(Falando
a S. Francisco de Assis)
Enquanto
a sociedade estertorava nas guerras cruentas de dominação de povos
e vidas, sentiste a necessidade de lutar pela Pátria, evitando o
abuso daqueles que consideravam com o direito a escravizar os seus
irmãos.
Não
compreendendo a luta que deverias travar, pensaste que as glórias
antevistas em sonho referiam-se aos tesouros terrestres, e para
melhor compreenderes o amor do Cristo, marchaste para a defesa dos
fracos, pensando em servir a Deus e ao país.
Nascido
para a paz, jamais poderias combater com armas destruidoras, e por
isso tombaste prisioneiro dos hábeis verdugos, que te encarceraram e
te fizeram sofrer.
Humilhado
e enfermo, retornaste ao lar, quando foste visitado pelo Amigo-Amor
que te convocou para diferente luta, cujas armas seriam a mansidão,
a renúncia, o sacrifício.
Eras
jovem e sonhador, trovador das noites estreladas e amigo da ilusão.
No entanto, possuías uma tristeza invencível que nada conseguia
diminuir.
Dissimulavas
a melancolia com a jovialidade, mas sabias que a tua vida não te
pertencia, embora não entendesses a solidão interior que te
macerava, preparando-te para a soledade entre todos pelo resto da tua
existência.
Mas
quando ouviste o chamado do Cantor da misericórdia, todo o teu ser
tremeu de emoção e perdeste o interesse pela existência
convencional.
Começaste
o despojamento, liberando-te das coisas, para poderes libertar-te de
ti mesmo, a fim de te entregares a Ele por inteiro.
Os
teus não te compreenderam, mas os leprosos de Rivotorto te receberam
as doações de pão, de paz, de carinho com lágrimas que os olhos
da alma vertiam em abundância, na decomposição em que se
consumiam.
Mais
tarde, outros solitários vieram unir-se à tua soledade, a fim de
formarem o rebanho submisso ao cajado do Pastor.
Ignorando
a teologia, sabias o Evangelho na sua integral pureza, sem disfarces
nem dissimulações, e saíste a vivê-lo, enquanto o pregavas com
palavras simples e atos de coragem incomum.
Transformaste
as noites festivas de cantos e banquetes em um perene poema de
beleza, enaltecendo os irmãos Sol, Lua, Chuva, Pássaros, Lobo,
Neve, enquanto o mundo de então te espreitava com desconfiança e
desinteresse. Mas, o teu exemplo de abnegação continuou
sensibilizando outros corações ansiosos de vida nova, que te
passaram a acompanhar pelas estradas da Úmbria, albergando-se na
Porciúncula modesta e desprovida de tudo, menos da ternura.
Quando
menos esperaste, havia multidões que se comprimiam para ouvir as
tuas canções de esperança e caridade, tocadas pela tua presença e
a dos teus cancioneiros, tão desprotegidos como tu mesmo, no entanto
amparados pelo Sublime Cantor.
Irmão
Francisco! Canta outra vez para nós o teu poema de amor, nestes
calamitosos dias que vivemos!
As
noites da Terra já não são ricas de canções, mas de expectativas
dolorosas.
Os
grupos juvenis raramente se reúnem para sorrir ou para os folguedos
inocentes, e sim para a embriaguez alcoólica ou o envenenamento por
drogas alucinantes.
O
enamoramento que procede à união dos corpos foi sucedido pela
volúpia do sexo em desalinho e a posterior dilaceração dos
sentimentos face ao abandono e às suas consequências perversas.
O
relacionamento fraternal tem sido transformado em gangues violentas
que se arremetem umas contra as outras em fúria desconhecida.
A
literatura gentil e cavalheiresca cede lugar à pornografia desabrida
e às narrações de funestos acontecimentos.
A
música romântica transformou-se em vulcão de ruídos metálicos
que induzem à loucura e à bestialidade.
A
poesia perdeu a inocência e a beleza, passando às arremetidas de
palavras sem nexo ou construções de palavras sem ritmo, sem rima,
sem mensagem.
É
certo que ainda permanecem em alguns grupos o sentimento de amor, de
fraternidade, de beleza e de harmonia, afirmando que nem tudo está
perdido na grande noite adornada de ciência e de tecnologia, na qual
as almas estorcegam sob os camartelos do sofrimento.
Existe
muito conforto para uns e nenhum para outros. Aliás, também nos
teus dias era assim, razão porque preferistes os últimos,
oferecendo-lhes carinho por faltarem outros recursos.
O
progresso facilitou o intercâmbio entre as criaturas e propiciou o
desenvolvimento da criminalidade e do ódio.
Há
grandeza, sim, na arte e no pensamento, na cultura e no sentimento,
porém, a fé empalideceu e agoniza ante a predominância do
comportamento hedonista que se espalha por toda a parte.
O
firmamento está cortado a cada momento por grandiosas naves
conduzindo milhões de indivíduos de um para outro lado, com todo
luxo e facilidade. Todavia, milhares de ogivas nucleares carregadas
de bombas de alta destruição aguardam o simples movimento para
dispararem suas cargas terríveis de desagregação de tudo.
Nesse
pandemônio de alegrias e pavor, de riquezas e misérias, de
esperanças e desencantos, há milhões de pessoas anelando por
conhecer-te ou reencontrar-te, a fim de que a tua canção, Irmão da
Natureza, as reconduza a Jesus a quem tanto amas!
Volta
novamente à Terra, Trovador de Deus, para que tua pobreza inunde de
poder todos aqueles que acreditam na força de não ter nada, nas
infinitas possibilidades da não violência e no infinito amor do
Pai!
Irmão
Francisco: O teu irmão lobo transformou-se no monstro devastador de
drogas que consomem a juventude, em especial, e a outros indivíduos,
em particular.
As
lutas de cidades, umas contra as outras, ainda continuam e agora mais
graves, na violência urbana.
A
poluição química da atmosfera, que ameaça a Terra, filha daquela
de natureza mental e moral, lentamente destrói a Irmã Natureza que
tanto amas.
Homens
dominadores e perversos ameaçam-se ainda através da política
escravizadora das moedas que subjugam os povos que não têm voz no
concerto das Nações poderosas.
As
vozes que proclamam a paz estão muito comprometidas com a guerra.
O
mundo de hoje aguarda o retorno da tua Canção, pobrezinho de Deus,
porque ela impregna as vidas com ternura, amor e paz.
Iremos
fazer um grande silêncio interior, preparar os caminhos e aguardar
que tu chegues, simples e nobre como o lírio do campo, bom e doce
como o mel silvestre, amigo e irmão como o Sol, para que tua voz nos
reconduza de volta ao rebanho que te segue e levas ao Irmão
Liberdade, que é Jesus.
Pensamentos
extraídos da mensagem Irmão da Natureza, escrita em Assis,
Itália,
no dia 27 de maio de 2001.
Joanna
de Ângelis / Divaldo Franco – Livro: Nascente de Bênçãos