A alma é, como nos demonstraram os ensinos
precedentes, uma emanação, uma partícula do Absoluto. Suas vidas têm por objetivo
a manifestação cada vez mais grandiosa do que nela há de divino, o aumento do
domínio que está destinado a exercer dentro e fora de si, por meio de seus
sentidos e energias latentes.
Pode-se alcançar esse resultado por processos
diferentes, pela Ciência ou pela meditação, pelo trabalho ou pelo exercício moral.
O melhor processo consiste em utilizar todos esses modos de aplicação, em
completá-los uns pelos outros; o mais eficaz, porém, de todos, é o exame
íntimo, a introspecção.
Acrescentemos o desapego das coisas materiais, a firme
vontade de melhorar a nossa união com Deus em espírito e verdade, e veremos que
toda religião verdadeira, toda filosofia profunda aí vai buscar sua origem e
nessas fórmulas se resume. O resto, doutrinas culturais, ritos e práticas não
são mais do que o vestuário externo que encobre, aos olhos das turbas, a alma
das religiões.
Victor Hugo escrevia no Post scriptum de ma vie:
“É dentro de nós que devemos olhar o exterior... Inclinando-nos sobre esse poço,
o nosso espírito, avistamos, a uma distância de abismo, em estreito círculo, o
mundo imenso.”
Dizia também Emerson: “A alma é superior ao que se
pode saber dela e mais sábia do que qualquer uma de suas obras”.
As profundezas da alma ligam-na à grande Alma
universal e eterna, de que ela é uma como vibração. Essa origem e essa participação
da natureza divina explicam as necessidades irresistíveis do Espírito em
evolução adiantada: necessidade de infinito, de justiça, de luz; necessidade de
sondar todos os mistérios, de estancar a sede nos mananciais vivos e
inexauríveis cuja existência ele pressente, mas que não consegue descobrir no plano
de suas vidas terrestres.
Daí provêm nossas mais altas aspirações, nosso desejo
de saber, jamais satisfeito, nosso sentimento do belo e do bem; daí os clarões
repentinos que iluminam de tempos em tempos as trevas da existência e os
pressentimentos, a previsão do futuro, relâmpagos fugitivos no abismo do tempo,
que luzem às vezes para certas inteligências.
Sob a superfície do “eu”, superfície agitada pelos
desejos, esperanças e temores, está o santuário que encerra a consciência integral,
calma, pacífica, serena, o princípio da sabedoria e da razão, de que a maior
parte dos homens só tem conhecimento por surdas impulsões ou vagos reflexos
entrevistos.
Todo o segredo da felicidade, da perfeição, está na identificação,
na fusão em nós desses dois planos ou focos psíquicos; a causa de todos os
nossos males, de todas as nossas misérias morais está na sua oposição.
Na Crítica da Razão Pura, o grande filósofo
Emmanuel Kant demonstrou que a razão humana, isto é, a razão superficial de que
falamos, por si mesma nada podia perceber, nada provar do que respeita às
realidades do mundo transcendental, às origens da vida, ao espírito, à alma, a
Deus.
Dessa argumentação infere-se, lógica e
necessariamente, a consequência de que existe em nós um princípio, uma razão
mais profunda que, por meio da revelação interior, nos inicia nas verdades e
leis do mundo espiritual.
William James faz a mesma afirmação, nestes termos: “O
“eu” consciente faz um só com um “eu” maior, do qual lhe vem o resgate”.
E, mais adiante:
“Os prolongamentos do “eu” consciente dilatam-se muito além do mundo da
sensação e da razão, em certa região que se pode chamar mística ou
sobrenatural. Quando nossas tendências para o ideal têm sua origem nessa região
– é o caso da maior parte delas, porque somos possuídos por elas de maneira que
não podemos perceber – ali temos raízes mais profundas do que no mundo visível,
pois nossas mais altas aspirações são centro da nossa personalidade. Mas, esse mundo
invisível não é somente ideal, produz efeitos no mundo visível. Pela comunhão
com o invisível, o “eu” finito transforma-se; tornamo-nos homens novos e nossa regeneração,
modificando nosso proceder, repercute no mundo material. Como, pois, recusar o
nome de realidade ao que produz efeitos no seio de uma outra realidade? Com que
direito diriam os filósofos que não é real o mundo invisível?” (...)
Léon Denis – O problema
do ser, do destino e da dor – cap. XXI