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A Galeria D'Orleans foi local da Livraria Dentu e do lançamento de O Livro dos Espíritos. |
No dia 18 de abril de 1857, pela manhã, um
camion à chevaux se deteve na Rue Montpensier, em frente da Galeria d’Orléans,
no Palais Royal, Paris. O ajudante de cocheiro, trajando uniforme cinzento,
amarrotado e sujo, saltou da boleia e dirigiu-se à Livraria DENTU, situada na
entrada do peristilo. Empurrando a porta de vidraça, atrás da qual conversavam
dois homens, o moço dirigiu-se a um, que era o gerente:
— Bom dia, Senhor CLEMENT!
E apresentou-lhe um papel.
— Bom dia, Maurice! — Respondeu-lhe CLEMENT. Um
pouquinho atrasado, não?
— Fizemos o possível, mas fomos despachados com
demora na última barreira.
O gerente leu rapidamente a nota de entrega,
remetida de Saint-Germain-en-Laye pela Tipografia DE BEAU, e gritou uma ordem:
— BITTARD! Recolha, por favor, essa mercadoria.
Não tardou a atender-lhe um empregado magro e
alto, de avental azul, puxando, por uma corda, uma carreta de quatro roldanas
pequenas. Aparentava vinte e cinco anos.
Arrastou o carrinho até à porta da Rue
Montpensier, saindo por ali com Maurice, seu velho conhecido. Conversando
futilidades, auxiliado pelo cocheiro e o ajudante, BITTARD carreou para o
interior da loja, em dois lotes, vários pacotes cúbicos envoltos em papel
grosso e tendo, numa das faces, uma etiqueta branca com o frontispício impresso
dum livro. A rua tinha, a essa hora matinal, poucos transeuntes. Na maior
parte, crianças com suas amas em busca do parque real. O homem que conversava
com o gerente era um freguês amigo. Vendo entrar literatura nova, seguiu
CLEMENT ao fundo da loja espiou o letreiro dum dos pacotes. Depois disse,
despedindo-se:
— Bem, meu caro. Você agora tem afazeres. Vou
importunar um pouco o Senhor DENTU.
— Até logo, DU CHALARD. (Jornalista do Courrier
de Paris)
O freguês subiu a escadinha da sobreloja
examinando, de passagem, as lombadas dos livros, alinhados em prateleiras e bem
espanados. O gerente começou a conferência da mercadoria chegada. Contou primeiros
vinte pacotes. Depois, abriu um deles, verificou em duas colunas unidas,
sessenta brochuras. O bilhete de entrega rezava o total de mil e duzentos
volumes. Dando o resto da mercadoria como conferido, rubricou o canhoto da nota
e despediu Maurice com um sorriso e uma gorjeta de prata. Em seguida, apanhando
um dos exemplares cuja capa cor-de-cinza leu com interesse, pôs-se em posição
de falar com alguém da sobreloja:
— Senhor DENTU, acaba de chegar O LIVRO DOS
ESPÍRITOS.
— Suba um exemplar, por favor! — Respondeu de
lá, um homem, com cerca de trinta anos, louro, de estatura mediana, que estava
num birô repleto de papéis e tinha ao lado, numa poltrona MAPLE, seu amigo DU
CHALARD, jornalista de profissão, aparentando a mesma idade.
O ascensor manual, empregado pelo gerente para
remeter o livro à sobreloja, fez tilintar uma campainha ao chegar perto da mesa
duma mulher cinquentona, vestida de preto, que examinava uns papéis. Ela
apanhou o volume, mirou-lhe o verso e o reverso e mandou o rapaz Adrien, que
trabalhava numa escrivaninha a seu lado, aparar-lhe as folhas numa pequena
guilhotina manual. Era a Viúva Mélanie DENTU que, havia pouco mais dum ano,
confiara ao filho Edouard-Henri Justin-DENTU a direção do estabelecimento
tradicional da família, dirigido por ela desde o falecimento do esposo.
Continuava, porém, a trabalhar com o filho, não
só pelo hábito, adquirido desde o casamento, como para ajudar o Edou, segundo
explicava aos fregueses. Espontadas as páginas, Adrien correu o polegar no
corte para despregar as folhas e trouxe o livro à diretora. Esta, depois de
rápido exame da composição tipográfica — durante o qual manifestou no semblante
sinais de descontentamento — levou o volume ao filho, dizendo-lhe:
— Prometi ao Senhor RIVAIL remeter-lhe um pacote
logo que a obra nos chegasse. Não seria bom mandar o mensageiro deixar, de
passagem, alguns pacotes consignados com DIDIER² e LEDOYEN3, que
responderam ao nosso prospecto?
— Certamente, Mam. Queira mandar, também, um
pacote a AUMONT e outro a SAVY. Paris já está repleta de turistas ávidos das
novidades da primavera.
Distribuiremos o resto, na próxima semana.
E, pegando o exemplar aparado, voltou-se para o
jornalista:
— Este é o trabalho mais sério até hoje
publicado na França, sobre os Espíritos.
— Mais sério do que o maçudo livro Dos Espíritos
de DE MIRVILLE?4 — atalhou DU CHALARD, com ar de crítica.
— Doutro gênero. O livro Dos Espíritos de DE MIRVILLE é um
repertório confuso e enfadonho de fatos, visando a prova da existência de
SATAN. Este, que editamos, é uma obra edificante e serena.
2DIDIER e 3LÉDOYEN o primeiro editor e o
segundo livreiro. Didier Et Cie., Libraires-Editeurs,33, Quai des Augustus e
Ledoyen, Libraire, Galeria d’Orleans, 31 au Palais-Royal (em Paris, França)
editaram, em 1860, a segunda edição de “Le Livre des Esprits”, inteiramente
rcfundida e consideravelmente aumentada, por Allan Kardec, selon le
‘enseignement donné par les Esprits supérieurs à l’aide de divers médiuns. Esta
segunda edição é que se nos tornou conhecida, popularizada, constituindo
raridade exemplares da primeira edição, de 1857.
0 Dr. Canuto Abreu, desencarnado em 02/05/1980, em
São Paulo, por ocasião das Comemorações do Primeiro Centenário de Espiritismo
em São Paulo, em 18 de abril de 1957, publicou O Primeiro Livro dos Espíritos
de Allan Kardec— 1857, reproduzindo, em bilíngue, aquela primeira edição
4O Sr. de Mirville foi um dos primeiros a afirmar e
provar a existência dos espíritos e sua expressão; sua primeira obra, a das
manifestações fluídicas, precedida pelo Livro dos Espíritos, e contribuiu poderosamente
para a propagação da ideia, abrindo caminho para a doutrina que viria a eclodir
mais tarde. Portanto, é errado que algumas pessoas considerem o autor como um
antagonista; ele se opõe a doutrina filosófica do Espiritismo, no sentido de
que, de acordo com a opinião da Igreja Católica, vê nesses fenômenos apenas a
obra exclusiva do diabo. Esta conclusão à parte, suas obras e o primeiro
principalmente, são ricos em fatos espontâneos muito instrutivos, apoiados por
provas autênticas (Allan Kardec, Catálogo Raisonné de Obras que Servem para
Fundar uma Biblioteca Espírita, 2a. cd., 1869) O Museu do Livro Espírita em
organização pelo Lar da Família Universal (São Paulo, Brasil) possui, em seu
acervo, um exemplar, de 1854, ESPÍRITOS e sua manifestação fluídica -
Pneumatologia.
— Vejo que você leu o manuscrito antes de
mandá-lo à tipografia.
— Não li senão algumas páginas do prefácio e uns
tópicos do texto. Mas lembro-me bem de que por um triz, essa obra não foi parar
à mão doutro editor.
— Questão de preço?
— Não; pelo título. Vou contar-lhe o fato.
Quando o Autor me procurou, no fim do ano passado, eu estava justamente
verificando, pelo inventário, o encalhe de várias obras sobre o Spiritualisme.
CLEMENT apresentou-mo, dizendo:
— “O Professor RIVAIL tem uma importante obra
‘spiritualiste’ para publicar?’
O efeito não podia ser pior. Antes de qualquer
explicação do Autor, que se sentara aí, onde você está, manifestei-lhe má
vontade, declarando-lhe que, naquele momento, não nos interessava editar nenhum
livro sobre Espíritos, por mais importante que fosse. O homem encarou-me
complacente, como se estivesse acostumado a aturar livreiros e ia falar-me
qualquer coisa, quando lhe disse, com enfado:
— “Esse assunto, meu caro Senhor, não nos
interessa mais. É batidíssimo e está fora de voga. A França não se importa mais
com o ‘Spiritualisme’, nosso depósito está repleto de ‘Mesas que rodam’, ‘Mesas
que dançam’, ‘Mesas que falam’, ‘Mesas que adivinham’, ‘Mesas’, enfim, que
ninguém mais lê.5 Essa brincadeira já passou da moda”! O homem,
porém, continuava sereno e sorridente, a ouvir-me com atenção, como se já
esperasse pela minha recusa. Respondeu-me, delicadamente:
— “Desejava apenas seu orçamento tipográfico,
pois vou editar a obra por minha conta e risco. É possível”?
Embaraçado com sua impassibilidade e querendo,
sinceramente, vê-lo pelas costas, disse-lhe que havíamos vendido a tipografia e
estávamos dando serviço em concorrência a várias oficinas. E tínhamos tantos
manuscritos para remeter ao prelo que, mais um, naquele fim de ano, seria bem
embaraçante. E acrescentei:
— “Por que o Senhor não consulta diretamente uma
tipografia, se quer editar a obra por sua conta”?
5Kardec assinala esse
período como “o da curiosidade”. (Revue Spirite, setembro, 1858)
Nesse instante subiu ‘Mam’, que estava chegando
à loja. Cumprimentou afavelmente o Autor e, sem conhecer minha atitude,
perguntou-lhe interessada:
— “Trouxe afinal seus cadernos Professor”? E,
com espanto meu, continuou:
— “É uma honra para nós editar seu livro.
Estamos ultimando o inventário para balanço, mas espero ter tempo, no próximo
domingo, de examinar seu manuscrito para um cálculo aproximado do custo.
Far-lhe-os um orçamento razoável”. Intervi, dizendo a RIVAIL, haver recusado
editar-lhe a obra por ignorar a existência dum entendimento anterior com mamãe.
E acrescentei, constrangido:
— “Se não tem muita pressa, deixe conosco seus
cadernos. Quantos exemplares pretende? ‘Mam’ fez-me perceber, com um olhar, que
ela se incumbia de tratar da impressão e convidou o Autor a descer até a loja.
Lá ficaram conversando com CLEMENT e passei a cuidar do inventário. Poucos dias
depois encontrei, sobre meu birô, para assinar, um memorando remetendo o
trabalho à Tipografia DE BEAU com o aviso, em vermelho, do punho de ‘Mam’:
‘Urgente e preferencial’. Perguntei a ela:
— “Sempre vamos editar esta droga”?
Respondeu-me:
— “Droga não, querido. Comecei a correr os olhos
sobre as laudas para um cálculo do custo e só abandonei a leitura quando
cheguei ao fim da ‘Introdução’, que é enorme. Não fiz outra coisa, nestes
últimos dias, senão ler e meditar essa obra verdadeiramente impressionante. E
como me fez bem essa leitura, filho! Examine-lhe uma ou outra página, ao acaso,
e verá que não estou exagerando”. Enquanto ela falava, risquei, com forte traço
azul, o aviso de urgência, não vendo, comigo mesmo, motivo para preferir aquele
manuscrito a outros de entrada mais antiga. E, a contragosto, por dever de
ofício, examinei a fachada que é, em geral, a única página que o editor lê para
organizar os prospectos e anúncios da obra. Depois, atendendo aos pedidos de
‘Mam’, deitei a vista sobre as primeiras linhas do prefácio. Aí, de início, se
me deparou uma lição de Filologia, que é meu fraco. Quando me dei conta, estava
afundado na leitura, aceitando, plenamente, os argumentos do Autor. E como
diante de mim se achava mamãe a convidar-me para o almoço, confessei-lhe: —
“Mam. Você tem razão. A obra parece esplêndida”.
— Ela tem sempre razão, interveio DU CHALARD
lisonjeiro, olhando, sorridente, para Madame DENTU.
Edouard prosseguiu:
— Faltando-me o tempo e não gostando de ler
manuscritos, examinei, perfunctoriamente, as passagens para as quais minha mãe
me chamou a atenção e remeti a obra à tipografia com a recomendação de ‘urgente
e preferencial’ restaurada por mim.
Era eu, então, o mais apressado a lançar O
LIVRO. E afirmo-lhe, com a minha hereditária intuição de livreiro: Se essa obra
não fizer sucesso entre os ‘spiritualistes’ não sei o que mais poderá
animá-los. Quer lê-la?
— Certamente, e com prazer.
— Pois tome este exemplar; já está aparado.
Dirá, depois, seu parecer aos leitores do ‘Courrier’6
— Obrigado, Edouard. Vou ler, com satisfação.
Não sou, porém, competente para um exame crítico do ‘Spiritualisme’, mormente
depois de tanta gente categorizada haver dito muito contra e a favor. O que lhe
posso assegurar é ser o assunto bem atraente e não estar, como você pensa, fora
de moda. Os Espíritos ainda constituem, em muitas rodas sociais, sobretudo
elegantes, o entretenimento predileto e impressionante.
Intervindo na palestra, perguntou a Viúva:
— Gosta do ‘Spiritualisme’, Senhor DU CIIALARD?
— Sim, madame. Tenho atração por ele. Fui dos
primeiros, em Paris, a verificar o fenômeno quando a ‘Mesa que roda’ surgiu
entre nós. Afirmo-lhe, porém, que o ‘Spiritualisme’ não veio modificar minha
velha convicção...
— Supõe seja mistificação?
— Não, Madame. Não me fiz entender. Creio ser o
‘Spiritualisme, uma doutrina verdadeira. Para mim os Mortos se comunicam com os
Vivos. Mas...
— Acredita, então?
6No ‘Courrier de Paris’ de 11 de junho de 1857,
DU CHALARD deu seu parecer estampando extenso artigo, do qual destacamos: O
LIVRO DOS ESPÍRITOS do Senhor ALLAN KARDEC é página nova do próprio grande
livro do infinito e, estamos persuadidos, uma marca será posta nesta página.
Seria lamentável que pudessem pensar que aqui estamos a fazer reclame
bibliográfico; se tal se pudesse admitir, preferiríamos quebrar a pena. Não
conhecemos o autor mas proclamamos, bom som, que gostaríamos de o conhecer.
Quem escreveu aquela introdução que abre O LIVRO DOS ESPÍRITOS deve ter a alma
aberta a todos os sentimentos nobres”. (Revue Spirite, janeiro, 1858).
A atitude confiante da interlocutora e o olhar
perscrutador de Edouard exigiam-lhe uma resposta clara e sincera. Contudo, o
jornalista achou conveniente justificar sua crença:
— Quando eu era menino, ainda em minha província
natal, um estranho acontecimento, surgido de improviso, me fez acreditar na
existência das Almas de defuntos. Um vizinho falecera. Curioso, vi o cadáver já
vestido e no caixão. Ficando em casa, de noite, enquanto meus pais faziam o
velório, ouvi alguém abrir a porta da sala.
Pensando serem eles, saltei da cama e fui a seu
encontro. E dei de cara com o defunto, pálido e triste, a sorrir para mim. A
visão durou segundos. Podem imaginar o susto!
Corri ao quarto da arrumadeira, uma velha que
nos servia há muitos anos, e contei-lhe, nervosamente, o fúnebre encontro. Só
voltei a meu quarto, acompanhado dela, quando meus pais regressaram de
madrugada. Desde então, fiquei absolutamente convicto, de que as Almas aparecem
e podem sorrir aos vivos...
— Influência talvez da sua educação religiosa,
insinuou DENTU.
— Não, respondeu-lhe o jornalista. Minha mãe,
apesar de católica, primava em tolerância pelas ideias avançadas de meu pai,
materialista, fui até os dez anos instruído por um tio positivista, amigo
pessoal de LITTRÉ7 e diretor duma escola particular.
Em mim a crença nas almas resultou dum fato: Vi.
Não proveio da influência doméstica nem colegial. Ao contrário: Em casa, com
meu pai, e na escola, com meu tio, muita vez me disseram, a propósito da visão,
que acreditar em Almas era ser supersticioso. Antes de eu ver o fantasma, minha
mãe falava-me de DEUS, dos Anjos, dos Santos e dos Demônios, nunca, porém, de
Almas de defuntos. E, depois que vi o fantasma, explicou-me que a visão não
passava dum sonho. Aos quinze anos, querendo extirpar a minha suposta
superstição, passei a ler os enciclopedistas, abundantes na biblioteca de meu
pai.
Procurei, nesses livros antirreligiosos, abafar,
sob o sarcasmo dos incrédulos, a lembrança da minha visão. Mas, essa cultura
balofa, jamais venceu a minha crença.
Desde aquela noite do defunto fiquei, para
sempre, um místico.
7Maximilien Paul Emile
LITTRÉ — Filósofo, filólogo e político, n. e m. em Paris (1801/1881). Foi membro
da Academia Francesa, eleito em 1871. Célebre positivista e discípulo de
Augusto Comte.
Por isso falei-lhe que o ‘Spiritualisme’ não me
veio abalar a convicção antiga. A ‘Mesa’ me demonstrou que a minha crença
repousava numa realidade objetiva e não numa superstição.
— E escreveu a respeito? — Indagou Edouard.
— Sim. Antes de aparecer a ‘Mesa’ eu havia
esboçado um trabalhinho filosófico à moda de LAMENNAIS8. Minhas
conclusões, um tanto avançadas para a época, não ficavam longe da solução dos
Americanos. Se tivesse publicado o ensaio, seria hoje, precursor em vez de
adepto. Mas, temi a opinião pública..., e as autoridades.
— Por que não o lança agora, adaptado à teoria
americana?9 — insinuou DENTU.
— Pensei nisso. Mas o insucesso de HENNEQUIN10,
nosso desditoso amigo, me deixou apreensivo. Por outro lado, um publicista
profissional precisa, para viver tranquilo, estar em dia com todos os
acontecimentos, sem se deixar empolgar por nenhum deles, quando o assunto é
controvertido.
— Poderia subscrever o trabalho com um
pseudônimo, sugeriu Edouard.
— Como fez o professor RIVAIL, aduziu Mélanie.
— Seria logo descoberto. Meu jornal poderia
considerar-me suspeito de frequentar sociedades secretas, que a polícia vem
considerando reuniões de inimigos do regime.
— Tem razão, concordou DENTU. Seu jornal apoia o
Governo. Hoje, toda cautela é pouca para quem deseje viver em paz. Quem está
com a vara é a Igreja e ela não perdoa inimigos nem suspeitos.
8LAMENNAIS (ou LA
MENNAIS) (l’abbé Félicité-Robert de) — Filósofo e místico, n. em St. Malo em 1788,
m. em Paris em 1854. Publicou Sur la lutte de bons et mauvais génies, condenada
pela Congregação do Index. Censurado pelo Papa, afastou-se da Igreja. Foi
membro da Assembleia Nacional Francesa em 1848.
9Revue
Spirite (abril de 1869) reproduz do Salut, de Nova Orleans, a declaração de
princípios aprovada na quinta convenção nacional, ou assembleia dos delegados
dos espíritas das diversas partes dos Estados Unidos.
A comparação das crenças sobre essas matérias,
entre o que se chama escola americana e a escola europeia, é uma coisa de
grande importância, de que cada um poderá convencer-se. A recomendação é de Kardec,
vale a pena reportar-se à fonte.
10HENNEQUIN
(Victor-Antoine), n. em Paris em 1816, e m. em 1854. Advogado, deputado,
publicista et singulíer illuminé. Publicou Sauvons le genre humain, ditado pelo
espírito Ame de la Terre, em 1853.
Tendo enlouquecido, o acontecimento foi muito
explorado pelos opositores do Espiritismo. Falam muito do caso Victor Henequim,
porém esquecem-se que, antes de se ocupar com os Espíritos, já ele havia dado provas
de excentricidades nas suas ideias (Allan Kardec - O que é o Espiritismo - FEB -
Rio de Janeiro - 1945- 9a. ed. - pág. 68).
— E Você, Edouard? Crê no ‘Spiritualisme’? - Indagou
DU CHALARD.
— Comigo o caso foi diferente: Criei-me num meio
místico. Meu pai era amigo pessoal de PUYSEGUR11 e DELEUZE12
e correspondia-se com DE BARBARIN, BILLOT e outros magnetizadores da Escola
Espiritualista. Mamãe e papai entregavam-se, com entusiasmo, ao estudo e à
prática do Magnetismo transcendente. Por isso, a crença nos Espíritos, me foi
transmitida com o leite do peito...
— Nosso lar, interveio Mélanie, era, de fato, o
cenáculo dos grandes Magnetistas, quando vivia meu marido. Reuniam- se, em
nossa casa, uma vez por semana, para palestrar sobre o Magnetismo ou ensaiar
alguma sonâmbula. Nestes últimos quarenta anos, nenhuma livraria editou mais
obras sobre o Magnetismo e ciências correlatas do que a nossa.
— Eu sei, interveio DU CIIALARD, e lembro-me de
ter sido sua casa que lançou, entre nós, o primeiro livro sobre o
‘Spiritualisme’.
— De fato, logo que surgiu, em Bremen13
o caso da ‘Mesa Magnética’, como então, se dizia na Alemanha, enviei para lá, o
Senhor CLEMENT. Com os dados por ele colhidos ‘in loco’ e as informações por
mim obtidas, de nosso correspondente em Londres, pudemos lançar o primeiro
livro escrito na França sobre o ‘Spiritualisme’ americano.
11PUYSÉGUR (Armand Marie
Jacques de Chastenet, marquis de), continuador de MESMER, em 1787, ao assistir
o camponês Victor Rasse, com os recursos do magnetismo, produziu o sono
hipnótico, que denominou de “Sonambulismo Artificial”. Assim, casualmente,
Puységur descobriu a um só tempo o sonambulismo a sugestão mental e a transmissão
do pensamento. (Michaelus - Magnetismo Espiritual -FEB - Rio de Janeiro - 3a.
ed. – 1977- pág. 10)
12DELEUZE (Joseph Philippe
François), naturalista, bibliotecário do Museu de História Natural em França,
célebre magnetizador e diretor da Escola Naturista (de Magnétologia), n. em
Sisteron, em 1753, e m. em Paris, em 1835. Iniciou seus estudos e suas
observações sobre o magnetismo em 1785. Publicou ‘Mémoires sur le faculté de
prevision’ (1836), ‘Histoire critique du magnétisme animal’ (1849). ‘Instruction
practique sur le magnétisme animal’ (1850) e ‘Correspondence’, em dois volumes,
em 1838/9, com Billot (Dr. G. P.)
13Em abril de 1853, ‘ecoa
de Bremen, importante cidade (alemã) à margem do rio Weser, a notícia da primeira
manifestação da ‘mesa girante’, ‘com a qual não se sonhava antes da chegada do
vapor de Nova Iorque, o Washington... O novo fenômeno é importado da América’
(Zêus Wantuil - As Mesas Girantes e o Espiritismo - FEB - Rio de Janeiro - 1a.
ed.- pág. 26)
— Foi a pioneira desse movimento literária,
sustentou DU CHALARD.
— Naquele tempo, falou DENTU, eu ainda não
dirigia a Livraria, mas acompanhava as nossas edições com grande interesse.
Ferdinand SILAS14 era meu amigo de escola e se incumbiu de coordenar
os dados obtidos por mamãe e CLEMENT.
Conseguimos um formidável êxito de livraria, O
Livro — lembra-se? — Foi lançado no mesmo dia em que a imprensa parisiense,
pela primeira vez, tratou da ‘Mesa Magnética’.
Num só mês largamos três edições melhoradas. Na
segunda, demos um velho ensaio de BALZAC15, apropriado ao caso, para
mostrar que os Alemães não andavam adiante de nós. Na terceira, acrescentamos
um prefácio de DELAAGE16, provando que nós, os Magnetistas, já
havíamos previsto o Spiritualisme americano. Lançamos assim, em trinta dias,
dez mil exemplares, esgotando-se as tiragens.
— E, ao mesmo tempo, imprimimos várias obras
particulares, tratando de tal assunto, aduziu a viúva.
— Minha atenção para o fenômeno, disse DU
CHALARD foi despertada, justamente, pelo folheto de SILAS.
E, após um instante:
— Mas, a minha pergunta, Edouard, ainda não foi
respondida: Você crê nos Espíritos?
— Como lhe ia dizendo, eduquei-me num ambiente
místico. Para mim eram, um fato, a imortalidade e o aparecimento da Alma,
quando evocada magneticamente.
14 SILAS (Ferndinand)
publicou Instruction explicative et pratique des tables tournantes (Paris, Houssiaux
et Dantu, 1852(1 ed.) e 1853(2 e 35 ed).
15BALZAC (Honoré de),
romancista francês, n. en Tours (1799/1850). É vasta a sua produção bibliográfica,
destacamos a Comedie humaine, uma série de romances, dentre os quais Ursula
Mirouet e Seraphite, este traduzido para o português por Wallace Leal V.
Rodrigues, sob o título O céu em nossas almas (LAKE- livraria Allan Kardec
Editora - São Paulo -1952-1 ed.)
16DELAAGE (Henri),
magnetista e magnetizador, autor de livros mystico magnétiques, amigos de Alexandre
Dumas, de Rigobolche e outros, com uma conversação embaraçada, por um vício de
linguagem e, no entretanto, como homem do mundo, muito gentil, delicado e
simpático. Nasceu em Paris em 1825.
Dentre outras obras publicou Initiation aux
mystéres du magnetisme (Paris, Dentu, 1847); Le monde occulte ou Mystéres du
magnetisme devoilles par le somnambulisme (Paris, P. Lesigne, 1851); Le Monde prophétique
(Paris, Dentu, 1853) e L’étemité dévoilé ou vie future des ámes aprés la mort
(Paris, Dentu,1854)
Minha crença, porém, ao invés de consolidar-se
com a ‘Mesa’, como aconteceu a você, arrefeceu-se diante dela. Explico-lhe.
Estreando-me na direção da livraria, coube-me editar ‘As Mesas Rotantes’ do
Conde Agénor DE GASPARIN17. As conclusões desse ilustre Protestante,
resumidas verbalmente por ele, em nossos colóquios, durante a impressão da
obra, deixaram-me confuso, incrédulo, cético. A dúvida na veracidade de minha
crença penetrou-me o espírito e, como um incêndio, devorou toda a minha fé na Espiritualidade.
Fiquei largo tempo, sem saber se acreditava nos Espíritos, como meus pais e os
amigos HENNEQUIM e DELAAGE, ou numa ‘força’ de natureza ‘material’, como
afirmava DE GASPARIN.
— Meu filho, sustentou Mélanie, inclinou-se
francamente, para os negadores.
Sua atitude, quase de hostilidade contra nossa
crença, entristecia-me, pois eu ‘sabia’ a verdade.
— Na vida comercial intensa em que logo me
encontrei, desculpou-se DENTU, não era possível, como queria ‘Mam’, aprofundar
o estudo a fim de chegar, experimentalmente, a uma conclusão pessoal. Era
assim, forçado a considerar as hipóteses mais prudentes dos experimentadores.
Fiquei, como DE GASPARIN, crendo nas Almas imortais mas duvidando da sua
comunicação pela ‘Mesa’. E assim me mantive, até o dia em que li o prefácio
deste livro.
— Bravos! — Exclamou contente DU CHALARD. Posso
então chamá-lo ‘irmão em crença’. Eu já desconfiava disso, dada sua intimidade
com DELAAGE, SILAS e nosso infeliz HENNEQUIN.
— Sim, de fato, sou hoje um crente convicto. Mas
como é DELAAGE. Para mim, o ‘Spiritualisme’ americano serve apenas de prova da
verdade religiosa revelada por JESUS. Continuo na minha velha fé cristã.
17DE GASPARIN (Agénor Ettiénne,
comte), francês n. em Orange (1810) e m. em Genève (1871). Político e literato
foi um dos observadores e pesquisadores que iniciaram, em França, o estudo dos
novos fenômenos que a abalaram no século passado e que deram origem ao
movimento espiritualista moderno. É autor de Des ta bles tournantes, du sur
naturel et généralet des esprits. L’auteur a constaté la réalité des phénomènes,
mais il cherchait à les expliquer san le concours des Esprits (Allan Kardec, Catalogue
Raisonné des Ouvrages Pouvant Servir à Fonder une Bibliothéque Spirite -Paris —
1869)
— O importante, respondeu o jornalista, é crer.
Podemos divergir em matéria doutrinária. Mas negar a comunicação dos Mortos,
nesta altura dos fatos, é negar a luz do Sol em pleno meio-dia.
— Na comunicação dos Mortos eu creio, repetiu
DENTU.
— Graças à O LIVRO DOS ESPÍRITOS, aduziu
Mélanie.
— Considero DE GASPARIN, falou o jornalista, uma
pena brilhante que só tem rival em RENAN18. Mas julgo ‘As mesas
Rotantes’, apesar de seu estilo maravilhoso e de seu fundo experimental, uma
obra insincera e tendenciosa, escrita visando mais à defesa de SATAN do que à
Ciência. E tão profundamente sectária que, apesar de DE MERVILLE e DES
MOUSSEAUX sustentarem a mesma tese satânica, DE GASPARIN os ataca de rijo por
serem escritores católicos.
— Eu diria mais, interveio Mélanie. É uma obra
parcial, pois só tratou duma parte do fenômeno — o movimento — sem cuidar das
manifestações inteligentes e sobre-humanas que a ‘Mesa’ produz e ele
testemunhou muita vez.
— Estou de pleno acordo com ‘Mam’, apoiou DENTU.
Na realidade DE GASPARIN procurou, dum lado, ignorar a inteligência do fenômeno
e, doutro lado, defender a teologia protestante. Seu móvel, porém, não foi
somente sectário. Agenor é um sábio, um verdadeiro cientista.
— Sem dúvida! — Sustentou DU CHALARD. Mas seu
ataque aos Unitaristas americanos19, que aderiram ao ‘Spiritualisme’
e o propagam como um aviso divino, é prova de seu sectarismo.
— Tenho agora a certeza, atalhou DENTU, que você
vai apreciar este livro e dizer em seu jornal alguma coisa boa sobre ele.
18RENAN (Josef Ernest),
filósofo, filólogo, crítico e historiador francês, n. em Tréguier (Côtes du
Nord), m. em Paris (1823/1892). Escritor de excepcional habilidade, historiador
audacioso e erudito, escreveu, entre outras obras, Histoire des origines du
christianisme (1863/1881), que compreende Vie de Jésus, Les Apôtres. L’
Ecclésiaste Chretienne e outros. A respeito de a Vida de Jesus há extenso
comentário de Kardec em a Revue Spirite (maio-junho de 1864) e em Obras
Póstumas (2 p. título 26).
19Partidários
do Unitarismo, doutrina que não reconhece senão uma pessoa em Deus, como os
socinianos.
— É possível. Vou lê-lo com atenção. E poderei
desancar o Autor, se a obra não me agradar?
— À vontade! Assim esgotaremos a edição mais
depressa.... Mas olhe: Nada publique sem eu primeiro registrar O LIVRO. Como
sabe, a nova Lei de Imprensa é severa e exige que, antes de comentada ou
anunciada nas gazetas, a obra esteja aprovada pela Censura e arrolada no
‘Boletim Bibliográfico’ do ‘Journal de la France’20.
— Sei disso, concordou o jornalista.
20NAPOLEÃO III (Carlos
Luiz Napoleão Bonaparte), n. em Paris (França) e m. em Chiselhurst (Inglaterra)
(1808/1873), imperador da França, na época - de 1852 a 1858 - exercia um poder
absoluto.
Canuto Abreu – Livro: O livro dos Espíritos e sua tradição histórica e lendária
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