"Vós
sois a luz do Mundo. Não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte;
nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e
ilumina todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz
diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai
que está nos Céus." (Mateus, 5:14-16.)
Jesus compara seus seguidores à luz que afugenta as
trevas. O Cristianismo, com seus valores morais elevados, com seu empenho pela
construção do Reino de Deus, fatalmente se destacaria na História, da mesma
forma que seria impossível deixar de ver uma cidade edificada sobre a montanha.
Se está claro, nota-se perfeitamente o contorno de seus edifícios; se escurece,
suas luzes destacam-se.
Individualizando a figura do cristão, Jesus oferece a
sugestiva imagem da candeia. Alqueire era uma espécie de vaso usado para medir
líquidos ou cereais. Ninguém acende uma candeia para colocá-la prisioneira sob
o alqueire. A luz deve estar no velador, suporte colocado no alto para que
ilumine o ambiente. Em linguagem atual: não se liga uma lâmpada dentro de
recipiente fechado. Para cumprir sua função ela deve estar livre.
O mesmo acontece com o Evangelho. É a luz que ilumina,
que dá significado à Vida e a valoriza, mas, se procurarmos em suas lições
apenas conforto e bem-estar para nós, sem compreender seu apelo maior,
convocando-nos à Fraternidade, então sua claridade ficará aprisionada no vaso
do egoísmo e de nada valerá, pois, apesar de detê-la, continuaremos na
escuridão de nossas mazelas.
Ao recomendar "brilhe vossa luz diante dos homens
para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos
Céus", Jesus ensina que o luzir do Evangelho em nós está condicionado à
prática do Bem.
Por isso, o verdadeiro cristão é alguém cujo
comportamento é invariavelmente edificante; que estimula à virtude, cultivando
seus valores e que converte irresistivelmente ao Evangelho com a força do
exemplo.
A esse propósito, lembramos a extraordinária figura de
Alcíone, do livro "Renúncia", autoria de Emmanuel, psicografia de
Francisco Cândido Xavier. Atingindo estágios angelicais de evolução, eximira-se
de voltar à Terra, mas voltou, por iniciativa própria, a fim de ajudar um grupo
de tutelados seus.
Sua presença em nosso mundo, embora no anonimato de
condição humilde, tornou-se tão marcante que todos quantos com ela conviveram
foram invariavelmente influenciados por ela. E como Alcíone realizava
semelhante prodígio? Fazendo prevalecer sua autoridade de Anjo? Impondo sua
vontade?
Não! Discípula fiel do Cristo, ela simplesmente
observava o Evangelho em sua expressão mais pura, não se limitando a perdoar os
ofensores, mas achando uma desculpa para eles; não se limitando a tolerar as
imperfeições alheias, mas ajudando as pessoas a superá-las com a serenidade de
uma paciência sem limites; não apenas cumprindo os deveres de filha, religiosa,
serviçal, mas comportando-se com valores de renúncia, dedicação e heroísmo, que
fizeram dela uma inesquecível figura de mulher.
Um pequeno episódio nos oferece a medida de seu
caráter. Alcíone trabalhava como governanta em rica mansão. Era muito estimada
pelo dono da casa, Cirilo, a filha Beatriz e seu sogro Jacques, mas detestada
por Susana, a patroa, enciumada de sua benquerença. E não se cansava de
fustigá-la, impondo-lhe tarefas rudes, desvinculadas de suas atribuições, com o
propósito de levá-la a deixar aquela casa, já que não podia tomar a iniciativa
de despedi-la, com o que seus familiares não concordariam.
Certo dia chama a governanta:
Alcíone, a lavadeira está doente e deverás
substituí-la.
Sim, senhora.
E lá vai Alcíone cumprir a tarefa alheia às suas responsabilidades.
A menina Beatriz, vendo-a no tanque, revolta-se. Chama o pai e acusa a mãe de
explorar a serva. O marido irrita-se, recrimina a esposa com aspereza. Susana
agita-se. Nervosa, debulha-se em lágrimas. O ambiente torna-se tenso.
Então, Alcíone, que tudo observava, dirige-se ao
patrão:
Senhor Cirilo, desculpe-me entrar na conversa, mas pode crer que a senhorita
Beatriz está enganada. Dona Susana não me impôs a substituição da lavadeira.
Fui eu mesma que ofereci minha colaboração. Não se preocupe. Estou acostumada
com esse serviço.
As palavras de Alcíone, pronunciadas com evidente
inflexão de sinceridade e boa vontade, desanuviam o ambiente. Pai e filha
tranquilizam-se. O gesto da serva, somado a outros iguais em circunstâncias
semelhantes, acaba por sensibilizar Susana, que se torna sua amiga.
Assim é o cristão autêntico. Onde ele está a Vida
sempre se faz plena de claridades, pois refletem-se nele as luzes do Céu,
marcadas por uma dedicação sem limites à causa do Bem.
Richard Simonetti –
Livro "A voz do monte”.