensamente na academia da Espiritualidade Superior, dentro da qual os discípulos são, eles mesmos, os livros vivos do Infinito Bem, invariavelmente prontos a expressarem nas próprias vidas a mensagem de Jesus, sem reclamar recompensa, sem contar lágrimas, sem alinhavar queixas, sem intemperança mental, porquanto não ignoram que uma Justiça Soberana e Salvadora segue, de perto, as lutas de cada aprendiz, ajustando-as aos gloriosos imperativos da Lei que manda conferir a cada homem o resultado vivo de suas obras.

Unamo-nos mais extensamente na doutrina operante e regeneradora.

O trabalho movimenta — a caridade guia.

O trabalho renova — a caridade ilumina.

O trabalho instrui — a caridade educa.

O trabalho modifica — a caridade socorre.

O trabalho esclarece — a caridade santifica.

O trabalho alimenta — a caridade abençoa.

Com o trabalho o homem se engrandece. Com a caridade o homem se eleva para o Senhor.

Sem trabalho e sem caridade, cada dia, cada hora, cada minuto da vida, não nos aprimoraremos no santuário que penetramos à procura de amparo e consolação.

Libertemo-nos das forças entorpecentes da inércia espiritual, combatendo-as com duplicado fervor.

Com semelhantes afirmativas, meus amigos muito amados, não desejamos senão impulsionar-vos, com mais calor, para a frente em direção ao Mais Alto.

Aqui se encontram comigo nossos irmãos Franco, Ferreira, Lima e muitos outros que nunca se cansarão de colaborar pelo engrandecimento e prosperidade de nosso querido Grêmio.

Estamos juntos e Jesus permanece conosco.

Nesta convicção de fraternidade e fé vivificante que mal poderemos temer?

Entrelacemos nossos braços e corações, confiantes no Mestre, em nós mesmos e avancemos, robustos na esperança, diligentes na ação e edificados no dever bem cumprido.

A consciência reta é o nosso templo sublime. Aí dentro, neste templo vivo de nossa experiência no eterno caminho, aprendamos a amar-nos, sinceramente, uns aos outros e o Senhor nos abençoará para sempre.

E recebereis, com a tolerância e a bondade que vos caracterizam, um abraço fraternal do humilde servidor reconhecido.

Claudino Dias / Chico Xavier – Livro: Doutrina e aplicação

Avancemos

“Irmãos, quanto a mim, não julgo que haja alcançado a perfeição, mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, avanço para as que se encontram diante de mim! Paulo (Filipenses, 3:13 e 14)

 

Na estrada cristã, somos defrontados sempre por grande número de irmãos que se aquietaram à sombra da improdutividade, declarando-se acidentados por desastres espirituais.

É alguém que chora a perda de um parente querido, chamado à transformação do túmulo.

É o trabalhador que se viu dilacerado pela incompreensão de um amigo.

É o missionário que se imobilizou à face da calúnia.

É alguém que lastima a deserção de um consócio da boa luta.

É o operário do bem que clama indefinidamente contra a fuga da companheira que lhe não percebeu a dedicação afetiva.

É o idealista que espera uma fortuna material para dar início às realizações que lhe competem.

É o cooperador que permanece na expectativa do emprego ricamente remunerado para consagrar-se às boas obras.

É a mulher que se enrola no cipoal da queixa contra os familiares incompreensivos.

É o colaborador que se escandaliza com os defeitos do próximo, congelando as possibilidades de servir.

É alguém que deplora um erro cometido, menosprezando as bênçãos do tempo em remorso destrutivo.

O passado, porém, se guarda as virtudes da experiência, nem sempre é o melhor condutor da vida para o futuro.

É imprescindível exumar o coração de todos os envoltórios entorpecentes que, por vezes, nos amortalham a alma.

A contrição, a saudade, a esperança e o escrúpulo são sagrados, mas não devem representar impedimento ao acesso de nosso espírito à Esfera Superior.

Paulo de Tarso, que conhecera terríveis aspectos do combate humano, na intimidade do próprio coração, e que subiu às culminâncias do apostolado com o Cristo, nos oferece roteiro seguro ao aprimoramento.

“Esqueçamos todas as expressões inferiores do dia de ontem e avancemos para os dias iluminados que nos esperam” — eis a essência de seu aviso fraternal à comunidade de Filipos.

Centralizemos nossas energias em Jesus e caminhemos para diante.

Ninguém progride sem renovar-se.

Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 050 

Prece por trabalho


Senhor!

Auxilia-nos a servir para que aprendamos a amar, segundo nos ensinastes.

Nas horas tranquilas, induze-nos a trabalhar, aproveitando os tesouros do tempo e nas horas de crise, conserva-nos em mais trabalho a fim de não perdê-los.

Se errarmos, faze-nos trabalhar na própria corrigenda e sempre que acertarmos no dever a cumprir, acrescenta-nos o trabalho para sermos mais úteis.

Senhor, ajuda-nos a compreender que o trabalho afasta a necessidade, imunizando-nos contra o mal e auxilia-nos a lembrar que unicamente aqueles que aprendem a servir é que conseguem vencer.


Bezerra de Menezes / Chico Xavier – Livro: Marcas do caminho

sábado, 23 de abril de 2022

Quando as Ciências se afirmavam e a fé cega cedia lugar à razão, ele soube arrancar dos fenômenos curiosos das mesas girantes uma doutrina integral.

Portador de sensibilidade acurada, mantendo um alto senso crítico, Allan Kardec mergulhou o bisturi da investigação no organismo da morte e estabeleceu a linha direcional para o comportamento humano responsável em torno da imortalidade.

Ele não se deteve no umbral das investigações, fascinado pelas informações espirituais que lhe chegaram. Tampouco se permitiu apaixonar, em momento nenhum, pelas conquistas enobrecedoras.

Perquiriu, com raciocínio claro, examinou com imparcialidade, investiu o tempo e a vida na busca da Verdade, para brindar a humanidade com o Consolador que Jesus havia prometido.

Dotado de uma óptica invulgar, soube separar as gemas dos seixos, os diamantes estelares dos pedregulhos com eles formando um colar de rara beleza para adornar a vida, tornando-a bem-aventurada.

Investindo o que havia de mais precioso no conhecimento, para que a Doutrina Espírita pudesse sobreviver à marcha do progresso, examinou os mais intrigantes problemas do comportamento humano à luz da reencarnação, oferecendo uma filosofia pragmática, alicerçada no cartesianismo, facultando no futuro enfrentar com altivez a derrocada da ética e da cultura, qual ocorre nestes dias.

Confrontou os dogmas religiosos com a realidade da Ciência, e, fazendo-os implodir, propôs a religião do amor universal tendo por fundamento as bases essenciais de todas elas, com os seus componentes confirmados pela investigação científica, do que resultou uma saudável filosofia comportamental.

Profetizou a evolução da humanidade e o papel que o Espiritismo deveria desempenhar na transformação do homem.

Advertiu todos aqueles que se adentrassem no comportamento espírita para que examinassem em profundidade a Doutrina, não se deixando embair pelas ideias fantasistas ou pelas profecias de arrastamento, sem conteúdo.

E hoje, quando o Espiritismo sensibiliza milhões de vidas, o seu Movimento parece deperecer, perdendo em qualidade o que adquire em quantidade.

Adeptos precipitados tentam enxertar conceitos supersticiosos no organismo impoluto da Doutrina que dispensa apêndices, permanecendo ideal conforme foi legada por Allan Kardec.

A invigilância de alguns simpatizantes procura adaptar crendices ultramontanas ao texto doutrinário, para acomodar interesses imediatos e vazios, por falta de coragem para arrostar as consequências da fé na sua legitimidade.

O Espiritismo sobrepõe-se-lhes, porque nenhum exotismo pode fazer parte do seu contexto.

Teimam introduzir no seu conteúdo superior práticas, que, embora respeitáveis, são do Orientalismo, não se coadunando com a tecedura da verdade de que Allan Kardec se fez intermediário consciente.

A Doutrina Espírita, não obstante, respeitando todos os comportamentos religiosos e éticos da Humanidade, permanece acima de qualquer conotação suspeita ou desfiguração nas suas bases.

O mediunismo desorganizado e sensacionalista atrai a atenção para os fenômenos corriqueiros da saúde e da fantasia, de certo modo tentando transformar o Espiritismo em uma seita de significado impreciso.

Cabe, desse modo, ao espírita consciente tolerar, mas, não ser conivente; respeitar, mas, não concordar com as tentativas de intromissão de seitas, de práticas, de crendices e superstições que fizeram a glória da ignorância nas gerações passadas, poupando a Doutrina Espírita desse vandalismo injustificável, ao mesmo tempo convidando todos a uma releitura das suas bases em confronto com os avanços do conhecimento hodierno, para que se reafirme a indestrutibilidade dos seus ensinamentos, confirmados, a cada momento, pelas conquistas da razão, da tecnologia e da ciência.

O Espiritismo é a Doutrina que vem de Jesus através dos imortais, codificada pelo pensamento ímpar de Allan Kardec para assinalar a era do espírito imortal e permanecer traçando diretrizes para as gerações do futuro que nos cumpre, desde agora, preservar através de uma conduta saudável, impoluta e compatível com os postulados que fulguram nesse colosso, que é o Espiritismo, a Doutrina libertadora dos novos tempos.

Outros estudiosos, lúcidos e sérios, empreenderam o tentame de interpretar o homem, elucidando os mistérios nos quais o mesmo se encontrava oculto. Através dos tempos foram realizadas pesquisas demoradas e aprofundada a sonda de averiguação no corpo ciclópico do conhecimento, buscando-se respostas.

Livros memoráveis foram escritos, abordando o fenômeno da vida e especialmente o ser pensante, significando um passo audacioso nas interpretações valiosas.

Ninguém, no entanto, logrou penetrar tanto nas causas geradoras da vida em si mesma conforme ele o conseguiu.

Sócrates contentou-se em ouvir o seu daimon.

Buda mergulhou em profundo silêncio, descobrindo a felicidade íntima.

Pitágoras construiu a sua escola de sabedoria iniciática em Crotona e transmitiu a técnica do conhecimento imortalista.

Os cristãos primitivos, que se celebrizaram pela busca e dedicação à verdade, defrontaram a Espiritualidade e apaziguaram-se.

Os santos da escatologia católica, em retiros, silêncios e sacrifícios, superaram-se, abrindo espaços para futuras experiências ditosas...

Dante Alighieri vislumbrou as paisagens post-mortem, fazendo grandioso legado à posteridade.

Allan Kardec, entretanto, encarou com coragem os fenômenos da vida e entregou-se por inteiro ao trabalho de demitizá-la dos tabus teológicos, das superstições da ingenuidade, dos arrazoados anticientíficos, que desfrutavam de cidadania cultural.

De princípio, sem parti pris, investigou com absoluta serenidade as manifestações mediúnicas, demandando as suas causas e procurando compreendê-las com o escalpelo da razão, fato após fato, buscando encontrar uma linguagem universal lógica, irrecusável, eliminando todas as hipóteses que não as enfrentasse com segurança.

Identificada essa causa, verificou a qualidade moral dos agentes propiciadores e suas consequências éticas profundas.

Refundiu, ante as sucessivas evidências, as conclusões estabelecidas de começo até quando confirmadas pela demonstração experimental que lhes concedeu legitimidade.

Restituiu a Deus a dignidade perdida ante a vulgar conceituação antropomórfica que os homens lhe emprestaram e estudou as origens da vida, nos elementos, espiritual e material, constitutivos do Universo, para proclamar o mecanismo da evolução num processo constante e irreversível, através das etapas sucessivas da reencarnação que atesta a sabedoria divina e propõe a todos os seres a fatalidade da perfeição, relativa, que certamente alcançarão.

Passou pelo crivo da observação os antigos postulados religiosos e os analisou com os instrumentos de que dispunha, mediante a constante comunicação com os Espíritos, o que resultou na reformulação da ideia da morte, aniquilando em definitivo esse fantasma de que se utilizavam os fátuos das religiões e das crendices para concederem bênçãos e maldições ao talante da astúcia e do suborno através dos bens perecíveis.

Allan Kardec situou Jesus no seu devido lugar como “o ser mais perfeito que Deus ofereceu aos homens para servir-lhes de modelo e guia”, tornando-O o amigo e irmão mais sábio, que nos ensinou a técnica da felicidade, sem fugir, Ele mesmo, à exemplificação até o holocausto, justo e simples, mestre e companheiro de todas as criaturas.

Enquanto permaneciam os ditames impostos pela presunção dos teólogos confundindo as leis civis, transitórias, com as leis divinas, Kardec apoiou-se na lei natural - o amor - para lecionar deveres e responsabilidades iguais para todos os homens, que são os construtores do próprio destino.

Perscrutou os problemas decorrentes da “exploração do homem pelo homem” e recordou a igualdade de direitos e deveres, eliminando todo e qualquer privilégio de casta, credo, posição social e econômica, concedendo à caridade, envilecida pelo pieguismo e adulteração de finalidade, o seu verdadeiro sentido paulino e social, que propicia o socorro ao carente, de imediato, quando for o caso, promovendo-o em seguida, a fim de realizar-se na comunidade onde vive.

Abriu as portas para a investigação paranormal, pioneiro que permanece insuperado, pedagogo e psicólogo exemplar, equilibrado em todas as colocações apresentadas, que fazem de O Livro dos Espíritos, por ele escrito com a cooperação dos Mentores da Humanidade, uma Obra ímpar, que desafia o segundo século de publicação sem sofrer qualquer fissura no seu conteúdo, num período em que todo conhecimento sofreu contestação e alterou a face cultural da Terra.

O Livro dos Espíritos, desse modo, não é apenas a pedra angular sobre a qual se ergue a Doutrina Espírita, mas, também, é o tratado de robusta estrutura para orientar a Economia, a Sociologia, a Psicologia, a Embriologia, a Ética, então desvairadas, elucidando a Antropologia, a Biologia, a Fé, cujos fundamentos necessitavam da preexistência e sobrevivência do ser inteligente, que o Espiritismo comprovou e tomou acessível a todo examinador consciente e responsável.

Assim, sem O Livro dos Espíritos, com seus parâmetros soberanos e esclarecedores, não existe Doutrina Espírita, tanto quanto sem Allan Kardec não existiria esse colosso granítico demarcador da Humanidade, que é O Livro dos Espíritos, que o porvir bendirá, tornando-se manual iluminativo para as consciências do presente e do futuro.

 

Vianna de Carvalho / Divaldo Franco – Reflexões Espíritas

União fraternal

“Procurando guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz”. Paulo (Efésios, 4:3)

 

À frente de teus olhos, mil caminhos se descerram, cada vez que te lembras de fixar a vanguarda distante.

São milhões de sendas que marginam a tua.

Não olvides a estrada que te é própria e avança, destemeroso.

Estimarias, talvez, que todas as rotas se subordinassem à tua e reportaste à união, como se os demais viajores da vida devessem gravitar ao redor de teus passos.

Une-te aos outros, sem exigir que os outros se unam a ti.

Procura o que seja útil e belo, santo e sublime e segue adiante...

A nascente busca o regato, o regato procura o rio e o rio liga-se ao mar.

Não nos esqueçamos de que a unidade espiritual é serviço básico da paz.

Observas o irmão que se devota às crianças?

Reparas o companheiro que se dispôs a ajudar aos doentes?

Identificas o cuidado daquele que se fez o amigo dos velhos e dos jovens?

Assinalas o esforço de quem se consagrou ao aprimoramento do solo ou à educação dos animais?

Aprecias o serviço daquele que se converteu em doutrinador na extensão do bem?

Honra a cada um deles, com o teu gesto de compreensão e serenidade, convencido de que só pelas raízes do entendimento pode sustentar-se a árvore da união fraterna, que todos ambicionamos robusta e farta.

Não admitas que os outros estejam enxergando a vida através de teus olhos.

A evolução é escada infinita. Cada qual abrange a paisagem de acordo com o degrau em que se coloca.

Aproxima-te de cada servidor do bem, oferecendo-lhe o melhor que puderes, e ele te responderá com a sua melhor parte.

A guerra é sempre o fruto venenoso da violência.

A contenda estéril é resultado da imposição.

A união fraternal é o sonho sublime da alma humana, entretanto, não se realizará sem que nos respeitemos uns aos outros, cultivando a harmonia, à face do ambiente que fomos chamados a servir.

Somente alcançaremos semelhante realização "procurando guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz".


Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 049

sábado, 16 de abril de 2022

Mais Luz - Edição 574 - 17/04/2022

Nesta Edição:

 

  • No dia 18 de abril de 1857
  • Ante o Evangelho: O Espiritismo
  • Poema: Falando a Kardec
  • Diante do senhor – Livro Fonte Viva
  • Prece da união

 

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sexta-feira, 15 de abril de 2022

No dia 18 de abril de 1857

 

A Galeria D'Orleans foi local da Livraria Dentu e do lançamento de O Livro dos Espíritos.

No dia 18 de abril de 1857, pela manhã, um camion à chevaux se deteve na Rue Montpensier, em frente da Galeria d’Orléans, no Palais Royal, Paris. O ajudante de cocheiro, trajando uniforme cinzento, amarrotado e sujo, saltou da boleia e dirigiu-se à Livraria DENTU, situada na entrada do peristilo. Empurrando a porta de vidraça, atrás da qual conversavam dois homens, o moço dirigiu-se a um, que era o gerente:

— Bom dia, Senhor CLEMENT!

E apresentou-lhe um papel.

— Bom dia, Maurice! — Respondeu-lhe CLEMENT. Um pouquinho atrasado, não?

— Fizemos o possível, mas fomos despachados com demora na última barreira.

O gerente leu rapidamente a nota de entrega, remetida de Saint-Germain-en-Laye pela Tipografia DE BEAU, e gritou uma ordem:

— BITTARD! Recolha, por favor, essa mercadoria.

Não tardou a atender-lhe um empregado magro e alto, de avental azul, puxando, por uma corda, uma carreta de quatro roldanas pequenas. Aparentava vinte e cinco anos.

Arrastou o carrinho até à porta da Rue Montpensier, saindo por ali com Maurice, seu velho conhecido. Conversando futilidades, auxiliado pelo cocheiro e o ajudante, BITTARD carreou para o interior da loja, em dois lotes, vários pacotes cúbicos envoltos em papel grosso e tendo, numa das faces, uma etiqueta branca com o frontispício impresso dum livro. A rua tinha, a essa hora matinal, poucos transeuntes. Na maior parte, crianças com suas amas em busca do parque real. O homem que conversava com o gerente era um freguês amigo. Vendo entrar literatura nova, seguiu CLEMENT ao fundo da loja espiou o letreiro dum dos pacotes. Depois disse, despedindo-se:

— Bem, meu caro. Você agora tem afazeres. Vou importunar um pouco o Senhor DENTU.

— Até logo, DU CHALARD. (Jornalista do Courrier de Paris)

O freguês subiu a escadinha da sobreloja examinando, de passagem, as lombadas dos livros, alinhados em prateleiras e bem espanados. O gerente começou a conferência da mercadoria chegada. Contou primeiros vinte pacotes. Depois, abriu um deles, verificou em duas colunas unidas, sessenta brochuras. O bilhete de entrega rezava o total de mil e duzentos volumes. Dando o resto da mercadoria como conferido, rubricou o canhoto da nota e despediu Maurice com um sorriso e uma gorjeta de prata. Em seguida, apanhando um dos exemplares cuja capa cor-de-cinza leu com interesse, pôs-se em posição de falar com alguém da sobreloja:

— Senhor DENTU, acaba de chegar O LIVRO DOS ESPÍRITOS.

— Suba um exemplar, por favor! — Respondeu de lá, um homem, com cerca de trinta anos, louro, de estatura mediana, que estava num birô repleto de papéis e tinha ao lado, numa poltrona MAPLE, seu amigo DU CHALARD, jornalista de profissão, aparentando a mesma idade.

O ascensor manual, empregado pelo gerente para remeter o livro à sobreloja, fez tilintar uma campainha ao chegar perto da mesa duma mulher cinquentona, vestida de preto, que examinava uns papéis. Ela apanhou o volume, mirou-lhe o verso e o reverso e mandou o rapaz Adrien, que trabalhava numa escrivaninha a seu lado, aparar-lhe as folhas numa pequena guilhotina manual. Era a Viúva Mélanie DENTU que, havia pouco mais dum ano, confiara ao filho Edouard-Henri Justin-DENTU a direção do estabelecimento tradicional da família, dirigido por ela desde o falecimento do esposo.

Continuava, porém, a trabalhar com o filho, não só pelo hábito, adquirido desde o casamento, como para ajudar o Edou, segundo explicava aos fregueses. Espontadas as páginas, Adrien correu o polegar no corte para despregar as folhas e trouxe o livro à diretora. Esta, depois de rápido exame da composição tipográfica — durante o qual manifestou no semblante sinais de descontentamento — levou o volume ao filho, dizendo-lhe:

— Prometi ao Senhor RIVAIL remeter-lhe um pacote logo que a obra nos chegasse. Não seria bom mandar o mensageiro deixar, de passagem, alguns pacotes consignados com DIDIER² e LEDOYEN3, que responderam ao nosso prospecto?

— Certamente, Mam. Queira mandar, também, um pacote a AUMONT e outro a SAVY. Paris já está repleta de turistas ávidos das novidades da primavera.

Distribuiremos o resto, na próxima semana.

E, pegando o exemplar aparado, voltou-se para o jornalista:

— Este é o trabalho mais sério até hoje publicado na França, sobre os Espíritos.

— Mais sério do que o maçudo livro Dos Espíritos de DE MIRVILLE?4 — atalhou DU CHALARD, com ar de crítica.

— Doutro gênero. O livro Dos Espíritos de DE MIRVILLE é um repertório confuso e enfadonho de fatos, visando a prova da existência de SATAN. Este, que editamos, é uma obra edificante e serena.

2DIDIER e 3LÉDOYEN o primeiro editor e o segundo livreiro. Didier Et Cie., Libraires-Editeurs,33, Quai des Augustus e Ledoyen, Libraire, Galeria d’Orleans, 31 au Palais-Royal (em Paris, França) editaram, em 1860, a segunda edição de “Le Livre des Esprits”, inteiramente rcfundida e consideravelmente aumentada, por Allan Kardec, selon le ‘enseignement donné par les Esprits supérieurs à l’aide de divers médiuns. Esta segunda edição é que se nos tornou conhecida, popularizada, constituindo raridade exemplares da primeira edição, de 1857.

0 Dr. Canuto Abreu, desencarnado em 02/05/1980, em São Paulo, por ocasião das Comemorações do Primeiro Centenário de Espiritismo em São Paulo, em 18 de abril de 1957, publicou O Primeiro Livro dos Espíritos de Allan Kardec— 1857, reproduzindo, em bilíngue, aquela primeira edição

4O Sr. de Mirville foi um dos primeiros a afirmar e provar a existência dos espíritos e sua expressão; sua primeira obra, a das manifestações fluídicas, precedida pelo Livro dos Espíritos, e contribuiu poderosamente para a propagação da ideia, abrindo caminho para a doutrina que viria a eclodir mais tarde. Portanto, é errado que algumas pessoas considerem o autor como um antagonista; ele se opõe a doutrina filosófica do Espiritismo, no sentido de que, de acordo com a opinião da Igreja Católica, vê nesses fenômenos apenas a obra exclusiva do diabo. Esta conclusão à parte, suas obras e o primeiro principalmente, são ricos em fatos espontâneos muito instrutivos, apoiados por provas autênticas (Allan Kardec, Catálogo Raisonné de Obras que Servem para Fundar uma Biblioteca Espírita, 2a. cd., 1869) O Museu do Livro Espírita em organização pelo Lar da Família Universal (São Paulo, Brasil) possui, em seu acervo, um exemplar, de 1854, ESPÍRITOS e sua manifestação fluídica - Pneumatologia.

— Vejo que você leu o manuscrito antes de mandá-lo à tipografia.

— Não li senão algumas páginas do prefácio e uns tópicos do texto. Mas lembro-me bem de que por um triz, essa obra não foi parar à mão doutro editor.

— Questão de preço?

— Não; pelo título. Vou contar-lhe o fato. Quando o Autor me procurou, no fim do ano passado, eu estava justamente verificando, pelo inventário, o encalhe de várias obras sobre o Spiritualisme. CLEMENT apresentou-mo, dizendo:

— “O Professor RIVAIL tem uma importante obra ‘spiritualiste’ para publicar?’

O efeito não podia ser pior. Antes de qualquer explicação do Autor, que se sentara aí, onde você está, manifestei-lhe má vontade, declarando-lhe que, naquele momento, não nos interessava editar nenhum livro sobre Espíritos, por mais importante que fosse. O homem encarou-me complacente, como se estivesse acostumado a aturar livreiros e ia falar-me qualquer coisa, quando lhe disse, com enfado:

— “Esse assunto, meu caro Senhor, não nos interessa mais. É batidíssimo e está fora de voga. A França não se importa mais com o ‘Spiritualisme’, nosso depósito está repleto de ‘Mesas que rodam’, ‘Mesas que dançam’, ‘Mesas que falam’, ‘Mesas que adivinham’, ‘Mesas’, enfim, que ninguém mais lê.5 Essa brincadeira já passou da moda”! O homem, porém, continuava sereno e sorridente, a ouvir-me com atenção, como se já esperasse pela minha recusa. Respondeu-me, delicadamente:

— “Desejava apenas seu orçamento tipográfico, pois vou editar a obra por minha conta e risco. É possível”?

Embaraçado com sua impassibilidade e querendo, sinceramente, vê-lo pelas costas, disse-lhe que havíamos vendido a tipografia e estávamos dando serviço em concorrência a várias oficinas. E tínhamos tantos manuscritos para remeter ao prelo que, mais um, naquele fim de ano, seria bem embaraçante. E acrescentei:

— “Por que o Senhor não consulta diretamente uma tipografia, se quer editar a obra por sua conta”?

5Kardec assinala esse período como “o da curiosidade”. (Revue Spirite, setembro, 1858)

Nesse instante subiu ‘Mam’, que estava chegando à loja. Cumprimentou afavelmente o Autor e, sem conhecer minha atitude, perguntou-lhe interessada:

— “Trouxe afinal seus cadernos Professor”? E, com espanto meu, continuou:

— “É uma honra para nós editar seu livro. Estamos ultimando o inventário para balanço, mas espero ter tempo, no próximo domingo, de examinar seu manuscrito para um cálculo aproximado do custo. Far-lhe-os um orçamento razoável”. Intervi, dizendo a RIVAIL, haver recusado editar-lhe a obra por ignorar a existência dum entendimento anterior com mamãe. E acrescentei, constrangido:

— “Se não tem muita pressa, deixe conosco seus cadernos. Quantos exemplares pretende? ‘Mam’ fez-me perceber, com um olhar, que ela se incumbia de tratar da impressão e convidou o Autor a descer até a loja. Lá ficaram conversando com CLEMENT e passei a cuidar do inventário. Poucos dias depois encontrei, sobre meu birô, para assinar, um memorando remetendo o trabalho à Tipografia DE BEAU com o aviso, em vermelho, do punho de ‘Mam’: ‘Urgente e preferencial’. Perguntei a ela:

— “Sempre vamos editar esta droga”? Respondeu-me:

— “Droga não, querido. Comecei a correr os olhos sobre as laudas para um cálculo do custo e só abandonei a leitura quando cheguei ao fim da ‘Introdução’, que é enorme. Não fiz outra coisa, nestes últimos dias, senão ler e meditar essa obra verdadeiramente impressionante. E como me fez bem essa leitura, filho! Examine-lhe uma ou outra página, ao acaso, e verá que não estou exagerando”. Enquanto ela falava, risquei, com forte traço azul, o aviso de urgência, não vendo, comigo mesmo, motivo para preferir aquele manuscrito a outros de entrada mais antiga. E, a contragosto, por dever de ofício, examinei a fachada que é, em geral, a única página que o editor lê para organizar os prospectos e anúncios da obra. Depois, atendendo aos pedidos de ‘Mam’, deitei a vista sobre as primeiras linhas do prefácio. Aí, de início, se me deparou uma lição de Filologia, que é meu fraco. Quando me dei conta, estava afundado na leitura, aceitando, plenamente, os argumentos do Autor. E como diante de mim se achava mamãe a convidar-me para o almoço, confessei-lhe: — “Mam. Você tem razão. A obra parece esplêndida”.

— Ela tem sempre razão, interveio DU CHALARD lisonjeiro, olhando, sorridente, para Madame DENTU.

Edouard prosseguiu:

— Faltando-me o tempo e não gostando de ler manuscritos, examinei, perfunctoriamente, as passagens para as quais minha mãe me chamou a atenção e remeti a obra à tipografia com a recomendação de ‘urgente e preferencial’ restaurada por mim.

Era eu, então, o mais apressado a lançar O LIVRO. E afirmo-lhe, com a minha hereditária intuição de livreiro: Se essa obra não fizer sucesso entre os ‘spiritualistes’ não sei o que mais poderá animá-los. Quer lê-la?

— Certamente, e com prazer.

— Pois tome este exemplar; já está aparado. Dirá, depois, seu parecer aos leitores do ‘Courrier’6

— Obrigado, Edouard. Vou ler, com satisfação. Não sou, porém, competente para um exame crítico do ‘Spiritualisme’, mormente depois de tanta gente categorizada haver dito muito contra e a favor. O que lhe posso assegurar é ser o assunto bem atraente e não estar, como você pensa, fora de moda. Os Espíritos ainda constituem, em muitas rodas sociais, sobretudo elegantes, o entretenimento predileto e impressionante.

Intervindo na palestra, perguntou a Viúva:

— Gosta do ‘Spiritualisme’, Senhor DU CIIALARD?

— Sim, madame. Tenho atração por ele. Fui dos primeiros, em Paris, a verificar o fenômeno quando a ‘Mesa que roda’ surgiu entre nós. Afirmo-lhe, porém, que o ‘Spiritualisme’ não veio modificar minha velha convicção...

— Supõe seja mistificação?

— Não, Madame. Não me fiz entender. Creio ser o ‘Spiritualisme, uma doutrina verdadeira. Para mim os Mortos se comunicam com os Vivos. Mas...

— Acredita, então?

  6No ‘Courrier de Paris’ de 11 de junho de 1857, DU CHALARD deu seu parecer estampando extenso artigo, do qual destacamos: O LIVRO DOS ESPÍRITOS do Senhor ALLAN KARDEC é página nova do próprio grande livro do infinito e, estamos persuadidos, uma marca será posta nesta página. Seria lamentável que pudessem pensar que aqui estamos a fazer reclame bibliográfico; se tal se pudesse admitir, preferiríamos quebrar a pena. Não conhecemos o autor mas proclamamos, bom som, que gostaríamos de o conhecer. Quem escreveu aquela introdução que abre O LIVRO DOS ESPÍRITOS deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres”. (Revue Spirite, janeiro, 1858).

A atitude confiante da interlocutora e o olhar perscrutador de Edouard exigiam-lhe uma resposta clara e sincera. Contudo, o jornalista achou conveniente justificar sua crença:

— Quando eu era menino, ainda em minha província natal, um estranho acontecimento, surgido de improviso, me fez acreditar na existência das Almas de defuntos. Um vizinho falecera. Curioso, vi o cadáver já vestido e no caixão. Ficando em casa, de noite, enquanto meus pais faziam o velório, ouvi alguém abrir a porta da sala.

Pensando serem eles, saltei da cama e fui a seu encontro. E dei de cara com o defunto, pálido e triste, a sorrir para mim. A visão durou segundos. Podem imaginar o susto!

Corri ao quarto da arrumadeira, uma velha que nos servia há muitos anos, e contei-lhe, nervosamente, o fúnebre encontro. Só voltei a meu quarto, acompanhado dela, quando meus pais regressaram de madrugada. Desde então, fiquei absolutamente convicto, de que as Almas aparecem e podem sorrir aos vivos...

— Influência talvez da sua educação religiosa, insinuou DENTU.

— Não, respondeu-lhe o jornalista. Minha mãe, apesar de católica, primava em tolerância pelas ideias avançadas de meu pai, materialista, fui até os dez anos instruído por um tio positivista, amigo pessoal de LITTRÉ7 e diretor duma escola particular.

Em mim a crença nas almas resultou dum fato: Vi. Não proveio da influência doméstica nem colegial. Ao contrário: Em casa, com meu pai, e na escola, com meu tio, muita vez me disseram, a propósito da visão, que acreditar em Almas era ser supersticioso. Antes de eu ver o fantasma, minha mãe falava-me de DEUS, dos Anjos, dos Santos e dos Demônios, nunca, porém, de Almas de defuntos. E, depois que vi o fantasma, explicou-me que a visão não passava dum sonho. Aos quinze anos, querendo extirpar a minha suposta superstição, passei a ler os enciclopedistas, abundantes na biblioteca de meu pai.

Procurei, nesses livros antirreligiosos, abafar, sob o sarcasmo dos incrédulos, a lembrança da minha visão. Mas, essa cultura balofa, jamais venceu a minha crença.

Desde aquela noite do defunto fiquei, para sempre, um místico.

7Maximilien Paul Emile LITTRÉ — Filósofo, filólogo e político, n. e m. em Paris (1801/1881). Foi membro da Academia Francesa, eleito em 1871. Célebre positivista e discípulo de Augusto Comte.

Por isso falei-lhe que o ‘Spiritualisme’ não me veio abalar a convicção antiga. A ‘Mesa’ me demonstrou que a minha crença repousava numa realidade objetiva e não numa superstição.

— E escreveu a respeito? — Indagou Edouard.

— Sim. Antes de aparecer a ‘Mesa’ eu havia esboçado um trabalhinho filosófico à moda de LAMENNAIS8. Minhas conclusões, um tanto avançadas para a época, não ficavam longe da solução dos Americanos. Se tivesse publicado o ensaio, seria hoje, precursor em vez de adepto. Mas, temi a opinião pública..., e as autoridades.

— Por que não o lança agora, adaptado à teoria americana?9 — insinuou DENTU.

— Pensei nisso. Mas o insucesso de HENNEQUIN10, nosso desditoso amigo, me deixou apreensivo. Por outro lado, um publicista profissional precisa, para viver tranquilo, estar em dia com todos os acontecimentos, sem se deixar empolgar por nenhum deles, quando o assunto é controvertido.

— Poderia subscrever o trabalho com um pseudônimo, sugeriu Edouard.

— Como fez o professor RIVAIL, aduziu Mélanie.

— Seria logo descoberto. Meu jornal poderia considerar-me suspeito de frequentar sociedades secretas, que a polícia vem considerando reuniões de inimigos do regime.

— Tem razão, concordou DENTU. Seu jornal apoia o Governo. Hoje, toda cautela é pouca para quem deseje viver em paz. Quem está com a vara é a Igreja e ela não perdoa inimigos nem suspeitos.

8LAMENNAIS (ou LA MENNAIS) (l’abbé Félicité-Robert de) — Filósofo e místico, n. em St. Malo em 1788, m. em Paris em 1854. Publicou Sur la lutte de bons et mauvais génies, condenada pela Congregação do Index. Censurado pelo Papa, afastou-se da Igreja. Foi membro da Assembleia Nacional Francesa em 1848.

 9Revue Spirite (abril de 1869) reproduz do Salut, de Nova Orleans, a declaração de princípios aprovada na quinta convenção nacional, ou assembleia dos delegados dos espíritas das diversas partes dos Estados Unidos.

A comparação das crenças sobre essas matérias, entre o que se chama escola americana e a escola europeia, é uma coisa de grande importância, de que cada um poderá convencer-se. A recomendação é de Kardec, vale a pena reportar-se à fonte.

10HENNEQUIN (Victor-Antoine), n. em Paris em 1816, e m. em 1854. Advogado, deputado, publicista et singulíer illuminé. Publicou Sauvons le genre humain, ditado pelo espírito Ame de la Terre, em 1853.

Tendo enlouquecido, o acontecimento foi muito explorado pelos opositores do Espiritismo. Falam muito do caso Victor Henequim, porém esquecem-se que, antes de se ocupar com os Espíritos, já ele havia dado provas de excentricidades nas suas ideias (Allan Kardec - O que é o Espiritismo - FEB - Rio de Janeiro - 1945- 9a. ed. - pág. 68).

— E Você, Edouard? Crê no ‘Spiritualisme’? - Indagou DU CHALARD.

— Comigo o caso foi diferente: Criei-me num meio místico. Meu pai era amigo pessoal de PUYSEGUR11 e DELEUZE12 e correspondia-se com DE BARBARIN, BILLOT e outros magnetizadores da Escola Espiritualista. Mamãe e papai entregavam-se, com entusiasmo, ao estudo e à prática do Magnetismo transcendente. Por isso, a crença nos Espíritos, me foi transmitida com o leite do peito...

— Nosso lar, interveio Mélanie, era, de fato, o cenáculo dos grandes Magnetistas, quando vivia meu marido. Reuniam- se, em nossa casa, uma vez por semana, para palestrar sobre o Magnetismo ou ensaiar alguma sonâmbula. Nestes últimos quarenta anos, nenhuma livraria editou mais obras sobre o Magnetismo e ciências correlatas do que a nossa.

— Eu sei, interveio DU CIIALARD, e lembro-me de ter sido sua casa que lançou, entre nós, o primeiro livro sobre o ‘Spiritualisme’.

— De fato, logo que surgiu, em Bremen13 o caso da ‘Mesa Magnética’, como então, se dizia na Alemanha, enviei para lá, o Senhor CLEMENT. Com os dados por ele colhidos ‘in loco’ e as informações por mim obtidas, de nosso correspondente em Londres, pudemos lançar o primeiro livro escrito na França sobre o ‘Spiritualisme’ americano.

11PUYSÉGUR (Armand Marie Jacques de Chastenet, marquis de), continuador de MESMER, em 1787, ao assistir o camponês Victor Rasse, com os recursos do magnetismo, produziu o sono hipnótico, que denominou de “Sonambulismo Artificial”. Assim, casualmente, Puységur descobriu a um só tempo o sonambulismo a sugestão mental e a transmissão do pensamento. (Michaelus - Magnetismo Espiritual -FEB - Rio de Janeiro - 3a. ed. – 1977- pág. 10)

12DELEUZE (Joseph Philippe François), naturalista, bibliotecário do Museu de História Natural em França, célebre magnetizador e diretor da Escola Naturista (de Magnétologia), n. em Sisteron, em 1753, e m. em Paris, em 1835. Iniciou seus estudos e suas observações sobre o magnetismo em 1785. Publicou ‘Mémoires sur le faculté de prevision’ (1836), ‘Histoire critique du magnétisme animal’ (1849). ‘Instruction practique sur le magnétisme animal’ (1850) e ‘Correspondence’, em dois volumes, em 1838/9, com Billot (Dr. G. P.)

13Em abril de 1853, ‘ecoa de Bremen, importante cidade (alemã) à margem do rio Weser, a notícia da primeira manifestação da ‘mesa girante’, ‘com a qual não se sonhava antes da chegada do vapor de Nova Iorque, o Washington... O novo fenômeno é importado da América’ (Zêus Wantuil - As Mesas Girantes e o Espiritismo - FEB - Rio de Janeiro - 1a. ed.- pág. 26)

— Foi a pioneira desse movimento literária, sustentou DU CHALARD.

— Naquele tempo, falou DENTU, eu ainda não dirigia a Livraria, mas acompanhava as nossas edições com grande interesse. Ferdinand SILAS14 era meu amigo de escola e se incumbiu de coordenar os dados obtidos por mamãe e CLEMENT.

Conseguimos um formidável êxito de livraria, O Livro — lembra-se? — Foi lançado no mesmo dia em que a imprensa parisiense, pela primeira vez, tratou da ‘Mesa Magnética’.

Num só mês largamos três edições melhoradas. Na segunda, demos um velho ensaio de BALZAC15, apropriado ao caso, para mostrar que os Alemães não andavam adiante de nós. Na terceira, acrescentamos um prefácio de DELAAGE16, provando que nós, os Magnetistas, já havíamos previsto o Spiritualisme americano. Lançamos assim, em trinta dias, dez mil exemplares, esgotando-se as tiragens.

— E, ao mesmo tempo, imprimimos várias obras particulares, tratando de tal assunto, aduziu a viúva.

— Minha atenção para o fenômeno, disse DU CHALARD foi despertada, justamente, pelo folheto de SILAS.

E, após um instante:

— Mas, a minha pergunta, Edouard, ainda não foi respondida: Você crê nos Espíritos?

— Como lhe ia dizendo, eduquei-me num ambiente místico. Para mim eram, um fato, a imortalidade e o aparecimento da Alma, quando evocada magneticamente.

14 SILAS (Ferndinand) publicou Instruction explicative et pratique des tables tournantes (Paris, Houssiaux et Dantu, 1852(1 ed.) e 1853(2 e 35 ed).

15BALZAC (Honoré de), romancista francês, n. en Tours (1799/1850). É vasta a sua produção bibliográfica, destacamos a Comedie humaine, uma série de romances, dentre os quais Ursula Mirouet e Seraphite, este traduzido para o português por Wallace Leal V. Rodrigues, sob o título O céu em nossas almas (LAKE- livraria Allan Kardec Editora - São Paulo -1952-1 ed.)

16DELAAGE (Henri), magnetista e magnetizador, autor de livros mystico magnétiques, amigos de Alexandre Dumas, de Rigobolche e outros, com uma conversação embaraçada, por um vício de linguagem e, no entretanto, como homem do mundo, muito gentil, delicado e simpático. Nasceu em Paris em 1825.

Dentre outras obras publicou Initiation aux mystéres du magnetisme (Paris, Dentu, 1847); Le monde occulte ou Mystéres du magnetisme devoilles par le somnambulisme (Paris, P. Lesigne, 1851); Le Monde prophétique (Paris, Dentu, 1853) e L’étemité dévoilé ou vie future des ámes aprés la mort (Paris, Dentu,1854)

Minha crença, porém, ao invés de consolidar-se com a ‘Mesa’, como aconteceu a você, arrefeceu-se diante dela. Explico-lhe. Estreando-me na direção da livraria, coube-me editar ‘As Mesas Rotantes’ do Conde Agénor DE GASPARIN17. As conclusões desse ilustre Protestante, resumidas verbalmente por ele, em nossos colóquios, durante a impressão da obra, deixaram-me confuso, incrédulo, cético. A dúvida na veracidade de minha crença penetrou-me o espírito e, como um incêndio, devorou toda a minha fé na Espiritualidade. Fiquei largo tempo, sem saber se acreditava nos Espíritos, como meus pais e os amigos HENNEQUIM e DELAAGE, ou numa ‘força’ de natureza ‘material’, como afirmava DE GASPARIN.

— Meu filho, sustentou Mélanie, inclinou-se francamente, para os negadores.

Sua atitude, quase de hostilidade contra nossa crença, entristecia-me, pois eu ‘sabia’ a verdade.

— Na vida comercial intensa em que logo me encontrei, desculpou-se DENTU, não era possível, como queria ‘Mam’, aprofundar o estudo a fim de chegar, experimentalmente, a uma conclusão pessoal. Era assim, forçado a considerar as hipóteses mais prudentes dos experimentadores. Fiquei, como DE GASPARIN, crendo nas Almas imortais mas duvidando da sua comunicação pela ‘Mesa’. E assim me mantive, até o dia em que li o prefácio deste livro.

— Bravos! — Exclamou contente DU CHALARD. Posso então chamá-lo ‘irmão em crença’. Eu já desconfiava disso, dada sua intimidade com DELAAGE, SILAS e nosso infeliz HENNEQUIN.

— Sim, de fato, sou hoje um crente convicto. Mas como é DELAAGE. Para mim, o ‘Spiritualisme’ americano serve apenas de prova da verdade religiosa revelada por JESUS. Continuo na minha velha fé cristã.

17DE GASPARIN (Agénor Ettiénne, comte), francês n. em Orange (1810) e m. em Genève (1871). Político e literato foi um dos observadores e pesquisadores que iniciaram, em França, o estudo dos novos fenômenos que a abalaram no século passado e que deram origem ao movimento espiritualista moderno. É autor de Des ta bles tournantes, du sur naturel et généralet des esprits. L’auteur a constaté la réalité des phénomènes, mais il cherchait à les expliquer san le concours des Esprits (Allan Kardec, Catalogue Raisonné des Ouvrages Pouvant Servir à Fonder une Bibliothéque Spirite -Paris — 1869)

— O importante, respondeu o jornalista, é crer. Podemos divergir em matéria doutrinária. Mas negar a comunicação dos Mortos, nesta altura dos fatos, é negar a luz do Sol em pleno meio-dia.

— Na comunicação dos Mortos eu creio, repetiu DENTU.

— Graças à O LIVRO DOS ESPÍRITOS, aduziu Mélanie.

— Considero DE GASPARIN, falou o jornalista, uma pena brilhante que só tem rival em RENAN18. Mas julgo ‘As mesas Rotantes’, apesar de seu estilo maravilhoso e de seu fundo experimental, uma obra insincera e tendenciosa, escrita visando mais à defesa de SATAN do que à Ciência. E tão profundamente sectária que, apesar de DE MERVILLE e DES MOUSSEAUX sustentarem a mesma tese satânica, DE GASPARIN os ataca de rijo por serem escritores católicos.

— Eu diria mais, interveio Mélanie. É uma obra parcial, pois só tratou duma parte do fenômeno — o movimento — sem cuidar das manifestações inteligentes e sobre-humanas que a ‘Mesa’ produz e ele testemunhou muita vez.

— Estou de pleno acordo com ‘Mam’, apoiou DENTU. Na realidade DE GASPARIN procurou, dum lado, ignorar a inteligência do fenômeno e, doutro lado, defender a teologia protestante. Seu móvel, porém, não foi somente sectário. Agenor é um sábio, um verdadeiro cientista.

— Sem dúvida! — Sustentou DU CHALARD. Mas seu ataque aos Unitaristas americanos19, que aderiram ao ‘Spiritualisme’ e o propagam como um aviso divino, é prova de seu sectarismo.

— Tenho agora a certeza, atalhou DENTU, que você vai apreciar este livro e dizer em seu jornal alguma coisa boa sobre ele.

18RENAN (Josef Ernest), filósofo, filólogo, crítico e historiador francês, n. em Tréguier (Côtes du Nord), m. em Paris (1823/1892). Escritor de excepcional habilidade, historiador audacioso e erudito, escreveu, entre outras obras, Histoire des origines du christianisme (1863/1881), que compreende Vie de Jésus, Les Apôtres. L’ Ecclésiaste Chretienne e outros. A respeito de a Vida de Jesus há extenso comentário de Kardec em a Revue Spirite (maio-junho de 1864) e em Obras Póstumas (2 p. título 26).

 19Partidários do Unitarismo, doutrina que não reconhece senão uma pessoa em Deus, como os socinianos.

— É possível. Vou lê-lo com atenção. E poderei desancar o Autor, se a obra não me agradar?

— À vontade! Assim esgotaremos a edição mais depressa.... Mas olhe: Nada publique sem eu primeiro registrar O LIVRO. Como sabe, a nova Lei de Imprensa é severa e exige que, antes de comentada ou anunciada nas gazetas, a obra esteja aprovada pela Censura e arrolada no ‘Boletim Bibliográfico’ do ‘Journal de la France’20.

— Sei disso, concordou o jornalista.

20NAPOLEÃO III (Carlos Luiz Napoleão Bonaparte), n. em Paris (França) e m. em Chiselhurst (Inglaterra) (1808/1873), imperador da França, na época - de 1852 a 1858 - exercia um poder absoluto.

 

Canuto Abreu – Livro: O livro dos Espíritos e sua tradição histórica e lendária