sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Deve-se publicar tudo quanto dizem os Espíritos?

 


Esta questão nos foi dirigida por um de nossos correspondentes e a ela respondemos por meio de outra pergunta:

Seria bom publicar tudo quanto dizem e pensam os homens?

Quem quer que possua uma noção do Espiritismo, por mais superficial que seja, sabe que o mundo invisível é composto de todos os que deixaram na Terra o envoltório visível. Entretanto, pelo fato de se haverem despojado do homem carnal, nem por isso os Espíritos se revestiram da túnica dos anjos. Encontramo-los de todos os graus de conhecimento e de ignorância, de moralidade e de imoralidade; eis o que não devemos perder de vista. Não esqueçamos que entre os Espíritos, assim como na Terra, há seres levianos, estouvados e zombeteiros; pseudossábios, vãos e orgulhosos, de um saber incompleto; hipócritas, malvados e, o que nos pareceria inexplicável, se de algum modo não conhecêssemos a fisiologia desse mundo, existem os sensuais, os ignóbeis e os devassos, que se arrastam na lama. Ao lado disto, tal como ocorre na Terra, temos seres bons, humanos, benevolentes, esclarecidos, de sublimes virtudes; como, porém, nosso mundo não se encontra nem na primeira, nem na última posição, embora mais vizinho da última que da primeira, resulta que o mundo dos Espíritos compreende seres mais avançados intelectual e moralmente que os nossos homens mais esclarecidos, e outros que ainda estão abaixo dos homens mais inferiores.

Desde que esses seres têm um meio patente de comunicar-se com os homens, de exprimir os pensamentos por sinais inteligíveis, suas comunicações devem ser o reflexo de seus sentimentos, de suas qualidades ou de seus vícios. Serão levianas, triviais, grosseiras, mesmo obscenas, sábias, sensatas e sublimes, conforme seu caráter e sua elevação. Revelam-se por sua própria linguagem; daí a necessidade de não se aceitar cegamente tudo quanto vem do mundo oculto, e submetê-lo a um controle severo.

Com as comunicações de certos Espíritos, do mesmo modo que com os discursos de certos homens, poderíamos fazer uma coletânea muito pouco edificante. Temos sob os olhos uma pequena obra inglesa, publicada na América, que é a prova disto, e cuja leitura, podemos dizer, uma mãe não recomendaria à filha. Eis a razão por que não a recomendamos aos nossos leitores. Há pessoas que acham isso engraçado e divertido. Que se deliciem na intimidade, mas que o guardem para si mesmas. O que é ainda menos concebível é se vangloriarem de obter comunicações indecorosas; é sempre indício de simpatias que não podem ser motivo de vaidade, sobretudo quando essas comunicações são espontâneas e persistentes, como acontece a certas pessoas. Sem dúvida isto nada prejulga em relação à sua moralidade atual, porquanto encontramos criaturas atormentadas por esse gênero de obsessão, ao qual de modo algum se pode prestar o seu caráter.

Entretanto, este efeito deve ter uma causa, como todos os efeitos; se não a encontramos na existência presente, devemos buscá-la numa vida anterior. Se não estiver em nós, estará fora de nós, mas sempre nos achamos nessa situação por algum motivo, ainda que seja pela fraqueza de caráter. Conhecida a causa, depende de nós fazê-la cessar.

Ao lado dessas comunicações francamente más, e que chocam qualquer ouvido delicado, outras há que são simplesmente triviais ou ridículas. Haverá inconvenientes em publicá-las? Se forem dadas pelo que valem, serão apenas impróprias; se o forem como estudo do gênero, com as devidas precauções, os comentários e os corretivos necessários, poderão mesmo ser instrutivas, naquilo que contribuírem para tornar conhecido o mundo espiritual em todos os seus aspectos. Com prudência e habilidade tudo pode ser dito; o mal é dar como sérias coisas que chocam o bom senso, a razão e as conveniências. Neste caso, o perigo é maior do que se pensa. Em primeiro lugar, essas publicações têm o inconveniente de induzir em erro as pessoas que não estão em condições de aprofundá-las nem de discernir o verdadeiro do falso, especialmente numa questão tão nova como o Espiritismo. Em segundo lugar, são armas fornecidas aos adversários, que não perdem tempo em tirar desse fato argumentos contra a alta moralidade do ensino espírita; porque, insistimos, o mal está em considerar como sérias coisas que constituem notórios absurdos. Alguns mesmos podem ver uma profanação no papel ridículo que emprestamos a certas personagens justamente veneradas, e às quais atribuímos uma linguagem indigna delas.

Aqueles que estudaram a fundo a ciência espírita sabem como se portar a esse respeito. Sabem que os Espíritos galhofeiros não têm o menor escrúpulo de se adornarem de nomes respeitáveis; mas sabem também que esses Espíritos não abusam senão daqueles que gostam de se deixar abusar, e que não sabem ou não querem desmascarar as suas astúcias pelos meios de controle que conhecemos. O público, que ignora isso, vê apenas um absurdo oferecido seriamente à sua admiração, o que faz com que diga: Se todos os espíritas são assim, merecem o epíteto com que foram agraciados. Sem sombra de dúvida, esse julgamento não pode ser levado em consideração; vós os acusais com justa razão de leviandade. Dizei a eles: Estudai o assunto e não examineis apenas uma face da moeda. Entretanto, há tantas pessoas que julgam a priori, sem se darem ao trabalho de virar a folha, sobretudo quando falta boa vontade, que é necessário evitar tudo quanto possa dar motivos a decisões precipitadas, porquanto, se à má vontade vier juntar-se a malevolência, o que é muito comum, ficarão encantadas de encontrar o que criticar.

Mais tarde, quando o Espiritismo estiver mais vulgarizado, mais conhecido e compreendido pelas massas essas publicações não terão maior influência do que hoje teria um livro que encerrasse heresias científicas. Até lá, nunca seria demasiada a circunspeção, visto haver comunicações que podem prejudicar essencialmente a causa que querem defender, em intensidade superior aos ataques grosseiros e às injúrias de certos adversários; se algumas fossem feitas com tal objetivo, não alcançariam melhor êxito. O erro de certos autores é escrever sobre um assunto antes de tê-lo aprofundando suficientemente, dando lugar, desse modo, a uma crítica fundamentada. Queixam-se do julgamento temerário de seus antagonistas, sem se darem conta de que muitas vezes são eles mesmos que exibem uma falha na couraça. Aliás, malgrado todas as precauções, seria presunção julgarem-se ao abrigo de toda crítica: primeiro, porque é impossível contentar a todo o mundo; em segundo lugar, porque há pessoas que riem de tudo, mesmo das coisas mais sérias, uns por seu estado, outros por seu caráter. Riem muito da religião, de sorte que não é de admirar que riam dos Espíritos, que não conhecem. Se pelo menos suas brincadeiras fossem espirituosas, haveria compensação. Infelizmente, em geral não brilham nem pela finura, nem pelo bom gosto, nem pela urbanidade e muito menos pela lógica. Façamos, então, o que de melhor estiver ao nosso alcance. Pondo de nosso lado a razão e as conveniências, poremos de lado também os trocistas.

Essas considerações serão facilmente compreendidas por todos. Há, porém, uma não menos importante, que diz respeito à própria natureza das comunicações espíritas, e que não devemos omitir: Os Espíritos vão aonde acham simpatia e onde sabem que serão ouvidos. As comunicações grosseiras e inconvenientes, ou simplesmente falsas, absurdas e ridículas, não podem emanar senão de Espíritos inferiores: o simples bom senso o indica. Esses Espíritos fazem o que fazem os homens que são ouvidos complacentemente: ligam-se àqueles que admiram as suas tolices e, frequentemente, se apoderam deles e os dominam a ponto de os fascinar e subjugar. A importância que, pela publicidade, é concedida às suas comunicações, os atrai, excita e encoraja. O único e verdadeiro meio de os afastar é provar-lhes que não nos deixamos enganar, rejeitando impiedosamente, como apócrifo e suspeito, tudo que não for racional, tudo que desmentir a superioridade que se atribui ao Espírito que se manifesta e de cujo nome ele se reveste. Quando, então, vê que perde seu tempo, afasta-se.

Acreditamos ter respondido suficientemente à pergunta do nosso correspondente sobre a conveniência e a oportunidade de certas publicações espíritas. Publicar sem exame, ou sem correção, tudo quanto vem dessa fonte seria, em nossa opinião, dar prova de pouco discernimento. Tal é, pelo menos, a nossa opinião pessoal, que submetemos à apreciação daqueles que, estando desinteressados pela questão, podem julgar com imparcialidade, pondo de lado qualquer consideração individual. Como todo mundo, temos o direito de externar a nossa maneira de pensar sobre a ciência que constitui o objeto de nossos estudos, e de tratá-la à nossa maneira, sem pretender impor nossas ideias a quem quer que seja, nem apresentá-las como leis. Os que partilham a nossa maneira de ver é porque creem, como nós, estar com a verdade. O futuro mostrará quem está errado ou quem tem razão.


Allan Kardec – Revista Espírita – novembro/1859

Nos dons do Cristo

 “Mas a graça foi dada a cada um de nós, segundo a medida do dom do Cristo”.

Paulo (Efésios, 4:7)

 

A alma humana, nestes vinte séculos de Cristianismo, é uma consciência esclarecida pela razão, em plena batalha pela conquista dos valores iluminativos.

O campo de luta permanece situado em nossa vida íntima.

Animalidade versus espiritualidade.

Milênios de sombras cristalizadas contra a luz nascente.

E o homem, pouco a pouco, entre as alternativas de vida e morte, renascimento no corpo e retorno à atividade espiritual, vai plasmando em si mesmo as qualidades sublimes, indispensáveis à ascensão, e que, no fundo, constituem as virtudes do Cristo, progressivas em cada um de nós.

Daí a razão de a graça divina ocupar a existência humana ou crescer dentro dela, à medida que os dons de Jesus, incipientes, reduzidos, regulares ou enormes nela se possam expressar.

Onde estiveres, seja o que fores, procura aclimatar as qualidades cristãs em ti mesmo, com a vigilante atenção dispensada à cultura das plantas preciosas, ao pé do lar.

Quanto à Terra, todos somos suscetíveis de produzir para o bem ou para o mal.

Ofereçamos ao Divino Cultivador o vaso do coração, recordando que se o "solo consciente" do nosso espírito aceitar as sementes do Celeste Pomicultor, cada migalha de nossa boa vontade será convertida em canal milagroso para a exteriorização do bem, com a multiplicação permanente das graças do Senhor, ao redor de nós.

Observa a tua "boa parte" e lembra que podes dilatá-la ao Infinito.

Não intentes destruir milênios de treva de um momento para outro.

Vale-te do esforço de autoaperfeiçoamento cada dia.

Persiste em aprender com o Mestre do Amor e da Renúncia.

Não nos esqueçamos de que a Graça Divina ocupará o nosso espaço individual, na medida de nosso crescimento real nos dons do Cristo.

 

Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 025

Oração na escola do amor

           Senhor Jesus!...

Nós te agradecemos todas as bênçãos com que nos clareias a estrada e nos reconfortas a vida, mas, em particular, nós te agradecemos os obstáculos que permites encontrar, no relacionamento uns com os outros, através dos quais exercitamos a prática do amor que nos legaste.

Muito obrigado, Senhor, pelos irmãos que nos buscam desesperados pelo sofrimento, a ponto de agredir-nos as portas.

Muito obrigado pelos companheiros que tentam desacreditar as nossas palavras, através de experimentos desconcertantes e descaridosos com os médiuns que nos servem de instrumentos e que são criaturas humanas, tão falíveis, quanto nós, os espíritos humanos desencarnados de nossa condição.

Muito obrigado pelos amigos que nos esmiúçam os erros, involuntariamente cometidos no intercâmbio espiritual, exigindo que a gramática do mundo funcione acima dos nossos corações, com os quais te registramos a sabedoria e a misericórdia.

Muito obrigado pelos estudiosos que nos criticam negativamente os comunicados, a fim de solaparem a fé e a esperança dos cooperadores simples e dedicados à seara do bem que nos aceitam.

Muito obrigado pelos irmãos que experimentam extremas dificuldades para cultivarem a tolerância recíproca.

Muito obrigado pelos companheiros que cruzam os braços diante dos problemas de nossos núcleos de serviço e deixam-nos ficar como estão para verem, afinal como ficam.

Muito obrigado pelas almas sensíveis e queridas, que se entregam a melindres e queixas, ofertando-nos mais trabalho, embora adiando realizações importantes que nos cabem fazer.

E muito obrigado por todas as criaturas que chegam, até nós, tangidas por amargas provações e que nos atiram reclamações injustas e referências infelizes, porque, por todos esses irmãos é que aprendemos o amor que nos ensinaste – o amor pelo qual reconhecemos quanto nos amas, apesar das imperfeições que trazemos e que nos compete podar, com o teu auxílio, a fim de nos ajustarmos com mais segurança no caminho para Deus.

Meimei / Chico Xavier – Livro: Aulas da vida


sábado, 30 de outubro de 2021

Mais Luz - Edição 550

 Venha refletir conosco:


  • A obra messiânica de redenção é obra de educação
  • Cuidar do corpo e do espírito
  • Na lembrança dos mortos
  • Pelas obras 
  • Oração pelos entes queridos
  • Agenda espírita
  • Campanhas


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sexta-feira, 29 de outubro de 2021

A obra messiânica de redenção é obra de educação

 


Vamos definir a pessoa e a missão de Jesus, valendo-nos, para isso, da sua própria declaração, segundo consta dos Evangelhos.

Desejando que aqueles homens humildes e bons que escolhera para seus colaboradores soubessem quem ele era e donde procedera, interrogou-os, certa vez, indagando: Quem diz o povo que eu sou? Eles retrucaram: Dizem que sois um dos antigos profetas que ressuscitou. E, vós outros, prosseguiu o Senhor, quem dizeis que eu sou? Pedro, adiantando-se aos demais, respondeu: Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo.

Jesus, confirmando a resposta do velho pescador, acrescenta: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, pois não foi a carne nem o sangue quem to revelou, mas meu Pai que está nos céus...

Sabemos, portanto, quem é Jesus, pelo testemunho celeste que veio por intermédio de Pedro: é o Cristo, isto é, o ungido, o escolhido, Filho de Deus vivo.

Ungido e escolhido para quê? Qual a missão que lhe foi confiada e quais as relações entre ele, o Filho, e o Pai celestial?

Jesus mesmo nos esclarece sobre este ponto, quando, ressuscitado, diz a Madalena, que pretende lançar-se aos seus pés e abraçá-lo: Não me toques, ainda não subi para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Logo, o Deus de Jesus é o Deus da Humanidade, o Pai comum de todos os homens, sem nenhuma distinção.

Quanto ao compromisso que veio desempenhar neste orbe, nós o vemos claramente através da atitude que ele assumiu na sociedade terrena. Que fez Jesus? Começou reunindo algumas pessoas simples, arrebanhadas das camadas humildes, e foi-lhes ministrando lições e ensinamentos por meio de parábolas singelas, prédicas e discursos vazados em linguagem popular, cimentando com exemplos edificantes todas as doutrinas que transmitia.

A novidade da sua escola consistia particularmente na divulgação destes princípios: Todos os homens são filhos de Deus, têm todos essa mesma origem. Da paternidade divina, decorre, como corolário natural, a fraternidade humana, isto é, todos os homens são irmãos. Portanto, devem amar-se reciprocamente agindo em tudo segundo a lei de solidariedade.

No entanto, apesar da clareza, lisura e concisão de tal doutrina, são grandes as dificuldades em torná-la acessível à mente e ao coração humanos.

Verdades tão naturais, duma lógica irretorquível, comprovadas pelo testemunho de fatos incontestes, escritas em caracteres palpitantes no grande livro da Vida, contudo, continuam sendo objeto de controvérsias, discutidas por uns, rejeitadas por outros.

Ora, a missão de Jesus é precisamente comprovar aquele asserto, vencer os obstáculos conquistando a Humanidade. Essa obra, sendo de redenção porque visa libertar o homem dos liames que o prendem à animalidade, cujos vestígios, nele, são patentes, é, por isso mesmo, obra de educação.

Daí por que Jesus arrogou a si a denominação de Mestre, considerando aqueles que o acompanhavam como discípulos. Consignemos que foi o único título com que se adornou, e nenhum outro. Quando, certa vez, o chamaram “bom”, retrucou: Bom, só há um, que é Deus. Quando o disseram rei, repeliu peremptoriamente aquele qualificativo, declarando: O meu reino não é deste mundo. Apenas quis ser Mestre, e disso fez questão, advertindo os seus discípulos que só a ele o considerassem como tal. Eu sou o vosso Mestre, dizia, a ninguém mais concedais essa prerrogativa.

O papel que cabe ao mestre é educar. Entendemos por educação o desenvolvimento dos poderes psíquicos ou anímicos que todos possuímos em estado latente, como herança havida dAquele de quem todos nós procedemos.

Pestalozzi define assim a matéria ora em apreço: Educação é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades do indivíduo.

A instrução, portanto, faz parte da educação, por isso que se refere aos meios e processos empregados no sentido de orientar o indivíduo na aquisição de conhecimentos sobre determinada disciplina. A instrução dirige-se conseguintemente à inteligência. E a educação sob seu prisma intelectual, bem como a ginástica, os exercícios e esportes, criteriosa e convenientemente orientados, resumem o que denominamos “educação física”, cuja importância na esfera da higiene está perfeitamente comprovada.

Ao cultivarmos, porém, esta ou aquela faculdade do Espírito, resta que não desdenhemos as demais. A monocultura é desaconselhada em todo e qualquer terreno.

Em matéria educacional, são desastrosos os efeitos da concentração unilateral de esforços visando determinada cultura em detrimento e com menoscabo das demais.

Verifica-se, em geral, por parte dos pais, uma grande preocupação — até certo ponto muito louvável — sobre a educação dos filhos no que respeita à inteligência. Querem vê-los sobraçando um pergaminho, aureolados por um título que os habilite ao exercício duma profissão distinta, a qual, não só lhes assegure a independência econômica — o que importa, sem dúvida, em justa aspiração — mas que proporcione, sobretudo, riqueza, fama e glória. O futuro da prole é visto desse prisma utilitário e vaidoso que encerra, segundo semelhante critério, o alfa e o ômega da vida.

Há evidentemente uma ilusão nesta maneira de ver e proceder. Somos, nós os pais, vítimas do egoísmo, esse pecado original com que todos nascemos e do qual dificilmente nos vamos desvencilhando. Orgulhamo-nos com o diploma empunhado pelos herdeiros do nosso nome. Queremos vê-los alvo de aplausos e louvores, seja, embora, na órbita dum intelectualismo vazio e estéril. A nossa vaidade sente-se lisonjeada com isso, dando-nos a falsa impressão de havermos cumprido perfeitamente o nosso dever com relação àqueles que a Providência Divina nos confiou para que os orientássemos na sua caminhada pela estrada da vida. Não cogitamos, senão perfunctoriamente, daquilo que concerne às qualidades morais, à formação e consolidação do caráter, a direção, em suma, que levará nossos filhos a criarem personalidade própria; não curamos de fazê-los homens de bem, independentes e honestos, com aquele mesmo interesse e afã que empregamos na ilustração do seu intelecto. Preocupamo-nos muito mais com o cérebro do que com o coração. Fazemos tudo para enriquecê-los da sabedoria livresca, deixando-os, às vezes, pobres de sentimentos.

Isto não quer dizer, apressamo-nos em declarar, que nós, os pais, menosprezemos a virtude deixando de reconhecer o valor da educação moral: absolutamente não. O que se dá é que geralmente se imagina que o ser bom, justo e verdadeiro; o ser probo, sincero e amorável, não requer aprendizagem. Supomos que tudo isso seja coisa tão natural e comezinha que não constitui matéria de ensino! Imagina-se que essa parte da educação, incontestavelmente a mais excelente, há de efetuar-se por si mesma, à revelia de cuidados, dispensando o aparelhamento requerido para outras modalidades de educação.

Tal o grande erro generalizado que é preciso corrigir. A ideia de geração espontânea é quimérica. Do nada, nada se tira.

Tudo o que germina, germina duma semente. Tudo o que evolve, evolve dum germe ou embrião. Não podemos esperar que aflorem na alma da mocidade qualidades nobres e elevadas sem que, previamente, tenhamos feito ali a sua sementeira.

Honestidade, espírito de justiça, noção do dever são como as artes, e até mesmo os misteres mais simples, virtudes que se adquirem tal como é adquirido o saber neste ou naquele ramo das especulações científicas. Tudo depende de estudo, experiência e tirocínio. As ciências requerem aprendizado.

O saber e a virtude são expressões daquela riqueza inacessível aos estragos da traça, à pilhagem dos ladrões, e que a própria morte não logrará arrebatar, por isso que representa o fruto do trabalho e do esforço próprio e individual. Daí decorre a legitimidade e a inalienabilidade da sua posse.

Os contemporâneos de Jesus, perplexos diante da sabedoria e do poder revelados por ele, diziam: Como sabe este, letras sem haver aprendido? Não somos hoje tão ingênuos como os daquela geração, supondo que seja só este meio onde ora nós nos achamos, o único propício para aprender, e que só este planetoide de categoria inferior constitui campo propício para o Espírito atuar e agir desenvolvendo suas incalculáveis e maravilhosas possibilidades. O erro geocêntrico que fazia da Terra o centro do Universo, passou. Ninguém mais sustenta essa absurdidade. Podemos, pois, firmar este postulado: aquele que revela conhecimento e virtudes, caráter reto e íntegro, conquistou-os, aqui ou alhures, não importa onde, nem quando: constata-se o fato.

O patrimônio científico, como o moral, é sempre resultado da educação. A sementeira do bem e da verdade, do amor e da justiça, nunca se perde. Sua germinação pode ser imediata ou remota, porém jamais falhará. A obra da redenção humana é obra de educação. Jesus é o divino educador. Ele crê piamente na eficiência dessa obra, à qual consagrou a sua vida. Sim, Jesus nos deu a sua vida, não só no sentido do sacrifício cruento pela causa da nossa redenção, como na acepção de votar-se, de dedicar-se continuamente ao desempenho de tão ingente encargo. E de que maneira vem ele se desobrigando dessa incumbência? Ensinando, influindo e atuando na alma humana, através dos Espíritos de luz incorporados à Igreja triunfante que do Alto Jesus dirige. E o que ensinou e continua ensinando o excelso Mestre? Que diga por nós a eloquência do inolvidável tribuno sacro, o grande Antônio Vieira:

“Vindo a sabedoria divina em pessoa, e descendo do Céu à Terra a ser Mestre dos homens, a nova cadeira que instituiu nesta grande universidade do mundo, e a ciência que professou foi só ensinar a ser bom e justo, santo, numa palavra, e nenhuma outra.

A retórica deixou-a aos Túlios e aos Demóstenes; a filosofia, aos Platões e aos Aristóteles; as matemáticas, aos Ptolomeus e aos Euclides; a médica, aos Apolos e aos Esculápios; a jurisprudência, aos Sólons e aos Licurgos, e, para si, tomou só a ciência de salvar e tornar bons os homens."

Eis aí a matéria, a disciplina que ainda não aprendemos. Sem o seu conhecimento não solucionaremos os nossos problemas, tanto do presente como do futuro. Duvidar, descrer dessa ciência e dessa arte que se chama educação, arte e ciência que têm por fim transformar o indivíduo, é negar a evidência da evolução, essa lei incoercível, fartamente comprovada em todos os planos da Natureza, em todas as fases da Vida no seu curso infinito e progressivo.

Fora da educação, dessa educação que se transmuda em cada indivíduo em autoeducação, não há redenção possível. Tudo o mais que se tem propalado neste terreno não passa de pura fantasia. Quando o homem nota e percebe em si mesmo, no seu interior, o influxo da força renovadora da evolução, começa a colaborar conscientemente com Deus na formação da sua própria individualidade. Ruy Barbosa, num magistral discurso que pronunciou na Festa do Trabalho, teve esta feliz inspiração: O Criador, disse ele, começa e a criatura acaba a criação de si própria. A segunda criação, a do homem pelo homem, assemelha, às vezes, em maravilhas, à mesma criação do homem pelo divino Criador.

Realmente, é isso precisamente o que se dá. O homem é coautor dessa entidade misteriosa que é ele mesmo. Nascemos de Deus, fonte inexaurível da Vida, e renascemos todos os dias, em nós mesmos, através das transformações por que passamos mediante a influência da autoeducação, cumprindo-se assim aquele célebre imperativo de Jesus: Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é perfeito.

A confusão ora reinante na sociedade resulta do descaso a que se tem votado tão magna questão. Os males que flagelam a humanidade contemporânea procedem da descrença, do cepticismo e da falta de confiança na eficiência da educação moral. O mundo está em crise, crise de dignidade. Desta se originam as outras. Não é de sábios que carecemos. Os problemas da inteligência estão, por assim dizer, resolvidos conforme atesta o surto imenso de progresso material atingido. Não obstante, o momento que atravessamos é dos mais angustiosos. Os grandes financistas e economistas não solucionam o problema do pão. Os estadistas de renome não resolvem satisfatoriamente o problema político. Os sociólogos de alta envergadura mostram-se impotentes diante dos problemas sociais tais como o pauperismo, o crime, o vício e a enfermidade. Por quê? Certamente porque lhes falta a percepção íntima das grandes realidades da Vida, dessa Vida que não começa no berço nem termina no túmulo; percepção que só se alcança através do culto sincero da verdade; que só se aprende sondando os arcanos da consciência e auscultando a sua voz; que só se logra no estudo e na meditação da ciência da moral, que é a ciência do coração.

Não é de conhecimentos que precisam os homens da atualidade, responsáveis pela situação aflitiva dos dias que correm: é de sentimento!

Inteligência desenvolvida e culta, desacompanhada do senso moral, constitui sério perigo para a sociedade. Os grandes males que convulsionam o mundo não procedem dos analfabetos e dos ignaros, elementos mais ou menos inconscientes que agem como instrumentos; que não dispõem de meios e recursos para levarem a cabo as empresas maléficas de exploração, de escravatura e de opressões. São as inteligências cultas e traquejadas, sem moralidade e sem fé, divorciadas do verdadeiro sentimento religioso, que urdem e executam os planas diabólicos de usurpação de direitos, de espoliações e de tirania das consciências.

Todos sabem disso. É um fato que ninguém contesta. Mas, não basta sabermos, é preciso agirmos. Conhecer a origem dos males que nos afetam, não é tudo: é necessário atacá-los no seu reduto, desalojá-los para vencê-los. Não nos iludamos, pois: devemos cuidar da educação do nosso coração com o mesmo interesse e esmero que cuidamos do nosso cérebro. Se é vergonhosa a ignorância intelectual, mais ainda é a ignorância moral. Nem todos podem ser sábios, mas todos podem ser bons. A bondade também é força, e a mais poderosa e fecunda de todas, porque é força que constrói, é força que edifica. É com ela que removeremos os obstáculos e as pedras de tropeço do caminho da nossa evolução, na conquista de todos os bens, na escalada às regiões luminosas onde a Vida é eterna, e o amor, sem restrições nem intermitências, reina em todas as almas, oh! vós que sois pais, lembrai-vos da vossa responsabilidade como mentores dos vossos filhos, oh! vós, que sois preceptores e mestres, pesai bem o compromisso que assumis no desempenho da tarefa a que vos dedicais. Pais e mestres, cerrai fileiras dando as mãos uns aos outros, como legítimos expoentes do lar e da escola, as duas colunas em que a sociedade se apoia, os dois templos augustos, os dois santuários onde se exerce o verdadeiro sacerdócio.

“SURSUM CORDA!” (erguei os corações) Elevemo-nos acima das vulgaridades da época. Desembaracemo-nos das farandulagens (túnica) do homem velho. Enverguemos a túnica do homem novo, do homem do futuro. Renasçamos para o porvir que será o resultado do labor presente. Sacudamos o pó da estrada percorrida. Abandonemos, de vez, as superstições e as utopias com respeito à nossa redenção. Sem educação porfiada, paciente e perseverante nada conseguiremos de positivo na obra da emancipação espiritual. Não é com pílulas e xaropes que se resolve o problema da saúde: é com higiene, no seu sentido amplo e lato. Não será com as consolidadas paulistas ou minoras nem com as loterias que equilibraremos as nossas finanças avariadas: há de ser com trabalho e economia. Não é com maquilagens e artifícios semelhantes que alcançaremos beleza e relativo prolongamento da mocidade: é obedecendo e respeitando a Natureza, cultivando bons costumes, hábitos honestos e pensamentos puros. Não é, finalmente, esposando crendices e condescendendo com preconceitos, rituais e cerimônias cuja essência se desfaz ao sopro do raciocínio, que lograremos a nossa salvação: é pela obra da autoeducação exercida com perseverança, sem esmorecimentos, com decidida vontade de nos espiritualizarmos, de nos aperfeiçoarmos continuamente.

Façamos ponto, citando as palavras autorizadas de Léon Denis sobre este momentoso assunto:

“Como a educação da alma é objeto da Vida, importa em resumir seus preceitos em palavras: aumentar tudo quanto for intelectual e elevado. Lutar, combater, sofrer pelo bem dos homens e dos mundos. Iniciar seus semelhantes nos esplendores do verdadeiro e do belo. Amar a Verdade e a Justiça, praticar para com todos a caridade, a benevolência — tal o segredo da felicidade presente e futura, tal o Dever, tal é a fé que Cristo legou à Humanidade”.

O problema do Brasil, disse o saudoso e humanitário facultativo Dr. Miguel Couto, é um só: Educação.

Parodiando o ilustre cientista patrício, diremos nós: Esse problema não é só do Brasil, é da Humanidade. Sendo o de cada um de nós, é o problema de todos, é o problema universal, por isso que é mediante a autoeducação que se processa a evolução dos seres livres, conscientes e racionais.

 

Pedro de Camargo – Livro: O mestre na educação – Capítulo 2

Pelas obras

 “E que os tenhais em grande estima e amor por causa da sua obra”. Paulo (I Tessalonicenses, 5:13)

 

Esta passagem de Paulo, na Primeira Epístola aos Tessalonicenses, é singularmente expressiva para a nossa luta cotidiana.

Todos experimentamos a tendência de consagrar a maior estima apenas àqueles que leiam a vida pela cartilha dos nossos pontos de vista. Nosso devotamento é sempre caloroso para quantos nos esposem os modos de ver, os hábitos enraizados e os princípios sociais; todavia, nem sempre nossas interpretações são as melhores, nossos costumes os mais nobres e nossas diretrizes as mais elogiáveis.

Daí procede o impositivo de desintegração da concha do nosso egoísmo para dedicarmos nossa amizade e respeito aos companheiros, não pela servidão afetiva com que se liguem ao nosso roteiro pessoal, mas pela fidelidade com que se norteiam em favor do bem comum.

Se amamos alguém tão só pela beleza física, é provável encontremos amanhã o objeto de nossa afeição a caminho do monturo.

Se estimamos em algum amigo apenas a oratória brilhante, é possível esteja ele em aflitiva mudez, dentro em breve.

Se nos consagramos a determinada criatura só porque nos obedeça cegamente, é provável estejamos provocando a queda de outros nos mesmos erros em que temos incidido tantas vezes.

É imprescindível aperfeiçoar nosso modo de ver e de sentir, a fim de avançarmos no rumo da vida Superior.

Busquemos as criaturas, acima de tudo, pelas obras com que beneficiam o tempo e o espaço em que nos movimentamos, porque, um dia, compreenderemos que o melhor raramente é aquele que concorda conosco, mas é sempre aquele que concorda com o Senhor, colaborando com ele, na melhoria da vida, dentro e fora de nós.

Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 024