Depois de se dirigir aos numerosos missionários da
Ciência e da Filosofia, destinados à renovação do pensamento do mundo no século
XIX, o Mestre aproximou-se do abnegado João Huss e falou, generosamente:
— Não serás portador de invenções novas, não te
deterás no problema de comodidade material à civilização, nem receberás a
mordomia do dinheiro ou da autoridade temporal, mas deponho-te nas mãos a
tarefa sublime de levantar corações e consciências.
A assembleia de orientadores das atividades terrestres
estava comovida. E ao passo que o antigo campeão da verdade e do bem se sentia
alarmado de santas comoções, Jesus continuava:
— Preparam-se os círculos da vida planetária a grandes
transformações nos domínios do pensamento. Imenso número de trabalhadores no
mundo, desprezando o sentido evolucionário da vida, crê na revolução e nos seus
princípios destruidores, organizando-lhe movimentos homicidas. Em breve, não
obstante nossa assistência desvelada, que neutralizará os desastres maiores, a
miséria e o morticínio se levantarão no seio de coletividades invigilantes. A
tirania campeará na Terra, em nome da liberdade, cabeças rolarão nas praças
públicas em nome da paz, como se o direito e a independência fossem frutos da
opressão e da morte. Alguns condutores do pensamento, desvairados de
personalismo destruidor, convertem a época de transição do orbe em turbilhão
revolucionário, envenenando o espírito dos povos. O sacerdócio organizado em
bases econômicas não pode impedir a catástrofe. A Filosofia e a Ciência
intoxicaram as próprias fontes de ação e conhecimento!… É indispensável
estabelecer providências que amparem a fé, preservando os tesouros religiosos
da criatura. Confio-te a sublime tarefa de reacender as lâmpadas da esperança
no coração da humanidade. O Evangelho do Amor permanece eclipsado no jogo de
ambições desmedidas dos homens viciosos!… Vai, meu amigo. Abrirás novos
caminhos à sagrada aspiração das almas, descerrando a pesada cortina de sombras
que vem absorvendo a mente humana. Na restauração da verdade, no entanto, não
esperes os louros do mundo, nem a compreensão de teus contemporâneos.
Meus enviados não nascem na Terra para serem servidos,
mas por atenderem às necessidades das criaturas. Não recebem palmas e homenagens,
facilidades e vantagens terrestres, contudo, minha paz os fortalece e
levanta-os, cada dia. Muitas vezes, não conhecem senão a dificuldade, o
obstáculo, o infortúnio, e não encontram outro refúgio além do deserto. É
preciso, porém, erigir o santuário da fé e caminhar sem repouso, apesar de
perseguições, pedradas, cruzes e lágrimas!…
Ante a emoção dos trabalhadores do progresso cultural
do orbe terrestre, o abnegado João Huss recebeu a elevada missão que lhe era
conferida, revelando a nobreza do servo fiel, entre júbilos de reconhecimento.
Daí a algum tempo, no albor do século XIX, nascia
Allan Kardec em Lyon, por trazer a divina mensagem.
Espírito devotado, jamais olvidou o compromisso
sublime. Não encontrou escolas de preparação espiritual, mas nunca menosprezou
o manancial de recursos que trazia em si mesmo. E como se quisera demonstrar
que as fontes do profetismo devem manar de todas as regiões da vida para
sustentáculo e iluminação do Espírito eterno, embora no quadro dos grandes
homens do pensamento, estimou desferir os primeiros voos de sua missão divina
na zona comum onde permanece a generalidade das criaturas. Consoante a previsão
do Cristo, a Revolução Francesa preparara com sangue o império das guerras
napoleônicas.
Enquanto os operários da cultura moderna lançavam
novas bases ao edifício do progresso mundial, o grande missionário, sem
qualquer preocupação de recompensa ou exibicionismo, dá cumprimento à tarefa
sublime. E foi assim que o século XIX, que recebeu a navegação a vapor, a
locomotiva, a eletrotipia, o telégrafo, o telefone, a fotografia, o cabo
submarino, a anestesia, a turbina a vapor, o fonógrafo, a máquina de escrever,
a luz elétrica, o sismógrafo, a linotipo, o radium, o cinematógrafo e o
automóvel, tornou-se receptor da Divina Luz da revivescência do Evangelho.
O discípulo dedicado rasgou os horizontes estreitos do
ceticismo e o Plano invisível encontrou novo canal a fim de projetar-se no
mundo, atenuando-lhe as sombras densas e renovando as bases da fé.
Alguns dos companheiros de luta espiritual, embora em
seguida às hostilidades do meio, recebiam aplausos do mundo e proteção de
governos prestigiosos, mas o emissário de Jesus, no deserto das grandes
cidades, trabalhava em silêncio, suportando calúnias e zombarias, vencendo
dificuldades e incompreensões.
Ao fim da laboriosa tarefa, o trabalhador fiel
triunfara.
Em breve, a Doutrina Consoladora dos Espíritos
iluminava corações e consciências, nos mais diversos pontos do globo.
É que Allan Kardec, se viera dos Círculos mais
elevados dos processos educativos do mundo, não esquecera a necessidade de
sabedoria espiritual. Discípulo eminente de professores consagrados, como
Pestalozzi, não esqueceu a ascendência do Cristo. Trabalhador no serviço da
redenção, compreendeu que não viera à Terra por atender a caprichos individuais
e sim aos poderes superiores da vida.
Sua exemplificação é um programa e um símbolo.
Conquistando a auréola dos missionários vitoriosos, não se incorporou à galeria
dos grandes do mundo, por que apenas indicasse o caminho salvador à humanidade
terrestre.
Allan Kardec não somente pregou a doutrina
consoladora; viveu-a. Não foi um simples codificador de princípios, mas um fiel
servidor de Jesus e dos homens.
Irmão X (Humberto de Campos) / Chico Xavier – Livro: Doutrina-escola