Senhor Jesus!
Diante do
calendário que se renova, deixa que nos ajoelhemos para implorar-te compaixão.
Tu que eras
antes que fôssemos, que nos tutelaste, em nome do Criador, na noite insondável
das origens, não desvies de nós teu olhar, para que não venhamos a perder o
adubo do sangue e das lágrimas, oriundo das civilizações que morreram sob o
guante da violência!…
Determinaste
que o Tempo, à feição de ministro silencioso de tua justiça, nos seguisse todos
os passos…
E, com os
séculos, carregamos o pedregulho da ilusão, dele extraindo o ouro da
experiência.
Do berço para
o túmulo e do túmulo para o berço, temos sido senhores e escravos, ricos e
pobres, fidalgos e plebeus.
Entretanto, em
todas as posições, temos vivido em fuga constante da verdade, à caça de triunfo
e denominação para o nosso velho egoísmo.
Na governança,
nutríamos a vaidade e a miséria.
Na
subalternidade, alentávamos o desespero e a insubmissão.
Na fortuna,
éramos orgulhosos e inúteis.
Na carência,
vivíamos intemperantes e despeitados.
Administrando,
alongávamos o crime.
Obedecendo,
atendíamos à vingança.
Resistíamos a
todos os teus apelos, em tenebrosos labirintos de opressão e delinquência,
quando vieste ensinar-nos o caminho libertador.
Não te
limitaste a crer na glória do Pai Celeste.
Estendeste-Lhe
a incomparável bondade.
Não te
circunscreveste à fé que renova.
Abraçaste o
amor que redime.
Não te
detiveste entre os eleitos da virtude.
Comungaste o
ambiente das vítimas do mal, para reconduzi-las ao bem.
Não te ilhaste
na oração pura e simples.
Ofertaste mãos
amigas às necessidades alheias.
Não te
isolaste, junto à dignidade venerável de Salomé, a venturosa mãe dos filhos de
Zebedeu.
Acolheste a
Madalena, possuída de sete gênios sombrios.
Não
consideraste tão somente a Bartimeu, o mendigo cego.
Consagraste
generosa atenção a Zaqueu, o rico necessitado.
Não apenas
aconselhaste a fraternidade aos semelhantes.
Praticaste-a
com devotamento e carinho, da intimidade do lar ao sol meridiano da praça
pública.
Não pregaste a
doutrina do perdão e da renúncia exclusivamente para os outros.
Aceitaste a
cruz do escárnio e da morte, com abnegação e humildade, a fim de que
aprendêssemos a procurar contigo a divina ressurreição…
Entretanto,
ainda hoje, decorridos quase vinte séculos* sobre o teu sacrifício, não temos
senão lágrimas de remorso e arrependimento para fecundar o Saara de nossos
corações…
Em teu nome,
discípulos infiéis que temos sido, espalhamos nuvens de discórdia e crueldade
nos horizontes de toda a Terra! É por isso que o Tempo nos encontra hoje tão
pobres e desventurados como ontem, por desleais ao teu Evangelho de Redenção.
Não nos
deixes, contudo, órfãos de tua bênção…
No oceano
encapelado das provações que merecemos, a tempestade ruge em pavorosos açoites…
Nosso mundo, Senhor, é uma embarcação que estala aos golpes rijos do vento.
Entre as convulsões da procela que nos arrasta e o abismo que nos espreita,
clamamos por teu socorro! E confiamos em que te levantarás luminoso e imaculado
sobre a onda móvel e traiçoeira, aplacando a fúria dos elementos e exclamando
para nós, como outrora disseste aos discípulos aterrados: — “Homens de pouca
fé, porque duvidastes?”
Irmão X (Humberto de Campos) / Chico Xavier
Livro: Cartas e crônicas