Certo carneiro
muito inteligente, mas indisciplinado, reparou os benefícios que a lã espalhava
em toda parte, e, desde então, julgou-se melhor que os outros seres da Criação,
passando a revoltar-se contra a tosquia.
— Se era tão precioso,
— pensava, — por que aceitar a humilhação daquela tesoura enorme? Experimentava
intenso frio, de tempos a tempos, e, despreocupado das ricas rações que recebia
no redil, detinha-se apenas no exame dos prejuízos que supunha sofrer.
Muito
amargurado, dirigiu-se ao Criador, exclamando:
— Meu Pai, não
estou satisfeito com a minha pelagem. A tosquia é um tormento… Modifica-me,
Senhor!…
O
Todo-Poderoso indagou, com bondade:
— Que desejas
que eu faça?
Vaidosamente,
o carneiro respondeu:
— Quero que a
minha lã seja toda de ouro.
A rogativa foi
satisfeita. Contudo, assim que o orgulhoso ovino se mostrou cheio de pelos
preciosos, várias pessoas ambiciosas atacaram-no sem piedade. Arrancaram-lhe,
violentamente, todos os fios, deixando-o em chagas.
O infeliz, a
lastimar-se, correu para o Altíssimo e implorou:
— Meu Pai,
muda-me novamente! Não posso exibir lã dourada… encontraria sempre salteadores
sem compaixão.
O Sábio dos
Sábios perguntou:
— Que queres
que eu faça?
O animal,
tocado pela mania de grandeza, suplicou:
— Quero que a
minha lã seja lavrada em porcelana primorosa.
Assim foi
feito. Entretanto, logo que tornou ao vale, apareceu no céu enorme ventania,
que lhe quebrou todos os fios, dilacerando-lhe a carne.
Regressou,
aflito, ao Todo-Misericordioso e queixou-se:
— Pai,
renova-me!… A porcelana não resiste ao vento… estou exausto…
Disse-lhe o
Senhor:
— Que desejas
que eu faça?
— A fim de não
provocar os ladrões e nem ferir-me com porcelana quebrada, quero que a minha lã
seja feita de mel.
O Criador
satisfez o pedido. Todavia, logo que o pobre se achou no redil, bandos de
moscas asquerosas cobriram-no em cheio e, por mais corresse campo a fora, não
evitou que elas lhe sugassem os fios adocicados.
O mísero
voltou ao Altíssimo e implorou:
— Pai,
modifica-me… as moscas deixaram-me em sangue!
O Senhor
indagou, de novo, com inexaurível paciência:
— Que queres
que eu faça?
Dessa vez, o
carneiro pensou mais tempo e considerou:
— Suponho que
seria mais feliz se tivesse minha lã semelhante às folhas de alface.
O Todo-Bondoso
atendeu-lhe mais uma vez a vontade e o carneiro voltou à planície, na
caprichosa alegria de parecer diferente. No entanto, quando alguns cavalos lhe
puseram os olhos, não conseguiu melhor sorte. Os equinos prenderam-no com os
dentes e, depois de lhe comerem a lã, abocanharam-lhe o corpo.
O carneiro
correu na direção do Juiz Supremo, gotejando sangue das chagas profundas, e, em
lágrimas, gemeu, humilde:
— Meu Pai, não
suporto mais!…
Como soluçasse
longamente, o Todo-Compassivo, vendo que ele se arrependera com sinceridade,
observou:
— Reanima-te,
meu filho! Que pedes agora?
O infeliz
replicou, em pranto:
— Pai, quero
voltar a ser um carneiro comum, como sempre fui. Não pretendo a superioridade
sobre meus irmãos. Hoje sei que os meus tosquiadores de outro tempo são meus
verdadeiros amigos. Nunca me deixaram em feridas e sempre me deram de comer e
beber, carinhosamente… Quero ser simples e útil, qual me fizeste, Senhor!…
O Pai sorriu,
bondoso, abençoou-o com ternura e falou:
— Volta e
segue teu caminho em paz. Compreendeste, enfim, que meus desígnios são justos.
Cada criatura está colocada, por minha Lei, no lugar que lhe compete e, se
pretendes receber, aprende a dar.
Então o
carneiro, envergonhado, mas satisfeito, voltou para o vale, misturou-se com os
outros e daí por diante foi muito feliz.
Alvorada Cristã — Neio Lúcio