sexta-feira, 16 de julho de 2021

Sou filho de Deus. Todos somos, mas esquecemos disso.

 


A pandemia, que se instalou mundialmente, a partir de março de 2020, nos mostrou o quanto ainda nós, os seres humanos, necessitamos burilar os nossos sentimentos.

Alguns nos mostramos angustiados face à perspectiva das graves consequências para nossa saúde, e, inclusive, a perspectiva de perder a vida física.

O mundo mergulhou em um panorama angustiante, na medida em que os dias se foram sucedendo, e as estatísticas nos traziam informações alarmantes de crescente número de hospitais superlotados e mortes pela Covid-19.

Quando os recursos são escassos e deles depende a sobrevivência, é cada um por si e Deus por todos, mas preferencialmente que Deus comece cuidando de mim, pensamos.

E, de forma surpreendente, muitos de nós nos sentimos merecedores de privilégios, o que nos leva a reprisarmos as lições dos Evangelhos.

Jesus, o Mestre Sublime, ensinava pelo método pedagógico de figuras de linguagem. Ensinava por parábolas, alegorias, referências e valores que significassem algo para o povo daquela época, alcançando os mais simples e os mais cultos. Mas, Ele ensinava, principalmente, pelos Seus exemplos, demonstrando o que afirmava.

Analisando algumas passagens dos Evangelhos, encontramos exemplos e reflexões relativas aos fatos acima mencionados. Associando a Parábola do Filho Pródigo, com as do Festim de Bodas e dos Trabalhadores da Última Hora, podemos achar semelhanças que trazem luz às questões relacionadas.

Podemos enfocar o comportamento do irmão mais velho do filho pródigo, quando se mostra contrariado ao ver o tratamento especial dado ao irmão, no seu retorno ao ambiente doméstico, após ter deixado a família para ir consumir as suas economias nos prazeres do mundo. Indaguemo-nos quantas vezes nos colocamos na posição de quem cobra reconhecimentos. Esperamos elogios, destaque, títulos, salário diferenciado, por vezes, somente por termos cumprido nosso dever, aquilo que é de nossa responsabilidade. Parece que, de forma inconsciente, buscamos privilégios.

Mas afinal, o que devemos entender como um privilégio? O dicionário nos dá alguns significados: vantagem, ou regalia, favores válidos apenas para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria. E os sinônimos: distinção, garantia. Porém, são os antônimos que chamam mais a atenção: desvantagem, inferioridade, obstáculo, empecilho e prejuízo. Fácil concluir que se trata de uma palavra com muitas aplicações, mas que nos colocam como que à parte do todo.

Entretanto, de onde vem essa busca inconsciente pelos privilégios?

Allan Kardec, em O livro dos Espíritos¹, expõe sobre o instinto animal como sendo um mecanismo natural predominante naqueles que conhecemos como seres irracionais, que não têm consciência de si e não gozam do livre-arbítrio. Justamente por não terem o livre-arbítrio, são compelidos a obedecer, sem consciência e sem liberdade, às leis da natureza, aplicando suas inteligências limitadas na busca de vantagens de sobrevivência e reprodução. Para eles, se torna fundamental a identificação de melhores locais e abrigos, de ferramentas que lhes facilitem os serviços, materiais que os agasalhem, enfim, tudo que lhes traga conforto e segurança. O próprio agrupamento social torna-se um dos fatores que lhes garantem uma melhor condição da perpetuação da espécie. Naturalmente, também se tornam fatores de apego, de garantias e de manutenção aos quais se fixam.

Como Espíritos encarnados, providos de raciocínio, capacidade de abstração, consciência de si e livre-arbítrio, é comum esquecermos dessas influências naturais de nosso organismo biológico, tendendo ainda a humanizar as influências do instinto, nos apegando a privilégios da condição ambiental, sem nos darmos conta de que estamos reagindo como os nossos irmãos do degrau evolutivo inferior.

Não atentando para nossa realidade espiritual, valorizamos demasiadamente tudo que acreditamos ser nosso: a família, marido, esposa, filhos, o sobrenome, o local de nascimento, a beleza, a cor da pele ou dos cabelos, nossas habilidades e talentos, nosso grau de escolaridade, as posses, residência, carro, roupas, o grupo de amigos e posição social, o time, ideologia socioeconômica, os cargos, até mesmo a religião. E são todas condições passageiras, nesta encarnação.

Outro enfoque que podemos dar à palavra privilégio, é quando nos referimos ao destino. Ter ou não ter parece significar sorte ou azar, felicidade ou infelicidade, ventura ou desventura. Ou seja, privilegiados seriam os sortudos, os venturosos e felizes. Os demais seriam os azarados, desventurados, prejudicados e infelizes.  Interpretação equivocada em todos os aspectos.

Acreditar em privilégio como algum tipo de favorecimento a alguns poucos, é desconfiar que Deus não é soberanamente bom e justo. Se assim O fosse, ficaria ferida a equidade de Suas Leis Divinas e Naturais².

Ainda na análise da Parábola do Filho Pródigo, verificamos que a busca por privilégios nos afasta do caminho do bem e provoca conflitos entre irmãos. O privilégio segrega, censura, exclui, ilude, envaidece, apaixona, escraviza e, como consequência, gera sofrimento, devido aos apegos inconscientes.

Como o irmão mais velho, nós, às vezes, reivindicamos o privilégio de sermos aceitos como somos, mas nem sempre aceitamos os outros como são. Um exemplo é que combatemos a intolerância, sendo intolerantes com os intolerantes. Ou seja, combatemos a pessoa pela qual o mal se expressa, agindo de igual forma.

Jesus não privilegiava, nem se colocava como privilegiado. Não diferenciava a quem iria acolher, recebendo a todos os que O buscavam. Não escolheu perfeitos para Seu colegiado. Pedagogicamente, estavam ali os principais perfis de personalidade, os exemplos ideais para nos identificarmos e estudarmos. Os apóstolos tiveram um árduo trabalho pessoal, que os levou aos maiores suplícios para cumprirem suas missões.

Ao ensinar a oração do Pai Nosso, Jesus propõe: Livrai-nos do mal, mas é do mal que ainda há em nós: o orgulho, a vaidade, o egoísmo.

Jesus, o Cristo (do grego), ou o Messias (do hebraico), que significa o Ungido, ou Designado por Deus, se confirmou por ser o inverso do ser privilegiado ou do favorecido, pelo que nos foi oferecido como Modelo e Guia3. Ele se fez homem, nos mostrando que não existem privilegiados na Criação, que todos somos iguais perante Deus e que servi-Lo é a melhor obra de uma vida.

A Justiça Divina se faz quando Deus proporciona, pelo mecanismo da reencarnação, a oportunidade de resgate das dívidas a todos os Seus filhos.

Qualquer pai ou mãe se enche de felicidade quando veem o filho equivocado retornando ao equilíbrio, ao caminho reto do bem, para a segurança e para a paz. Essa a alegria demonstrada pelo pai ao receber o filho pródigo.

Quanto ao irmão mais velho não percebeu o fato de que estando na Casa do Pai, devia lhe ser suficiente para viver a felicidade.

O Espírito André Luiz4 nos orienta acerca dos privilégios de sermos cristãos: Semear com o Cristo, desapegando-nos dos resultados. Encontrar irmãos em toda parte. Cultivar o prazer de ser útil. Santificar o mal. Amparar com sinceridade os que erram. Perseverar no bem até o fim.

Portanto, com humildade e perseverança, avaliemo-nos e nos lapidemos, progredindo sempre. Busquemos Jesus, aprendamos com Jesus.

 

Referências:

1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1974. pt. 3, cap. V.

2 Op. cit. pt. 3, cap. III, VII, IX, X e XI.

3 Op. cit. pt. 3, cap. I, q. 625.

4 XAVIER, Francisco Cândido. Agenda cristã. Pelo Espírito André Luiz. Rio de Janeiro: FEB, 1974. cap. 3

 

Marco Antônio Silva - Vice-presidente da 12ª União Regional Espírita do Paraná –

Fonte: Jornal Mundo Espírita – julho/2021

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