sexta-feira, 23 de julho de 2021

Deus não se vinga

 


O que precede não passa de um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras ideias. Falei-vos de ideias preconcebidas, mas há outras além das que vêm das inclinações do inspirado; há as que são consequência de uma instrução errônea, de uma interpretação acreditada num tempo mais ou menos longo, que tiveram sua razão de ser numa época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida e que, passadas ao estado crônico, só podem ser modificados por esforços heroicos, sobretudo quando têm para si a autoridade do ensino religioso e de livros reservados. Uma destas ideias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho, em sua pessoa ou em seus interesses, se vingue, isto se concebe; embora culpado tal vingança está dentro dos limites das imperfeições humanas. Mas um pai que se vinga nos filhos levanta a indignação geral, porque cada um sente que um pai, encarregado da tarefa de criar os seus filhos, pode corrigir-lhes os erros e os defeitos por todos os meios ao seu alcance, mas a vingança lhe é interdita, sob pena de tornar-se estranho a todos os direitos da paternidade.

Sob o nome de vindita pública, a sociedade que desaparece vingava-se dos culpados; a punição infligida, muitas vezes cruel, não passava de vingança sobre as más ações do homem perverso; ela não se preocupava absolutamente com a reabilitação desse homem, deixando a Deus o cuidado de o punir ou de o perdoar. Bastava-lhe ferir pelo terror, que julgava salutar, os futuros culpados. A sociedade que surge não pensa mais assim; se ainda não age em vista da reeducação do culpado, ao menos compreende o que a vingança contém de odioso por si mesma; salvaguardar a sociedade contra os ataques de um criminoso lhe basta e, ajudada pelo temor de um erro judiciário, em breve a pena capital desaparecerá dos vossos códigos.

Se hoje a sociedade se julga muito forte em frente a um culpado para se deixar tomar pela cólera e dele vingar-se, como quereis que Deus, participando de vossas fraquezas, se deixe tomar por um sentimento irascível e fira por vingança um pecador chamado ao arrependimento? Crer na cólera divina é um orgulho da Humanidade, que se imagina pesar bastante na balança divina.

Se a planta do vosso jardim não se desenvolve a contento, ireis encolerizar-vos e vos vingar dela? Não; se puderdes a soerguereis, apoiá-la-eis em estacas e, se necessário, a transplantareis, mas não vos vingareis. Assim faz Deus.

Vingar-se, Deus? Que blasfêmia! Que amesquinhamento da grandeza divina! Quanta ignorância da distância infinita que separa o Criador da criatura! Quanto esquecimento de sua bondade e de sua justiça! Deus viria, numa existência em que não vos resta nenhuma lembrança dos vossos erros passados, fazer-vos pagar muito caro as faltas cometidas numa época apagada em vosso ser!

Não, não! Deus não age assim; ele entrava o impulso de uma paixão funesta, corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, retifica o egoísmo do passado pela urgência de uma necessidade presente, que leva a desejar a existência de um sentimento que o homem nem conheceu, nem experimentou. Como pai, corrige, mas, também como pai, Deus não se vinga.

Guardai-vos dessas ideias preconcebidas de vingança celeste, detritos perdidos de um erro antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas, cuja porta está aberta para vossas doutrinas novas e que vos conduziriam diretamente ao quietismo oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para diminuí-la ainda mais por crenças errôneas; quanto mais sentirdes vossa liberdade, sem dúvida maior será a vossa responsabilidade e tanto mais os esforços de vossa vontade vos conduzirão adiante, na senda do progresso.

 

Pascal / Médium: Sr. X... -  Lyon, novembro de 1863 –– Revista Espírita-maio/1865

Certamente

 

 “Certamente cedo venho...” (Apocalipse, 22 :20)

 

Quase sempre, enquanto a criatura humana respira na carne jovem, a atitude que lhe caracteriza o coração para com a vida é a de uma criança que desconhece o valor do tempo.

Dias e noites são curtos para a internação em alegrias e aventuras fantasiosas. Engodos mil da ilusão efêmera lhe obscurecem o olhar e as horas se esvaem num turbilhão de anseios inúteis.

Raras pessoas escapam de semelhante perda.

Geralmente, contudo, quando a maturidade aparece e a alma já possui relativo grau de educação, o homem reajusta, apressado, a conceituação do dia.

A semana é reduzida para o que lhe cabe fazer.

Compreende que os mesmos serviços, na posição em que se encontra, se repetem a determinados meses do ano, perfeitamente recapitulados, qual ocorre às estações de frio e calor, floração e frutescência para a Natureza.

Agita-se, inquieta-se, desdobra-se, no afã de multiplicar as suas forças para enriquecer os minutos ou ampliá-los, favorecendo as próprias energias.

E, comumente, ao termo da romagem, a morte do corpo surpreende-o nos ângulos da expectativa ou do entretenimento, sem que lhe seja dado recuperar os anos perdidos.

Não te embrenhes, assim, na selva humana, despreocupado de tua habilitação à luz espiritual, ante o caminho eterno.

No penúltimo versículo do Novo Testamento, que é a Carta do Amor Divino para a Humanidade, determinou o Senhor fosse gravada pelo apóstolo a sua promessa solene:

— “Certamente, cedo venho...”

Vale-te, pois, do tempo e não te faças tardio na preparação.

 

Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 10

Oração dos jovens

 


Mestre Amado!

Aceita-nos o coração em Teu serviço, e, Senhor, não nos deixes sem a Tua lição.

Ensina-nos a obedecer na extensão do bem, para que saibamos administrar para a glória da vida.

Corrige-nos o entusiasmo, a fim de que a paixão inferior não nos destrua.

Modera-nos a alegria, afastando-nos do prazer vicioso.

Retifica-nos o descanso, para que a ociosidade não nos domine.

Auxilia-nos a gastar o Tesouro das Horas, distanciando-nos das trevas do Dia Perdido.

Inspira-nos a coragem, sustando-nos a queda nos perigos da precipitação.

Orienta-nos a defesa do Bem, do Direito e da Justiça, a fim de que não nos convertamos em simples joguetes da maldade e da indisciplina.

Dirige-nos os impulsos, para que a nossa força não seja mobilizada pelo mal.

Ilumina-nos o entendimento, de modo a curvar-nos felizes, ante as sugestões da Experiência e da Sabedoria, a fim de que a humildade nos preserve contra as sombras do orgulho.

Senhor Jesus, nosso Valoroso Mestre, ajuda-nos a estar contigo tanto quanto estás conosco!

Assim seja!

Néio Lúcio / Chico Xavier – Livro: À Luz da oração 

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Sou filho de Deus. Todos somos, mas esquecemos disso.

 


A pandemia, que se instalou mundialmente, a partir de março de 2020, nos mostrou o quanto ainda nós, os seres humanos, necessitamos burilar os nossos sentimentos.

Alguns nos mostramos angustiados face à perspectiva das graves consequências para nossa saúde, e, inclusive, a perspectiva de perder a vida física.

O mundo mergulhou em um panorama angustiante, na medida em que os dias se foram sucedendo, e as estatísticas nos traziam informações alarmantes de crescente número de hospitais superlotados e mortes pela Covid-19.

Quando os recursos são escassos e deles depende a sobrevivência, é cada um por si e Deus por todos, mas preferencialmente que Deus comece cuidando de mim, pensamos.

E, de forma surpreendente, muitos de nós nos sentimos merecedores de privilégios, o que nos leva a reprisarmos as lições dos Evangelhos.

Jesus, o Mestre Sublime, ensinava pelo método pedagógico de figuras de linguagem. Ensinava por parábolas, alegorias, referências e valores que significassem algo para o povo daquela época, alcançando os mais simples e os mais cultos. Mas, Ele ensinava, principalmente, pelos Seus exemplos, demonstrando o que afirmava.

Analisando algumas passagens dos Evangelhos, encontramos exemplos e reflexões relativas aos fatos acima mencionados. Associando a Parábola do Filho Pródigo, com as do Festim de Bodas e dos Trabalhadores da Última Hora, podemos achar semelhanças que trazem luz às questões relacionadas.

Podemos enfocar o comportamento do irmão mais velho do filho pródigo, quando se mostra contrariado ao ver o tratamento especial dado ao irmão, no seu retorno ao ambiente doméstico, após ter deixado a família para ir consumir as suas economias nos prazeres do mundo. Indaguemo-nos quantas vezes nos colocamos na posição de quem cobra reconhecimentos. Esperamos elogios, destaque, títulos, salário diferenciado, por vezes, somente por termos cumprido nosso dever, aquilo que é de nossa responsabilidade. Parece que, de forma inconsciente, buscamos privilégios.

Mas afinal, o que devemos entender como um privilégio? O dicionário nos dá alguns significados: vantagem, ou regalia, favores válidos apenas para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria. E os sinônimos: distinção, garantia. Porém, são os antônimos que chamam mais a atenção: desvantagem, inferioridade, obstáculo, empecilho e prejuízo. Fácil concluir que se trata de uma palavra com muitas aplicações, mas que nos colocam como que à parte do todo.

Entretanto, de onde vem essa busca inconsciente pelos privilégios?

Allan Kardec, em O livro dos Espíritos¹, expõe sobre o instinto animal como sendo um mecanismo natural predominante naqueles que conhecemos como seres irracionais, que não têm consciência de si e não gozam do livre-arbítrio. Justamente por não terem o livre-arbítrio, são compelidos a obedecer, sem consciência e sem liberdade, às leis da natureza, aplicando suas inteligências limitadas na busca de vantagens de sobrevivência e reprodução. Para eles, se torna fundamental a identificação de melhores locais e abrigos, de ferramentas que lhes facilitem os serviços, materiais que os agasalhem, enfim, tudo que lhes traga conforto e segurança. O próprio agrupamento social torna-se um dos fatores que lhes garantem uma melhor condição da perpetuação da espécie. Naturalmente, também se tornam fatores de apego, de garantias e de manutenção aos quais se fixam.

Como Espíritos encarnados, providos de raciocínio, capacidade de abstração, consciência de si e livre-arbítrio, é comum esquecermos dessas influências naturais de nosso organismo biológico, tendendo ainda a humanizar as influências do instinto, nos apegando a privilégios da condição ambiental, sem nos darmos conta de que estamos reagindo como os nossos irmãos do degrau evolutivo inferior.

Não atentando para nossa realidade espiritual, valorizamos demasiadamente tudo que acreditamos ser nosso: a família, marido, esposa, filhos, o sobrenome, o local de nascimento, a beleza, a cor da pele ou dos cabelos, nossas habilidades e talentos, nosso grau de escolaridade, as posses, residência, carro, roupas, o grupo de amigos e posição social, o time, ideologia socioeconômica, os cargos, até mesmo a religião. E são todas condições passageiras, nesta encarnação.

Outro enfoque que podemos dar à palavra privilégio, é quando nos referimos ao destino. Ter ou não ter parece significar sorte ou azar, felicidade ou infelicidade, ventura ou desventura. Ou seja, privilegiados seriam os sortudos, os venturosos e felizes. Os demais seriam os azarados, desventurados, prejudicados e infelizes.  Interpretação equivocada em todos os aspectos.

Acreditar em privilégio como algum tipo de favorecimento a alguns poucos, é desconfiar que Deus não é soberanamente bom e justo. Se assim O fosse, ficaria ferida a equidade de Suas Leis Divinas e Naturais².

Ainda na análise da Parábola do Filho Pródigo, verificamos que a busca por privilégios nos afasta do caminho do bem e provoca conflitos entre irmãos. O privilégio segrega, censura, exclui, ilude, envaidece, apaixona, escraviza e, como consequência, gera sofrimento, devido aos apegos inconscientes.

Como o irmão mais velho, nós, às vezes, reivindicamos o privilégio de sermos aceitos como somos, mas nem sempre aceitamos os outros como são. Um exemplo é que combatemos a intolerância, sendo intolerantes com os intolerantes. Ou seja, combatemos a pessoa pela qual o mal se expressa, agindo de igual forma.

Jesus não privilegiava, nem se colocava como privilegiado. Não diferenciava a quem iria acolher, recebendo a todos os que O buscavam. Não escolheu perfeitos para Seu colegiado. Pedagogicamente, estavam ali os principais perfis de personalidade, os exemplos ideais para nos identificarmos e estudarmos. Os apóstolos tiveram um árduo trabalho pessoal, que os levou aos maiores suplícios para cumprirem suas missões.

Ao ensinar a oração do Pai Nosso, Jesus propõe: Livrai-nos do mal, mas é do mal que ainda há em nós: o orgulho, a vaidade, o egoísmo.

Jesus, o Cristo (do grego), ou o Messias (do hebraico), que significa o Ungido, ou Designado por Deus, se confirmou por ser o inverso do ser privilegiado ou do favorecido, pelo que nos foi oferecido como Modelo e Guia3. Ele se fez homem, nos mostrando que não existem privilegiados na Criação, que todos somos iguais perante Deus e que servi-Lo é a melhor obra de uma vida.

A Justiça Divina se faz quando Deus proporciona, pelo mecanismo da reencarnação, a oportunidade de resgate das dívidas a todos os Seus filhos.

Qualquer pai ou mãe se enche de felicidade quando veem o filho equivocado retornando ao equilíbrio, ao caminho reto do bem, para a segurança e para a paz. Essa a alegria demonstrada pelo pai ao receber o filho pródigo.

Quanto ao irmão mais velho não percebeu o fato de que estando na Casa do Pai, devia lhe ser suficiente para viver a felicidade.

O Espírito André Luiz4 nos orienta acerca dos privilégios de sermos cristãos: Semear com o Cristo, desapegando-nos dos resultados. Encontrar irmãos em toda parte. Cultivar o prazer de ser útil. Santificar o mal. Amparar com sinceridade os que erram. Perseverar no bem até o fim.

Portanto, com humildade e perseverança, avaliemo-nos e nos lapidemos, progredindo sempre. Busquemos Jesus, aprendamos com Jesus.

 

Referências:

1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1974. pt. 3, cap. V.

2 Op. cit. pt. 3, cap. III, VII, IX, X e XI.

3 Op. cit. pt. 3, cap. I, q. 625.

4 XAVIER, Francisco Cândido. Agenda cristã. Pelo Espírito André Luiz. Rio de Janeiro: FEB, 1974. cap. 3

 

Marco Antônio Silva - Vice-presidente da 12ª União Regional Espírita do Paraná –

Fonte: Jornal Mundo Espírita – julho/2021

Estejamos contentes

 

 “Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes”. Paulo (I Timóteo, 6:8)

O monopolizador de trigo não poderá abastecer-se à mesa senão de algumas fatias de pão, para saciar as exigências da sua fome.

O proprietário da fábrica de tecidos não despenderá senão alguns metros de pano para a confecção de um costume, destinado ao próprio uso.

Ninguém deve alimentar-se ou vestir-se pelos padrões da gula e da vaidade, mas sim de conformidade com os princípios que regem a vida em seus fundamentos naturais.

Por que esperas o banquete, a fim de ofereceres algumas migalhas ao companheiro que passa faminto?

Por que reclamas um tesouro de moedas na retaguarda, para seres útil ao necessitado?

A caridade não depende da bolsa. É fonte nascida no coração.

É sempre respeitável o desejo de algo possuir no mealheiro para socorro do próximo ou de si mesmo, nos dias de borrasca e insegurança, entretanto, é deplorável a subordinação da prática do bem ao cofre recheado.

Descerra, antes de tudo, as portas da tua alma e deixa que o teu sentimento fulgure para todos, à maneira de um astro cujos raios iluminem, balsamizem, alimentem e aqueçam. . .

A chuva, derramando-se em gotas, fertiliza o solo e sustenta bilhões de vidas.

Dividamos o pouco, e a insignificância da boa vontade, amparada pelo amor, se converterá com o tempo em prosperidade comum.

Algumas sementes, atendidas com carinho, no curso dos anos, podem dominar glebas imensas.

Estejamos alegres e auxiliemos a todos os que nos partilhem a marcha, porque, segundo a sábia palavra do apóstolo, se possuímos a graça de contar com o pão e com o agasalho para cada dia, cabe-nos a obrigação de viver e servir em paz e contentamento.

Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 009

Oração do servo imperfeito

 


Senhor!...

Dura é a pedra, entretanto, com a tua sabedoria, temo-la empregada em obras de segurança.

Violento é o fogo, todavia, sob a tua inspiração, foi ele posto em disciplina, em auxílio da inteligência.

Agressiva é a lâmina, no entanto, ao influxo de teu amparo, vemo-la piedosa, na caridade da cirurgia.

Enfermiço é o pântano, contudo, sob tua benevolência, encontramo-lo convertido em celeiro de flores.

Eu também trago comigo a dureza da pedra, a violência do fogo, a agressividade da lâmina e a enfermidade do charco, mas com a tua bênção de amor, posso desfrutar o privilégio de cooperar na construção do teu reino!...

Para isso, porém, Senhor, concede-me, por acréscimo de misericórdia, a felicidade de trabalhar e ensina-me a receber o dom de servir.

 

Albino Teixeira / Chico Xavier – Livro: Caminho espírita