Alvo de estudo desde a remota Antiguidade, a liderança
permanece como tema atual que pode ser conceituado como a capacidade de alguém,
denominado líder, conduzir uma equipe para a produção de resultados.
Líder é diferente de chefe.
O primeiro se esforça para manter a equipe motivada,
trabalhando integradamente com ela; por dar exemplo de boa conduta, moral e
ética; por preservar o bom relacionamento interpessoal, realizando periódicas
avaliações (feedbacks) construtivas que visam o crescimento da equipe.
O segundo concentra esforços na administração de recursos
organizacionais, colocando o elemento humano em segundo plano; age mais como um
“comandante” que, em geral, superestima a si mesmo e o papel que ocupa na
instituição; gosta de se colocar sob holofotes e, na maioria das vezes, é
autoritário e centralizador do poder. Neste contexto, o líder é respeitado, o
chefe é temido.
Acredita-se, atualmente, que um meio-termo entre ambos
apresentaria a liderança ideal, porque o líder-chefe teria o necessário senso
crítico para desempenhar o papel que lhe compete, conforme o conceito de David Carraher, cientista sênior da Universidade de
Cambridge, Massachusetts (EUA), e professor de Psicologia da Universidade de Pernambuco:
Um
indivíduo que possui a capacidade de analisar e discutir problemas inteligente
e racionalmente, sem aceitar, de forma automática, suas próprias opiniões ou
opiniões alheias, é indivíduo dotado de senso crítico.
Não obstante, a liderança pode apresentar alguns senões,
ainda que o líder possua grande poder de influenciação e até realize algo bom
ou útil. Eis como Emmanuel compreende o significado de liderança positiva:
A liderança
real no caminho da vida não tem alicerces em recursos amoedados.
Não se
encastela simplesmente em notoriedade de qualquer natureza.
Não depende
unicamente de argúcia ou sagacidade.
Nem é fruto
de erudição pretensiosa.
A chefia
durável pertence aos que se ausentam de si mesmos, buscando os semelhantes para
servi-los...
Em visita à cidade de Goiânia (GO), em 1974, Chico Xavier
é entrevistado, oferecendo-nos inspirada resposta à pergunta: “Na opinião da
espiritualidade, como definir a verdadeira liderança”?
Temos, com
toda certeza, lideranças as mais respeitáveis e por elas nos orientamos no
mundo para a sustentação da ordem, da segurança, do trabalho e do proveito em
favor de todos, mas a liderança genuína, segundo Nosso Senhor Jesus Cristo, é
sempre aquela que Ele define no próprio Evangelho:
“E aquele
que desejar ser o maior, que se faça o servidor de todos”. (Mateus, 20:27.)
A resposta dada por Chico põe em relevo não só as
necessárias características do líder (sustentação da ordem, da segurança, do
trabalho e do proveito em favor de todos), segundo a atual concepção de
liderança-chefia, mas aponta sobretudo o ideal que deve ser atingido pelos
verdadeiros líderes:
“[...]
aquele que desejar ser o maior, que se faça o servidor de todos”. (Mateus,
20:27.)
São orientações que não devem ser banalizadas porque,
relendo todo o texto evangélico, no qual o versículo 27 está inserido, vemos a
importância da citação de Chico Xavier para uma melhor compreensão do ensino de
Jesus.
Nos versículos 20 a 26, Mateus descreve o encontro do
Mestre nazareno com a mãe dos filhos de Zebedeu (João e Tiago Maior) que, tal
como acontece a todos nós, limitados pelos benefícios transitórios da vida no
plano físico, pede ao Senhor:
Dize que,
no teu Reino, estes meus dois filhos se assentem um à tua direita e o outro à
tua esquerda. (Mateus, 20:20 e 21.)
Parece até que a história é recente, quando constatamos
as diferentes manifestações de fisiologismo na sociedade. Fisiologismo, por
definição, refere-se à relação de poder em que ações e decisões são tomadas em
troca de favores e outros benefícios de interesse pessoal, em detrimento do bem
comum.
Entretanto, o próprio Jesus, o maior de todos os líderes,
o governador do planeta Terra, se coloca como simples servidor, que dispensa tratamento
especial:
Da mesma
forma que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate de muitos. (Mateus, 20:28).
As instituições espíritas apresentam, em princípio, todas
as condições necessárias de se transformarem em exemplos organizacionais, pois
têm como referência as orientações do Evangelho de Jesus e os ensinamentos da
Doutrina Espírita. É por isso que Divaldo Franco ensina, com muita propriedade,
qual é o papel do dirigente espírita:
É de muita
relevância o papel do dirigente espírita, porque ele, de certo modo, apresenta
as ansiedades da comunidade que o elege para a tarefa. Ele, porém, ao invés de
ser o chefe da casa é o trabalhador mais devotado do grupo. É o companheiro da exemplificação,
principalmente da tolerância, da compreensão e do devotamento, para que o seu fruto
seja de boa qualidade e estimule ao bem os neófitos, os que estão chegando e
aqueles outros que já colaboram, de modo a levar adiante os postulados que a
Casa defende e que ele abraçou espontaneamente.
Nem sempre a pessoa mais culta, a mais influente, ou a
que mais se destaca, é a mais indicada para nos liderar, sobretudo na Casa
Espírita, como pondera Allan Kardec:
[...] Assim,
a alma de um poderoso da Terra pode mais tarde animar o mais humilde operário e
vice-versa, porque, entre os homens, as posições sociais guardam,
frequentemente, relação inversa com a elevação dos sentimentos morais. Herodes
era rei, e Jesus, carpinteiro.
Ken Blanchard e Phill Hodges, autores do livro Lidere com
Jesus, comentam com aguda sensibilidade o momento atual vivido pela sociedade,
pregando que a solução é liderar com Jesus:
O mundo
está precisando desesperadamente de um modelo de liderança diferente. A mídia nos
despeja diariamente inúmeros casos de valores abandonados, de confiança traída,
de exploração e de manipulação cometidos por pessoas importantes e influentes.
Líderes de países e corporações usam seus cargos em benefício próprio, enquanto
uma incalculável multidão definha na pobreza e na falta de esperança. Líderes
religiosos escandalizam os crentes, comprometem igrejas e provocam ceticismo,
revolta e decepção.
Famílias se
dissolvem deixando marcas em seus membros, e as relações de amizade são
rompidas por causa de interesses puramente pessoais.
Espíritas, precisamos conhecer mais o Evangelho e o
Espiritismo, incorporando os seus postulados à nossa conduta. Comecemos, por exemplo,
por rever a parábola do mordomo/administrador infiel (Lucas, 16:1 a 13), que
simboliza a má liderança. No versículo dois, o Mestre chama a atenção do
administrador para a responsabilidade do compromisso por ele assumido,
dizendo-lhe: “Dá conta da tua administração” (Lucas, 16:2). Emmanuel assim
comenta esta parábola:
Na
essência, cada homem é servidor pelo trabalho que realiza na obra do supremo
Pai, e, simultaneamente, é administrador, porquanto cada criatura humana detém
possibilidades enormes no plano em que moureja.
Mordomo do
mundo não é somente aquele que encanece os cabelos, à frente dos interesses coletivos,
nas empresas públicas ou particulares, combatendo tricas mil, a fim de cumprir
a missão a que se dedica.
Cada
inteligência da Terra dará conta dos recursos que lhe foram confiados.
A fortuna e
a autoridade não são valores únicos de que devemos dar conta hoje e amanhã.
Encerrando a sua mensagem, o Benfeitor espiritual apresenta
uma indagação, um aconselhamento e uma previsão, ótimo roteiro para todos nós,
espíritas e não espíritas:
Que fazes,
portanto, dos talentos preciosos que repousam em teu coração, em tuas mãos e no
teu caminho? Vela por tua própria tarefa no bem, diante do Eterno, porque
chegará o momento em que o Poder divino te pedirá: “Dá conta de tua administração”.
Marta Antunes Moura / Vice-presidente da
Federação Espírita Brasileira ––
Revista Reformador-agosto / 2013