Deve-se publicar tudo quanto dizem os Espíritos?
Reflita conosco:
Esta questão nos foi dirigida por um de nossos correspondentes
e a ela respondemos por meio de outra pergunta:
Seria bom publicar tudo quanto dizem e pensam os homens?
Quem quer que possua uma noção do Espiritismo, por mais superficial
que seja, sabe que o mundo invisível é composto de todos os que deixaram na
Terra o envoltório visível. Entretanto, pelo fato de se haverem despojado do
homem carnal, nem por isso os Espíritos se revestiram da túnica dos anjos.
Encontramo-los de todos os graus de conhecimento e de ignorância, de moralidade
e de imoralidade; eis o que não devemos perder de vista. Não esqueçamos que
entre os Espíritos, assim como na Terra, há seres levianos, estouvados e
zombeteiros; pseudossábios, vãos e orgulhosos, de um saber incompleto;
hipócritas, malvados e, o que nos pareceria inexplicável, se de algum modo não
conhecêssemos a fisiologia desse mundo, existem os sensuais, os ignóbeis e os devassos,
que se arrastam na lama. Ao lado disto, tal como ocorre na Terra, temos seres
bons, humanos, benevolentes, esclarecidos, de sublimes virtudes; como, porém,
nosso mundo não se encontra nem na primeira, nem na última posição, embora mais
vizinho da última que da primeira, resulta que o mundo dos Espíritos compreende
seres mais avançados intelectual e moralmente que os nossos homens mais
esclarecidos, e outros que ainda estão abaixo dos homens mais inferiores.
Desde que esses seres têm um meio patente de comunicar-se
com os homens, de exprimir os pensamentos por sinais inteligíveis, suas
comunicações devem ser o reflexo de seus sentimentos, de suas qualidades ou de
seus vícios. Serão levianas, triviais, grosseiras, mesmo obscenas, sábias,
sensatas e sublimes, conforme seu caráter e sua elevação. Revelam-se por sua
própria linguagem; daí a necessidade de não se aceitar cegamente tudo quanto
vem do mundo oculto, e submetê-lo a um controle severo.
Com as comunicações de certos Espíritos, do mesmo modo
que com os discursos de certos homens, poderíamos fazer uma coletânea muito
pouco edificante. Temos sob os olhos uma pequena obra inglesa, publicada na
América, que é a prova disto, e cuja leitura, podemos dizer, uma mãe não
recomendaria à filha. Eis a razão por que não a recomendamos aos nossos
leitores. Há pessoas que acham isso engraçado e divertido. Que se deliciem na intimidade,
mas que o guardem para si mesmas. O que é ainda menos concebível é se
vangloriarem de obter comunicações indecorosas; é sempre indício de simpatias
que não podem ser motivo de vaidade, sobretudo quando essas comunicações são espontâneas e persistentes, como
acontece a certas pessoas. Sem dúvida isto nada prejulga em relação à sua
moralidade atual, porquanto
encontramos criaturas atormentadas por esse gênero de obsessão, ao qual de modo
algum se pode prestar o seu caráter.
Entretanto, este efeito deve ter uma causa, como todos os
efeitos; se não a encontramos na existência presente, devemos buscá-la numa
vida anterior. Se não estiver em nós, estará fora de nós, mas sempre nos
achamos nessa situação por algum motivo, ainda que seja pela fraqueza de
caráter. Conhecida a causa, depende de nós fazê-la cessar.
Ao lado dessas comunicações francamente más, e que chocam
qualquer ouvido delicado, outras há que são simplesmente triviais ou ridículas.
Haverá inconvenientes em publicá-las? Se forem dadas pelo que valem, serão
apenas impróprias; se o forem como estudo do gênero, com as devidas precauções,
os comentários e os corretivos necessários, poderão mesmo ser instrutivas,
naquilo que contribuírem para tornar conhecido o mundo espiritual em todos os
seus aspectos. Com prudência e habilidade tudo pode ser dito; o mal é dar como
sérias coisas que chocam o bom senso, a razão e as conveniências. Neste caso, o
perigo é maior do que se pensa. Em primeiro lugar, essas publicações têm o
inconveniente de induzir em erro as pessoas que não estão em condições de
aprofundá-las nem de discernir o verdadeiro do falso, especialmente numa
questão tão nova como o Espiritismo. Em segundo lugar, são armas fornecidas aos
adversários, que não perdem tempo em tirar desse fato argumentos contra a alta
moralidade do ensino espírita; porque, insistimos, o mal está em considerar
como sérias coisas que constituem notórios absurdos. Alguns mesmos podem ver
uma profanação no papel ridículo que emprestamos a certas personagens
justamente veneradas, e às quais atribuímos uma linguagem indigna delas.
Aqueles que estudaram a fundo a ciência espírita sabem
como se portar a esse respeito. Sabem que os Espíritos galhofeiros não têm o
menor escrúpulo de se adornarem de nomes respeitáveis; mas sabem também que
esses Espíritos não abusam senão daqueles que gostam de se deixar abusar, e que
não sabem ou não querem desmascarar
as suas astúcias pelos meios de controle que conhecemos. O público, que ignora
isso, vê apenas um absurdo oferecido seriamente à sua admiração, o que faz com
que diga: Se todos os espíritas são assim, merecem o epíteto com que foram agraciados.
Sem sombra de dúvida, esse julgamento não pode ser levado em consideração; vós
os acusais com justa razão de leviandade. Dizei a eles: Estudai o assunto e não
examineis apenas uma face da moeda. Entretanto, há tantas pessoas que julgam a priori, sem se darem ao trabalho de
virar a folha, sobretudo quando falta boa vontade, que é necessário evitar tudo
quanto possa dar motivos a decisões precipitadas, porquanto, se à má vontade
vier juntar-se a malevolência, o que é muito comum, ficarão encantadas de
encontrar o que criticar.
Mais tarde, quando o Espiritismo estiver mais vulgarizado,
mais conhecido e compreendido pelas massas essas publicações não terão maior
influência do que hoje teria um livro que encerrasse heresias científicas. Até
lá, nunca seria demasiada a circunspeção, visto haver comunicações que podem
prejudicar essencialmente a causa que querem defender, em intensidade superior
aos ataques grosseiros e às injúrias de certos adversários; se algumas fossem
feitas com tal objetivo, não alcançariam melhor êxito. O erro de certos autores
é escrever sobre um assunto antes de tê-lo aprofundando suficientemente, dando
lugar, desse modo, a uma crítica fundamentada. Queixam-se do julgamento
temerário de seus antagonistas, sem se darem conta de que muitas vezes são eles
mesmos que exibem uma falha na couraça. Aliás, malgrado todas as precauções,
seria presunção julgarem-se ao abrigo de toda crítica: primeiro, porque é
impossível contentar a todo o mundo; em segundo lugar, porque há pessoas que
riem de tudo, mesmo das coisas mais sérias, uns por seu estado, outros por seu caráter. Riem muito da religião, de sorte
que não é de admirar que riam dos Espíritos, que não conhecem. Se pelo menos
suas brincadeiras fossem espirituosas, haveria compensação. Infelizmente, em
geral não brilham nem pela finura, nem pelo bom gosto, nem pela urbanidade e
muito menos pela lógica. Façamos, então, o que de melhor estiver ao nosso
alcance. Pondo de nosso lado a razão e as conveniências, poremos de lado também
os trocistas.
Essas considerações serão facilmente compreendidas por
todos. Há, porém, uma não menos importante, que diz respeito à própria natureza
das comunicações espíritas, e que não devemos omitir: Os Espíritos vão aonde
acham simpatia e onde sabem que serão
ouvidos. As comunicações grosseiras e inconvenientes, ou simplesmente
falsas, absurdas e ridículas, não podem emanar senão de Espíritos inferiores: o
simples bom senso o indica. Esses Espíritos fazem o que fazem os homens que são
ouvidos complacentemente: ligam-se àqueles que admiram as suas tolices e, frequentemente,
se apoderam deles e os dominam a ponto de os fascinar e subjugar. A importância
que, pela publicidade, é concedida às suas comunicações, os atrai, excita e
encoraja. O único e verdadeiro meio de os afastar é provar-lhes que não nos
deixamos enganar, rejeitando impiedosamente, como apócrifo e suspeito, tudo que
não for racional, tudo que desmentir a superioridade que se atribui ao Espírito
que se manifesta e de cujo nome ele se reveste. Quando, então, vê que perde seu
tempo, afasta-se.
Acreditamos ter respondido suficientemente à pergunta do
nosso correspondente sobre a conveniência e a oportunidade de certas
publicações espíritas. Publicar sem exame, ou sem correção, tudo quanto vem
dessa fonte seria, em nossa opinião, dar prova de pouco discernimento. Tal é,
pelo menos, a nossa opinião pessoal, que submetemos à apreciação daqueles que,
estando desinteressados pela questão,
podem julgar com imparcialidade, pondo de lado qualquer consideração
individual. Como todo mundo, temos o direito de externar a nossa maneira de
pensar sobre a ciência que constitui o objeto de nossos estudos, e de tratá-la
à nossa maneira, sem pretender impor nossas ideias a quem quer que seja, nem apresentá-las
como leis. Os que partilham a nossa maneira de ver é porque creem, como nós,
estar com a verdade. O futuro mostrará quem está errado ou quem tem razão.
Allan Kardec – Revista Espírita – novembro/1859
“Mas a graça foi dada a cada um de nós, segundo a medida do dom do Cristo”.
Paulo (Efésios, 4:7)
A alma humana, nestes vinte séculos de
Cristianismo, é uma consciência esclarecida pela razão, em plena batalha pela
conquista dos valores iluminativos.
O campo de luta permanece situado em
nossa vida íntima.
Animalidade versus espiritualidade.
Milênios de sombras cristalizadas
contra a luz nascente.
E o homem, pouco a pouco, entre as
alternativas de vida e morte, renascimento no corpo e retorno à atividade
espiritual, vai plasmando em si mesmo as qualidades sublimes, indispensáveis à
ascensão, e que, no fundo, constituem as virtudes do Cristo, progressivas em
cada um de nós.
Daí a razão de a graça divina ocupar a
existência humana ou crescer dentro dela, à medida que os dons de Jesus,
incipientes, reduzidos, regulares ou enormes nela se possam expressar.
Onde estiveres, seja o que fores,
procura aclimatar as qualidades cristãs em ti mesmo, com a vigilante atenção
dispensada à cultura das plantas preciosas, ao pé do lar.
Quanto à Terra, todos somos
suscetíveis de produzir para o bem ou para o mal.
Ofereçamos ao Divino Cultivador o vaso
do coração, recordando que se o "solo consciente" do nosso espírito
aceitar as sementes do Celeste Pomicultor, cada migalha de nossa boa vontade será
convertida em canal milagroso para a exteriorização do bem, com a multiplicação
permanente das graças do Senhor, ao redor de nós.
Observa a tua "boa parte" e
lembra que podes dilatá-la ao Infinito.
Não intentes destruir milênios de
treva de um momento para outro.
Vale-te do esforço de
autoaperfeiçoamento cada dia.
Persiste em aprender com o Mestre do
Amor e da Renúncia.
Não nos esqueçamos de que a Graça Divina
ocupará o nosso espaço individual, na medida de nosso crescimento real nos dons
do Cristo.
Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 025
Nós te agradecemos todas as bênçãos
com que nos clareias a estrada e nos reconfortas a vida, mas, em particular,
nós te agradecemos os obstáculos que permites encontrar, no relacionamento uns
com os outros, através dos quais exercitamos a prática do amor que nos legaste.
Muito obrigado, Senhor, pelos irmãos
que nos buscam desesperados pelo sofrimento, a ponto de agredir-nos as portas.
Muito obrigado pelos companheiros que
tentam desacreditar as nossas palavras, através de experimentos desconcertantes
e descaridosos com os médiuns que nos servem de instrumentos e que são
criaturas humanas, tão falíveis, quanto nós, os espíritos humanos desencarnados
de nossa condição.
Muito obrigado pelos amigos que nos
esmiúçam os erros, involuntariamente cometidos no intercâmbio espiritual,
exigindo que a gramática do mundo funcione acima dos nossos corações, com os
quais te registramos a sabedoria e a misericórdia.
Muito obrigado pelos estudiosos que
nos criticam negativamente os comunicados, a fim de solaparem a fé e a
esperança dos cooperadores simples e dedicados à seara do bem que nos aceitam.
Muito obrigado pelos irmãos que
experimentam extremas dificuldades para cultivarem a tolerância recíproca.
Muito obrigado pelos companheiros que
cruzam os braços diante dos problemas de nossos núcleos de serviço e deixam-nos
ficar como estão para verem, afinal como ficam.
Muito obrigado pelas almas sensíveis e
queridas, que se entregam a melindres e queixas, ofertando-nos mais trabalho,
embora adiando realizações importantes que nos cabem fazer.
E muito obrigado por todas as
criaturas que chegam, até nós, tangidas por amargas provações e que nos atiram
reclamações injustas e referências infelizes, porque, por todos esses irmãos é
que aprendemos o amor que nos ensinaste – o amor pelo qual reconhecemos quanto
nos amas, apesar das imperfeições que trazemos e que nos compete podar, com o
teu auxílio, a fim de nos ajustarmos com mais segurança no caminho para Deus.
Meimei / Chico Xavier – Livro: Aulas da vida
Venha refletir conosco:
Vamos definir a pessoa e a missão de Jesus, valendo-nos,
para isso, da sua própria declaração, segundo consta dos Evangelhos.
Desejando que aqueles homens humildes e bons que
escolhera para seus colaboradores soubessem quem ele era e donde procedera,
interrogou-os, certa vez, indagando: Quem diz o povo que eu sou? Eles
retrucaram: Dizem que sois um dos antigos profetas que ressuscitou. E, vós
outros, prosseguiu o Senhor, quem dizeis que eu sou? Pedro, adiantando-se aos
demais, respondeu: Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo.
Jesus, confirmando a resposta do velho pescador,
acrescenta: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, pois não foi a carne nem o
sangue quem to revelou, mas meu Pai que está nos céus...
Sabemos, portanto, quem é Jesus, pelo testemunho celeste
que veio por intermédio de Pedro: é o Cristo, isto é, o ungido, o escolhido,
Filho de Deus vivo.
Ungido e escolhido para quê? Qual a missão que lhe foi
confiada e quais as relações entre ele, o Filho, e o Pai celestial?
Jesus mesmo nos esclarece sobre este ponto, quando,
ressuscitado, diz a Madalena, que pretende lançar-se aos seus pés e abraçá-lo:
Não me toques, ainda não subi para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus. Logo, o Deus de Jesus é o Deus da Humanidade, o Pai comum de todos os
homens, sem nenhuma distinção.
Quanto ao compromisso que veio desempenhar neste orbe,
nós o vemos claramente através da atitude que ele assumiu na sociedade terrena.
Que fez Jesus? Começou reunindo algumas pessoas simples, arrebanhadas das
camadas humildes, e foi-lhes ministrando lições e ensinamentos por meio de
parábolas singelas, prédicas e discursos vazados em linguagem popular,
cimentando com exemplos edificantes todas as doutrinas que transmitia.
A novidade da sua escola consistia particularmente na
divulgação destes princípios: Todos os homens são filhos de Deus, têm todos
essa mesma origem. Da paternidade divina, decorre, como corolário natural, a
fraternidade humana, isto é, todos os homens são irmãos. Portanto, devem
amar-se reciprocamente agindo em tudo segundo a lei de solidariedade.
No entanto, apesar da clareza, lisura e concisão de tal
doutrina, são grandes as dificuldades em torná-la acessível à mente e ao
coração humanos.
Verdades tão naturais, duma lógica irretorquível,
comprovadas pelo testemunho de fatos incontestes, escritas em caracteres
palpitantes no grande livro da Vida, contudo, continuam sendo objeto de
controvérsias, discutidas por uns, rejeitadas por outros.
Ora, a missão de Jesus é precisamente comprovar aquele
asserto, vencer os obstáculos conquistando a Humanidade. Essa obra, sendo de
redenção porque visa libertar o homem dos liames que o prendem à animalidade,
cujos vestígios, nele, são patentes, é, por isso mesmo, obra de educação.
Daí por que Jesus arrogou a si a denominação de Mestre,
considerando aqueles que o acompanhavam como discípulos. Consignemos que foi o
único título com que se adornou, e nenhum outro. Quando, certa vez, o chamaram
“bom”, retrucou: Bom, só há um, que é Deus. Quando o disseram rei, repeliu
peremptoriamente aquele qualificativo, declarando: O meu reino não é deste
mundo. Apenas quis ser Mestre, e disso fez questão, advertindo os seus
discípulos que só a ele o considerassem como tal. Eu sou o vosso Mestre, dizia,
a ninguém mais concedais essa prerrogativa.
O papel que cabe ao mestre é educar. Entendemos por
educação o desenvolvimento dos poderes psíquicos ou anímicos que todos
possuímos em estado latente, como herança havida dAquele de quem todos nós
procedemos.
Pestalozzi define assim a matéria ora em apreço: Educação
é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades do indivíduo.
A instrução, portanto, faz parte da educação, por isso
que se refere aos meios e processos empregados no sentido de orientar o
indivíduo na aquisição de conhecimentos sobre determinada disciplina. A
instrução dirige-se conseguintemente à inteligência. E a educação sob seu
prisma intelectual, bem como a ginástica, os exercícios e esportes, criteriosa e
convenientemente orientados, resumem o que denominamos “educação física”, cuja
importância na esfera da higiene está perfeitamente comprovada.
Ao cultivarmos, porém, esta ou aquela faculdade do Espírito,
resta que não desdenhemos as demais. A monocultura é desaconselhada em todo e
qualquer terreno.
Em matéria educacional, são desastrosos os efeitos da
concentração unilateral de esforços visando determinada cultura em detrimento e
com menoscabo das demais.
Verifica-se, em geral, por parte dos pais, uma grande
preocupação — até certo ponto muito louvável — sobre a educação dos filhos no
que respeita à inteligência. Querem vê-los sobraçando um pergaminho, aureolados
por um título que os habilite ao exercício duma profissão distinta, a qual, não
só lhes assegure a independência econômica — o que importa, sem dúvida, em
justa aspiração — mas que proporcione, sobretudo, riqueza, fama e glória. O
futuro da prole é visto desse prisma utilitário e vaidoso que encerra, segundo
semelhante critério, o alfa e o ômega da vida.
Há evidentemente uma ilusão nesta maneira de ver e
proceder. Somos, nós os pais, vítimas do egoísmo, esse pecado original com que
todos nascemos e do qual dificilmente nos vamos desvencilhando. Orgulhamo-nos
com o diploma empunhado pelos herdeiros do nosso nome. Queremos vê-los alvo de
aplausos e louvores, seja, embora, na órbita dum intelectualismo vazio e
estéril. A nossa vaidade sente-se lisonjeada com isso, dando-nos a falsa
impressão de havermos cumprido perfeitamente o nosso dever com relação àqueles
que a Providência Divina nos confiou para que os orientássemos na sua caminhada
pela estrada da vida. Não cogitamos, senão perfunctoriamente, daquilo que
concerne às qualidades morais, à formação e consolidação do caráter, a direção,
em suma, que levará nossos filhos a criarem personalidade própria; não curamos
de fazê-los homens de bem, independentes e honestos, com aquele mesmo interesse
e afã que empregamos na ilustração do seu intelecto. Preocupamo-nos muito mais
com o cérebro do que com o coração. Fazemos tudo para enriquecê-los da
sabedoria livresca, deixando-os, às vezes, pobres de sentimentos.
Isto não quer dizer, apressamo-nos em declarar, que nós,
os pais, menosprezemos a virtude deixando de reconhecer o valor da educação
moral: absolutamente não. O que se dá é que geralmente se imagina que o ser
bom, justo e verdadeiro; o ser probo, sincero e amorável, não requer
aprendizagem. Supomos que tudo isso seja coisa tão natural e comezinha que não
constitui matéria de ensino! Imagina-se que essa parte da educação,
incontestavelmente a mais excelente, há de efetuar-se por si mesma, à revelia
de cuidados, dispensando o aparelhamento requerido para outras modalidades de
educação.
Tal o grande erro generalizado que é preciso corrigir. A
ideia de geração espontânea é quimérica. Do nada, nada se tira.
Tudo o que germina, germina duma semente. Tudo o que
evolve, evolve dum germe ou embrião. Não podemos esperar que aflorem na alma da
mocidade qualidades nobres e elevadas sem que, previamente, tenhamos feito ali
a sua sementeira.
Honestidade, espírito de justiça, noção do dever são como
as artes, e até mesmo os misteres mais simples, virtudes que se adquirem tal
como é adquirido o saber neste ou naquele ramo das especulações científicas.
Tudo depende de estudo, experiência e tirocínio. As ciências requerem
aprendizado.
O saber e a virtude são expressões daquela riqueza
inacessível aos estragos da traça, à pilhagem dos ladrões, e que a própria
morte não logrará arrebatar, por isso que representa o fruto do trabalho e do
esforço próprio e individual. Daí decorre a legitimidade e a inalienabilidade
da sua posse.
Os contemporâneos de Jesus, perplexos diante da sabedoria
e do poder revelados por ele, diziam: Como sabe este, letras sem haver
aprendido? Não somos hoje tão ingênuos como os daquela geração, supondo que
seja só este meio onde ora nós nos achamos, o único propício para aprender, e
que só este planetoide de categoria inferior constitui campo propício para o
Espírito atuar e agir desenvolvendo suas incalculáveis e maravilhosas
possibilidades. O erro geocêntrico que fazia da Terra o centro do Universo,
passou. Ninguém mais sustenta essa absurdidade. Podemos, pois, firmar este
postulado: aquele que revela conhecimento e virtudes, caráter reto e íntegro,
conquistou-os, aqui ou alhures, não importa onde, nem quando: constata-se o
fato.
O patrimônio científico, como o moral, é sempre resultado
da educação. A sementeira do bem e da verdade, do amor e da justiça, nunca se
perde. Sua germinação pode ser imediata ou remota, porém jamais falhará. A obra
da redenção humana é obra de educação. Jesus é o divino educador. Ele crê
piamente na eficiência dessa obra, à qual consagrou a sua vida. Sim, Jesus nos
deu a sua vida, não só no sentido do sacrifício cruento pela causa da nossa
redenção, como na acepção de votar-se, de dedicar-se continuamente ao
desempenho de tão ingente encargo. E de que maneira vem ele se desobrigando
dessa incumbência? Ensinando, influindo e atuando na alma humana, através dos
Espíritos de luz incorporados à Igreja triunfante que do Alto Jesus dirige. E o
que ensinou e continua ensinando o excelso Mestre? Que diga por nós a
eloquência do inolvidável tribuno sacro, o grande Antônio Vieira:
“Vindo a sabedoria divina em pessoa, e descendo do Céu à
Terra a ser Mestre dos homens, a nova cadeira que instituiu nesta grande
universidade do mundo, e a ciência que professou foi só ensinar a ser bom e
justo, santo, numa palavra, e nenhuma outra.
A retórica deixou-a aos Túlios e aos Demóstenes; a
filosofia, aos Platões e aos Aristóteles; as matemáticas, aos Ptolomeus e aos
Euclides; a médica, aos Apolos e aos Esculápios; a jurisprudência, aos Sólons e
aos Licurgos, e, para si, tomou só a ciência de salvar e tornar bons os
homens."
Eis aí a matéria, a disciplina que ainda não aprendemos.
Sem o seu conhecimento não solucionaremos os nossos problemas, tanto do
presente como do futuro. Duvidar, descrer dessa ciência e dessa arte que se
chama educação, arte e ciência que têm por fim transformar o indivíduo, é negar
a evidência da evolução, essa lei incoercível, fartamente comprovada em todos
os planos da Natureza, em todas as fases da Vida no seu curso infinito e
progressivo.
Fora da educação, dessa educação que se transmuda em cada
indivíduo em autoeducação, não há redenção possível. Tudo o mais que se tem
propalado neste terreno não passa de pura fantasia. Quando o homem nota e
percebe em si mesmo, no seu interior, o influxo da força renovadora da
evolução, começa a colaborar conscientemente com Deus na formação da sua própria
individualidade. Ruy Barbosa, num magistral discurso que pronunciou na Festa do
Trabalho, teve esta feliz inspiração: O Criador, disse ele, começa e a criatura
acaba a criação de si própria. A segunda criação, a do homem pelo homem,
assemelha, às vezes, em maravilhas, à mesma criação do homem pelo divino
Criador.
Realmente, é isso precisamente o que se dá. O homem é coautor
dessa entidade misteriosa que é ele mesmo. Nascemos de Deus, fonte inexaurível
da Vida, e renascemos todos os dias, em nós mesmos, através das transformações
por que passamos mediante a influência da autoeducação, cumprindo-se assim
aquele célebre imperativo de Jesus: Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é
perfeito.
A confusão ora reinante na sociedade resulta do descaso a
que se tem votado tão magna questão. Os males que flagelam a humanidade
contemporânea procedem da descrença, do cepticismo e da falta de confiança na
eficiência da educação moral. O mundo está em crise, crise de dignidade. Desta
se originam as outras. Não é de sábios que carecemos. Os problemas da inteligência
estão, por assim dizer, resolvidos conforme atesta o surto imenso de progresso
material atingido. Não obstante, o momento que atravessamos é dos mais
angustiosos. Os grandes financistas e economistas não solucionam o problema do
pão. Os estadistas de renome não resolvem satisfatoriamente o problema
político. Os sociólogos de alta envergadura mostram-se impotentes diante dos
problemas sociais tais como o pauperismo, o crime, o vício e a enfermidade. Por
quê? Certamente porque lhes falta a percepção íntima das grandes realidades da
Vida, dessa Vida que não começa no berço nem termina no túmulo; percepção que
só se alcança através do culto sincero da verdade; que só se aprende sondando
os arcanos da consciência e auscultando a sua voz; que só se logra no estudo e
na meditação da ciência da moral, que é a ciência do coração.
Não é de conhecimentos que precisam os homens da
atualidade, responsáveis pela situação aflitiva dos dias que correm: é de
sentimento!
Inteligência desenvolvida e culta, desacompanhada do
senso moral, constitui sério perigo para a sociedade. Os grandes males que
convulsionam o mundo não procedem dos analfabetos e dos ignaros, elementos mais
ou menos inconscientes que agem como instrumentos; que não dispõem de meios e
recursos para levarem a cabo as empresas maléficas de exploração, de
escravatura e de opressões. São as inteligências cultas e traquejadas, sem
moralidade e sem fé, divorciadas do verdadeiro sentimento religioso, que urdem
e executam os planas diabólicos de usurpação de direitos, de espoliações e de
tirania das consciências.
Todos sabem disso. É um fato que ninguém contesta. Mas,
não basta sabermos, é preciso agirmos. Conhecer a origem dos males que nos
afetam, não é tudo: é necessário atacá-los no seu reduto, desalojá-los para
vencê-los. Não nos iludamos, pois: devemos cuidar da educação do nosso coração
com o mesmo interesse e esmero que cuidamos do nosso cérebro. Se é vergonhosa a
ignorância intelectual, mais ainda é a ignorância moral. Nem todos podem ser
sábios, mas todos podem ser bons. A bondade também é força, e a mais poderosa e
fecunda de todas, porque é força que constrói, é força que edifica. É com ela
que removeremos os obstáculos e as pedras de tropeço do caminho da nossa evolução,
na conquista de todos os bens, na escalada às regiões luminosas onde a Vida é
eterna, e o amor, sem restrições nem intermitências, reina em todas as almas, oh!
vós que sois pais, lembrai-vos da vossa responsabilidade como mentores dos
vossos filhos, oh! vós, que sois preceptores e mestres, pesai bem o compromisso
que assumis no desempenho da tarefa a que vos dedicais. Pais e mestres, cerrai
fileiras dando as mãos uns aos outros, como legítimos expoentes do lar e da
escola, as duas colunas em que a sociedade se apoia, os dois templos augustos,
os dois santuários onde se exerce o verdadeiro sacerdócio.
“SURSUM CORDA!” (erguei os corações)
Elevemo-nos acima das vulgaridades da época. Desembaracemo-nos das
farandulagens
(túnica) do homem velho. Enverguemos a
túnica do homem novo, do homem do futuro. Renasçamos para o porvir que será o
resultado do labor presente. Sacudamos o pó da estrada percorrida. Abandonemos,
de vez, as superstições e as utopias com respeito à nossa redenção. Sem
educação porfiada, paciente e perseverante nada conseguiremos de positivo na
obra da emancipação espiritual. Não é com pílulas e xaropes que se resolve o
problema da saúde: é com higiene, no seu sentido amplo e lato. Não será com as
consolidadas paulistas ou minoras nem com as loterias que equilibraremos as
nossas finanças avariadas: há de ser com trabalho e economia. Não é com
maquilagens e artifícios semelhantes que alcançaremos beleza e relativo
prolongamento da mocidade: é obedecendo e respeitando a Natureza, cultivando bons
costumes, hábitos honestos e pensamentos puros. Não é, finalmente, esposando
crendices e condescendendo com preconceitos, rituais e cerimônias cuja essência
se desfaz ao sopro do raciocínio, que lograremos a nossa salvação: é pela obra
da autoeducação exercida com perseverança, sem esmorecimentos, com decidida
vontade de nos espiritualizarmos, de nos aperfeiçoarmos continuamente.
Façamos ponto, citando as palavras autorizadas de Léon
Denis sobre este momentoso assunto:
“Como a educação da alma é objeto da Vida, importa em
resumir seus preceitos em palavras: aumentar tudo quanto for intelectual e
elevado. Lutar, combater, sofrer pelo bem dos homens e dos mundos. Iniciar seus
semelhantes nos esplendores do verdadeiro e do belo. Amar a Verdade e a Justiça,
praticar para com todos a caridade, a benevolência — tal o segredo da
felicidade presente e futura, tal o Dever, tal é a fé que Cristo legou à
Humanidade”.
O problema do Brasil, disse o saudoso e humanitário
facultativo Dr. Miguel Couto, é um só: Educação.
Parodiando o ilustre cientista patrício, diremos nós:
Esse problema não é só do Brasil, é da Humanidade. Sendo o de cada um de nós, é
o problema de todos, é o problema universal, por isso que é mediante a
autoeducação que se processa a evolução dos seres livres, conscientes e
racionais.
Pedro de Camargo – Livro: O mestre na educação – Capítulo 2
“E que os tenhais em grande estima e amor por causa da sua obra”. Paulo (I Tessalonicenses, 5:13)
Esta passagem de Paulo, na Primeira
Epístola aos Tessalonicenses, é singularmente expressiva para a nossa luta
cotidiana.
Todos experimentamos a tendência de
consagrar a maior estima apenas àqueles que leiam a vida pela cartilha dos
nossos pontos de vista. Nosso devotamento é sempre caloroso para quantos nos
esposem os modos de ver, os hábitos enraizados e os princípios sociais; todavia,
nem sempre nossas interpretações são as melhores, nossos costumes os mais
nobres e nossas diretrizes as mais elogiáveis.
Daí procede o impositivo de
desintegração da concha do nosso egoísmo para dedicarmos nossa amizade e
respeito aos companheiros, não pela servidão afetiva com que se liguem ao nosso
roteiro pessoal, mas pela fidelidade com que se norteiam em favor do bem comum.
Se amamos alguém tão só pela beleza
física, é provável encontremos amanhã o objeto de nossa afeição a caminho do
monturo.
Se estimamos em algum amigo apenas a
oratória brilhante, é possível esteja ele em aflitiva mudez, dentro em breve.
Se nos consagramos a determinada
criatura só porque nos obedeça cegamente, é provável estejamos provocando a
queda de outros nos mesmos erros em que temos incidido tantas vezes.
É imprescindível aperfeiçoar nosso
modo de ver e de sentir, a fim de avançarmos no rumo da vida Superior.
Busquemos as criaturas, acima de tudo,
pelas obras com que beneficiam o tempo e o espaço em que nos movimentamos, porque,
um dia, compreenderemos que o melhor raramente é aquele que concorda conosco,
mas é sempre aquele que concorda com o Senhor, colaborando com ele, na melhoria
da vida, dentro e fora de nós.
Emmanuel / Chico Xavier – Fonte Viva – FEB – cap. 024