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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Consolador prometido

 

Jesus promete outro consolador: o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar maduro para o compreender, consolador que o Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar o que o Cristo há dito. Se, portanto, o Espírito de Verdade tinha de vir mais tarde ensinar todas as coisas, é que o Cristo não dissera tudo; se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é que o que este disse foi esquecido ou mal compreendido.

O Espiritismo vem, na época predita, cumprir a promessa do Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Verdade. Ele chama os homens à observância da lei; ensina todas as coisas fazendo compreender o que Jesus só disse por parábolas. Advertiu o Cristo: “Ouçam os que têm ouvidos para ouvir.” O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porquanto fala sem figuras, nem alegorias; levanta o véu intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem, finalmente, trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores.

Disse o Cristo: “Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados”. Mas como há de alguém sentir-se ditoso por sofrer, se não sabe por que sofre? O Espiritismo mostra a causa dos sofrimentos nas existências anteriores e na destinação da Terra, onde o homem expia o seu passado. Mostra o objetivo dos sofrimentos, apontando-os como crises salutares que produzem a cura e como meio de depuração que garante a felicidade nas existências futuras. O homem compreende que mereceu sofrer e acha justo o sofrimento. Sabe que este lhe auxilia o adiantamento e o aceita sem murmurar, como o obreiro aceita o trabalho que lhe assegurará o salário. O Espiritismo lhe dá fé inabalável no futuro e a dúvida pungente não mais se lhe apossa da alma. Dando-lhe a ver do alto as coisas, a importância das vicissitudes terrenas some-se no vasto e esplêndido horizonte que ele o faz descortinar, e a perspectiva da felicidade que o espera lhe dá a paciência, a resignação e a coragem de ir até o termo do caminho.

Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador Prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da Lei de Deus e consola pela fé e pela esperança. (Allan Kardec)

 

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo VI – O Cristo consolador – item 4

sábado, 13 de novembro de 2021

Ante o Evangelho: Os falsos profetas da erraticidade

 

Os falsos profetas não se encontram unicamente entre os encarnados. Há-os também, e em muito maior número, entre os Espíritos orgulhosos que, aparentando amor e caridade, semeiam a desunião e retardam a obra de emancipação da Humanidade, lançando-lhe de través seus sistemas absurdos, depois de terem feito que seus médiuns os aceitem. E, para melhor fascinarem àqueles a quem desejam iludir, para darem mais peso às suas teorias, se apropriam sem escrúpulo de nomes que só com muito respeito os homens pronunciam.

São eles que espalham o fermento dos antagonismos entre os grupos, que os impelem a isolarem-se uns dos outros e a olharem-se com prevenção.

Isso por si só bastaria para os desmascarar, pois, procedendo assim, são os primeiros a dar o mais formal desmentido às suas pretensões. Cegos, portanto, são os homens que se deixam cair em tão grosseiro embuste.

Há, porém, muitos outros meios de serem reconhecidos. Espíritos da categoria em que eles dizem achar-se têm de ser não só muito bons, como também eminentemente racionais. Pois bem: passai-lhes os sistemas pelo crivo da razão e do bom senso e vede o que restará. Convinde, pois, comigo, em que, todas as vezes que um Espírito indica, como remédio aos males da Humanidade ou como meio de conseguir-se a sua transformação, coisas utópicas e impraticáveis, medidas pueris e ridículas; quando formula um sistema que as mais rudimentares noções da Ciência contradizem, não pode ser senão um Espírito ignorante e mentiroso.

Por outro lado, crede que, se nem sempre os indivíduos apreciam a verdade, esta é apreciada sempre pelo bom senso das massas, constituindo isso mais um critério. Se dois princípios se contradizem, achareis a medida do valor intrínseco de ambos, verificando qual dos dois encontra mais ecos e simpatias. Fora, com efeito, ilógico admitir-se que uma doutrina cujo número de adeptos diminua progressivamente seja mais verdadeira do que outra que veja o dos seus em contínuo aumento. Querendo que a verdade chegue a todos, Deus não a confina num círculo acanhado: fá-la surgir em diferentes pontos, a fim de que por toda a parte a luz esteja ao lado das trevas.

Repeli sem condescendência todos esses Espíritos que se apresentam como conselheiros exclusivos, pregando a separação e o insulamento. São quase sempre Espíritos vaidosos e medíocres, que procuram impor-se a homens fracos e crédulos, prodigalizando-lhes exagerados louvores, a fim de os fascinar e de tê-los dominados. São, geralmente, Espíritos sequiosos de poder e que, déspotas públicos ou nos lares, quando vivos, ainda querem vítimas para tiranizar depois de terem morrido. Em geral, desconfiai das comunicações que trazem um caráter de misticismo e de singularidade, ou que prescrevem cerimônias e atos extravagantes. Há sempre, nesses casos, motivo legítimo de suspeição (...). – Erasto, discípulo de Paulo (Paris, 1862.)

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo XXI – Haverá falsos cristos e falsos profetas – item 10

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Imitação do Evangelho

 


Ségur, 9 de agosto de 1863 (Médium Sr. d’A...)


Nota – Eu a ninguém dera ciência do assunto do livro em que estava trabalhando.

Conservara-lhe de tal modo em segredo o título, que o editor, Sr. Didier, só o conheceu quando da impressão. Esse título foi, a princípio: Imitação do evangelho.

Mais tarde, por efeito de reiteradas observações do mesmo Sr. Didier e de algumas outras pessoas, mudei-o para o de O evangelho segundo o espiritismo. Assim, as reflexões contidas nas comunicações seguintes não podem ser tidas como fruto de ideias preconcebidas do médium.

 

Pergunta – Que pensais da nova obra em que trabalho neste momento?

Resposta – Esse livro de doutrina terá considerável influência, pois que explanas questões capitais, e não só o mundo religioso encontrará nele as máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes. Fizeste bem enfrentando as questões de alta moral prática, do ponto de vista dos interesses gerais, dos interesses sociais e dos interesses religiosos. A dúvida tem que ser destruída; a terra e suas populações civilizadas estão prontas; já de há muito os teus amigos de além-túmulo as arrotearam; lança, pois, a semente que te confiamos, porque é tempo de que a Terra gravite na ordem irradiante das esferas e que saia, afinal, da penumbra e dos nevoeiros intelectuais. Acaba a tua obra e conta com a proteção do teu guia, guia de todos nós, e com o auxílio devotado dos Espíritos que te são mais fiéis e em cujo número digna-te de me incluir sempre.

 

P. – Que dirá o clero?

R. – O clero gritará — heresia —, porque verá que atacas decisivamente as penas eternas e outros pontos sobre os quais ele baseia a sua influência e o seu crédito. Gritará tanto mais, quanto se sentirá muito mais ferido do que com a publicação de O livro dos espíritos, cujos dados principais, a rigor, poderia aceitar. Agora, porém, tu entraste por um novo caminho, no qual não poderá ele acompanhar-te. O anátema secreto se tornará oficial e os espíritas serão repelidos, como o foram os judeus e os pagãos, pela Igreja Romana. Em compensação, os espíritas verão aumentar-se-lhes o número, em virtude dessa espécie de perseguição, sobretudo com o qualificarem, os padres, de demoníaca uma Doutrina cuja moralidade esplenderá como um raio de sol pela publicação mesma do teu novo livro e dos que se seguirão.

Aproxima-se a hora em que te será necessário apresentar o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo. Aproxima-se a hora em que, à face do céu e da Terra, terás de proclamar que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã e a única instituição verdadeiramente divina e humana. Ao te escolherem, os Espíritos conheciam a solidez das tuas convicções e sabiam que a tua fé, qual muro de aço, resistiria a todos os ataques.

Entretanto, amigo, se a tua coragem ainda não desfaleceu sob a tarefa tão pesada que aceitaste, fica sabendo que foste feliz até o presente, mas que é chegada a hora das dificuldades. Sim, caro mestre, prepara-se a grande batalha; o fanatismo e a intolerância, exacerbados pelo bom êxito da tua propaganda, vão atacar-te e aos teus com armas envenenadas. Prepara-te para a luta. Tenho, porém, fé em ti, como tu tens fé em nós, e sei que a tua fé é das que transportam montanhas e fazem caminhar por sobre as águas. Coragem, pois, e que a tua obra se complete. Conta conosco e conta sobretudo com a grande alma do Mestre de todos nós, que te protege de modo muito particular.


 Paris, 14 de setembro de 1863 

Nota – Eu solicitara para mim uma comunicação sobre um assunto qualquer e pedira que ela me fosse enviada para o meu retiro de Sainte-Adresse.

“Quero falar-te de Paris, embora isso não me pareça de manifesta utilidade, uma vez que as minhas vozes íntimas se fazem ouvir em torno de ti e que teu cérebro percebe as nossas inspirações, com uma facilidade de que nem tu mesmo suspeitas. Nossa ação, principalmente a do Espírito Verdade, é constante ao teu derredor e tal que não a podes negar. Assim sendo, não entrarei em detalhes ociosos a respeito do plano de tua obra, plano que, segundo meus conselhos ocultos, modificaste tão ampla e completamente.

Compreendes agora por que precisávamos ter-te sob as mãos, livre de toda preocupação outra, que não a da Doutrina. Uma obra como a que elaboramos de comum acordo necessita de recolhimento e de insulamento sagrado. Tenho vivo interesse pelo teu trabalho, que é um passo considerável para a frente e abre, afinal, ao Espiritismo a estrada larga das aplicações proveitosas, a bem da sociedade. Com esta obra, o edifício começa a libertar-se dos andaimes e já se lhe pode ver a cúpula a desenhar-se no horizonte. Continua, pois, sem impaciência e sem fadiga; o monumento estará pronto na hora determinada.

Já tratamos contigo das questões incidentes do momento, isto é, das questões religiosas. O Espírito Verdade te falou das rebeliões que já se levantam na hora, presente. São necessárias essas hostilidades para manter desperta a atenção dos homens, que tão facilmente se deixam desviar de um assunto sério. Aos soldados que combatem pela causa, incessantemente se juntarão combatentes novos, cujas palavras e escritos hão de causar sensação e levarão a perturbação e a confusão às fileiras dos adversários.

Adeus, caro companheiro de antanho, discípulo fiel da verdade, que continua através da vida a obra a que outrora, diante do Espírito que te ama e a quem venero, juramos consagrar as nossas forças e as nossas existências, até que ela se achasse concluída. Saúdo-te.”

Observação – O plano da obra fora, de fato, completamente modificado, o que sem dúvida o médium não podia saber, pois que ele estava em Paris e eu em Sainte-Adresse. Tampouco podia saber que o Espírito Verdade me falara da atitude de revolta do bispo de Argélia e outros. Todas essas circunstâncias eram bem urdidas para me comprovar que os Espíritos tomavam parte em meus trabalhos.

Livro: Obras Póstumas

 15 de abril de 2021 – 157 anos de O Evangelho segundo o Espiritismo

sábado, 7 de novembro de 2020

Uma águia de asas partidas

 


Ele era um jovem abastado. Herdara dos pais um palácio que se erguia na colina de Acra. Seus servos o amavam e serviam com lealdade, atendendo-lhe todos os desejos.

Habituara-se a dormir em seu leito de ébano e marfim, onde se permitia devaneios e dava vazão a muitos sonhos.

E quantos sonhos tinha! Amava as corridas de bigas, quadrigas, ansiava pela ovação do povo, que o conduzia quase ao êxtase.

Via-se, por entre a multidão, recebendo flores aos pés e seu nome aclamado repetidas vezes.

Possuía taças de rica ornamentação, nas quais bebia os vinhos gregos e latinos, louros e rubros como as auroras.

Tinha arcas abarrotadas de pedras raras, diamantes, rubis, safiras e pérolas sem conta.

Era detentor de rebanhos e de muitas vinhas. Em Betânia, possuía outro palácio, onde costumava receber amigos para festas.

Cuidava do corpo com massagens de óleos e unguentos raros. Vestia-se com tecidos de linho leve. Nele, tudo respirava juventude, beleza e glória.

Entretanto, embora parecesse nada lhe faltar, sentia sede de paz. Vazio estava o coração.

Vez ou outra, a melancolia o abraçava. É como se depois das vitórias, dos banquetes e das honrarias, o mármore, o marfim, as joias, tudo lhe soasse frio, gélido.

Ansiava pela paz. Como conquistá-la? Onde buscá-la?

Naquele cair de tarde, quase noite, em que os raios de luar já dançavam sobre a Terra, o príncipe procurou o Rabi. Jesus acabara de abençoar as crianças, quando o moço rico se aproxima.

O Encontro singular lembrava um eclipse solar ao nascer do sol. O vale prostra-se aos pés da imponente montanha e cheio de ansiedade, indaga:

Bom Mestre, que bem devo praticar para alcançar a vida eterna?

E o diálogo deve ter prosseguido mais ou menos assim:

Por que me chamas bom? Bom somente o Pai o é. À tua pergunta, respondo: cumpre os mandamentos, isto é, não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honrarás teu pai e tua mãe.

Tudo isso tenho observado em minha mocidade. No entanto, sinto que não me basta. Surdas inquietações me atormentam. Labaredas de ansiedade me consomem. Faltava-me algo!

Então – propõe-lhe a Luz -  vende tudo quanto tens, reparte-o entre os pobres. Vem, e segue-me!

A proposta o penetrou como um punhal afiado. Onde já ouvira aquela voz? Não lhe parecia desconhecida. E aquele olhar que o fitava, cujos olhos mais pareciam duas estrelas engastadas na face pálida?! Que doce magnetismo.

A ordem, a meiguice dAquele homem ecoava em seu Espírito. Ele era uma águia que desejava alcançar as alturas. E o Rabi lhe dizia como utilizar as asas para voar mais alto.

O rapaz ficou mudo por alguns instantes. Suas mãos frias revestiam-se de suor. Os lábios pareciam selados.

Por fim, vencendo a própria resistência, murmurou:

Senhor, deixa antes que eu vá competir em Cesareia. Disputarei os jogos... Colherei os louros da vitória para Israel. Voltarei depois...

Não posso esperar, foi a resposta. Hoje é o momento para ti. Esta é a hora. Nem amanhã, nem mais tarde.

Agora, o jovem parece conseguir desembaraçar as ideias e explica, num jorro de palavras:

Adquiri recentemente aos partas quatro cavalos soberbos, brancos, velozes como dardos. Paguei uma fortuna por eles, o preço de uma casa, setecentos denários! Conduzirão minha quadriga no circo, nos próximos dias, em Cesareia. Guardo a certeza que serei vencedor, porque também contratei escravos que me adestraram. Mestre, compreendes o que é tudo isto? Não temo dar o que tenho: dinheiro, ouro, gemas, propriedades, títulos.

A voz do Divino Pastor o interrompe:

Dá-me a ti próprio e eu te oferecerei a ventura sem limite.

Eu quero, mas...

Pela sua mente em turbilhão passaram as cenas das glórias que conquistaria. Os amigos confiavam nele. Tantos esperavam a sua vitória. Israel seria honrada com seu triunfo.

Sim, ele podia renunciar aos bens de família, mas ao tesouro da juventude, às riquezas da vaidade atendida, os caprichos sustentados...? Seria necessário renunciar a tudo?

A águia desejava voar, mas as asas estavam quebradas...

Recorda-se o jovem que os amigos o esperam na cidade, para um banquete previamente agendado. Num estremecimento, se ergue:

Não posso! – Murmura. Não posso agora. Perdoa-me.

E afastou-se a passos largos. Subindo a encosta, na curva do caminho, ele se deteve. Olhou para trás. Vacilou ainda uma vez.

A figura do Mestre se desenha na paisagem, aos raios do luar. Luz.

Indecisa, a alma do moço parece um pêndulo oscilante. A águia ainda tenta alçar o voo. O peso do mundo a retém no solo. Ele se decide. Com passos rápidos, quase a correr, desaparece na noite.

Os Evangelistas Mateus, Marcos e Lucas narram o episódio e dizem de como ele se retirou triste e pesaroso. Nem poderia ser diferente: fora-lhe dada a oportunidade de se precipitar no oceano do amor e ele preferira as areias vãs do mundo.

Uma semana depois, preparavam-se as bigas e quadrigas para a importante competição em Cesareia. As trompas e as fanfarras anunciam as festas públicas. Apostas são feitas sobre as mesas dos cambistas. Os ases, as preferências, as cores.

Tudo fala de triunfo, alegria. Ao sinal convencionado, sob estrondosa ovação, partem os corcéis fogosos, puxando os carros e seus condutores.

Chicotes estalam no ar, mãos firmes nas rédeas, suores, ansiedade.

E então, na tarde poeirenta, numa manobra infeliz, a quadriga vira, um corpo tomba e os cavalos, em disparada, despedaçam-no.

A corrida prossegue. O povo elege logo outro para honrar, o vencedor.

O moço sente a vida se lhe esvair. O sangue empapa o solo. Os escravos o acodem, retiram-no da pista.

Ele não mais distingue as pessoas. O vozerio da turba parece distante, inalcançável. Uma névoa o envolve. Abandona o corpo estraçalhado, sem vida.

Dois braços amigos o acolhem. Na acústica da alma, ele ainda escuta: Vem e segue-me. Hoje... Não posso esperar.

A águia demoraria um tempo maior para alçar o voo às alturas que sonhava. Os séculos se dobrariam. O moço rico retornaria muitas vezes ao cenário do mundo até conseguir o seu intento.

 

Amélia Rodrigues / Divaldo Franco – Livro Primícias do Reino

A verdadeira propriedade

 

O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é dado levar deste mundo. Do que encontra ao chegar e deixa ao partir goza ele enquanto aqui permanece. Forçado, porém, que é a abandonar tudo isso, não tem das suas riquezas a posse real, mas, simplesmente, o usufruto. Que é então o que ele possui? Nada do que é de uso do corpo; tudo o que é de uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Isso o que ele traz e leva consigo, o que ninguém lhe pode arrebatar, o que lhe será de muito mais utilidade no outro mundo do que neste. Depende dele ser mais rico ao partir do que ao chegar, visto como, do que tiver adquirido em bem, resultará a sua posição futura. Quando alguém vai a um país distante, constitui a sua bagagem de objetos utilizáveis nesse país; não se preocupa com os que ali lhe seriam inúteis. Procedei do mesmo modo com relação à vida futura; aprovisionai-vos de tudo o de que lá vos possais servir.

Ao viajante que chega a um albergue, bom alojamento é dado, se o pode pagar. A outro, de parcos recursos, toca um menos agradável. Quanto ao que nada tenha de seu, vai dormir numa enxerga. O mesmo sucede ao homem à sua chegada no mundo dos Espíritos: depende dos seus haveres o lugar para onde vá. Não será, todavia, com o seu ouro que ele o pagará. Ninguém lhe perguntará: Quanto tinhas na Terra? Que posição ocupavas? Eras príncipe ou operário? Perguntar-lhe-ão: Que trazes contigo? Não se lhe avaliarão os bens, nem os títulos, mas a soma das virtudes que possua. Ora, sob esse aspecto, pode o operário ser mais rico do que o príncipe. Em vão alegará que antes de partir da Terra pagou a peso de ouro a sua entrada no outro mundo. Responder-lhe-ão: Os lugares aqui não se compram: conquistam-se por meio da prática do bem. Com a moeda terrestre, hás podido comprar campos, casas, palácios; aqui, tudo se paga com as qualidades da alma. És rico dessas qualidades? Sê bem-vindo e vai para um dos lugares da primeira categoria, onde te esperam todas as venturas. És pobre delas? Vai para um dos da última, onde serás tratado de acordo com os teus haveres. – Pascal. (Genebra, 1860.)

 

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVI – Não se pode servir a Deus e a Mamon – item 9

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

O homem no mundo

Um sentimento de piedade deve sempre animar o coração dos que se reúnem sob as vistas do Senhor e imploram a assistência dos bons Espíritos. Purificai, pois, os vossos corações; não consintais que neles demore qualquer pensamento mundano ou fútil. Elevai o vosso espírito àqueles por quem chamais, a fim de que, encontrando em vós as necessárias disposições, possam lançar em profusão a semente que é preciso germine em vossas almas e dê frutos de caridade e justiça.
Não julgueis, todavia, que, exortando-vos incessantemente à prece e à evocação mental, pretendamos vivais uma vida mística, que vos conserve fora das leis da sociedade onde estais condenados a viver. Não; vivei com os homens da vossa época, como devem viver os homens. Sacrificai às necessidades, mesmo às frivolidades do dia, mas sacrificai com um sentimento de pureza que as possa santificar.
Sois chamados a estar em contato com espíritos de naturezas diferentes, de caracteres opostos: não choqueis a nenhum daqueles com quem estiverdes. Sede joviais, sede ditosos, mas seja a vossa jovialidade a que provém de uma consciência limpa, seja a vossa ventura a do herdeiro do Céu que conta os dias que faltam para entrar na posse da sua herança.
Não consiste a virtude em assumirdes severo e lúgubre aspecto, em repelirdes os prazeres que as vossas condições humanas vos permitem. Basta reporteis todos os atos da vossa vida ao Criador que vo-la deu; basta que, quando começardes ou acabardes uma obra, eleveis o pensamento a esse Criador e lhe peçais, num arroubo de alma, ou a sua proteção para que obtenhais êxito, ou a sua bênção para ela, se a concluístes. Em tudo o que fizerdes, remontai à Fonte de todas as coisas, para que nenhuma de vossas ações deixe de ser purificada e santificada pela lembrança de Deus.
A perfeição está toda, como disse o Cristo, na prática da caridade absoluta; os deveres da caridade alcançam todas as posições sociais, desde o menor até o maior. Nenhuma caridade teria a praticar o homem que vivesse insulado. Unicamente no contato com os seus semelhantes, nas lutas mais árduas é que ele encontra ensejo de praticá-la. Aquele, pois, que se isola priva-se voluntariamente do mais poderoso meio de aperfeiçoar-se; não tendo de pensar senão em si, sua vida é a de um egoísta. (Cap. V, item 26.)
Não imagineis, portanto, que, para viverdes em comunicação constante conosco, para viverdes sob as vistas do Senhor, seja preciso vos cilicieis e cubrais de cinzas. Não, não, ainda uma vez vos dizemos. Ditosos sede, segundo as necessidades da Humanidade; mas que jamais na vossa felicidade entre um pensamento ou um ato que o possa ofender, ou fazer se vele o semblante dos que vos amam e dirigem. Deus é amor, e aqueles que amam santamente Ele os abençoa. – Um Espírito protetor. (Bordeaux, 1863.)

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVII – Sede perfeitos – item 10