sábado, 23 de abril de 2022

Quando as Ciências se afirmavam e a fé cega cedia lugar à razão, ele soube arrancar dos fenômenos curiosos das mesas girantes uma doutrina integral.

Portador de sensibilidade acurada, mantendo um alto senso crítico, Allan Kardec mergulhou o bisturi da investigação no organismo da morte e estabeleceu a linha direcional para o comportamento humano responsável em torno da imortalidade.

Ele não se deteve no umbral das investigações, fascinado pelas informações espirituais que lhe chegaram. Tampouco se permitiu apaixonar, em momento nenhum, pelas conquistas enobrecedoras.

Perquiriu, com raciocínio claro, examinou com imparcialidade, investiu o tempo e a vida na busca da Verdade, para brindar a humanidade com o Consolador que Jesus havia prometido.

Dotado de uma óptica invulgar, soube separar as gemas dos seixos, os diamantes estelares dos pedregulhos com eles formando um colar de rara beleza para adornar a vida, tornando-a bem-aventurada.

Investindo o que havia de mais precioso no conhecimento, para que a Doutrina Espírita pudesse sobreviver à marcha do progresso, examinou os mais intrigantes problemas do comportamento humano à luz da reencarnação, oferecendo uma filosofia pragmática, alicerçada no cartesianismo, facultando no futuro enfrentar com altivez a derrocada da ética e da cultura, qual ocorre nestes dias.

Confrontou os dogmas religiosos com a realidade da Ciência, e, fazendo-os implodir, propôs a religião do amor universal tendo por fundamento as bases essenciais de todas elas, com os seus componentes confirmados pela investigação científica, do que resultou uma saudável filosofia comportamental.

Profetizou a evolução da humanidade e o papel que o Espiritismo deveria desempenhar na transformação do homem.

Advertiu todos aqueles que se adentrassem no comportamento espírita para que examinassem em profundidade a Doutrina, não se deixando embair pelas ideias fantasistas ou pelas profecias de arrastamento, sem conteúdo.

E hoje, quando o Espiritismo sensibiliza milhões de vidas, o seu Movimento parece deperecer, perdendo em qualidade o que adquire em quantidade.

Adeptos precipitados tentam enxertar conceitos supersticiosos no organismo impoluto da Doutrina que dispensa apêndices, permanecendo ideal conforme foi legada por Allan Kardec.

A invigilância de alguns simpatizantes procura adaptar crendices ultramontanas ao texto doutrinário, para acomodar interesses imediatos e vazios, por falta de coragem para arrostar as consequências da fé na sua legitimidade.

O Espiritismo sobrepõe-se-lhes, porque nenhum exotismo pode fazer parte do seu contexto.

Teimam introduzir no seu conteúdo superior práticas, que, embora respeitáveis, são do Orientalismo, não se coadunando com a tecedura da verdade de que Allan Kardec se fez intermediário consciente.

A Doutrina Espírita, não obstante, respeitando todos os comportamentos religiosos e éticos da Humanidade, permanece acima de qualquer conotação suspeita ou desfiguração nas suas bases.

O mediunismo desorganizado e sensacionalista atrai a atenção para os fenômenos corriqueiros da saúde e da fantasia, de certo modo tentando transformar o Espiritismo em uma seita de significado impreciso.

Cabe, desse modo, ao espírita consciente tolerar, mas, não ser conivente; respeitar, mas, não concordar com as tentativas de intromissão de seitas, de práticas, de crendices e superstições que fizeram a glória da ignorância nas gerações passadas, poupando a Doutrina Espírita desse vandalismo injustificável, ao mesmo tempo convidando todos a uma releitura das suas bases em confronto com os avanços do conhecimento hodierno, para que se reafirme a indestrutibilidade dos seus ensinamentos, confirmados, a cada momento, pelas conquistas da razão, da tecnologia e da ciência.

O Espiritismo é a Doutrina que vem de Jesus através dos imortais, codificada pelo pensamento ímpar de Allan Kardec para assinalar a era do espírito imortal e permanecer traçando diretrizes para as gerações do futuro que nos cumpre, desde agora, preservar através de uma conduta saudável, impoluta e compatível com os postulados que fulguram nesse colosso, que é o Espiritismo, a Doutrina libertadora dos novos tempos.

Outros estudiosos, lúcidos e sérios, empreenderam o tentame de interpretar o homem, elucidando os mistérios nos quais o mesmo se encontrava oculto. Através dos tempos foram realizadas pesquisas demoradas e aprofundada a sonda de averiguação no corpo ciclópico do conhecimento, buscando-se respostas.

Livros memoráveis foram escritos, abordando o fenômeno da vida e especialmente o ser pensante, significando um passo audacioso nas interpretações valiosas.

Ninguém, no entanto, logrou penetrar tanto nas causas geradoras da vida em si mesma conforme ele o conseguiu.

Sócrates contentou-se em ouvir o seu daimon.

Buda mergulhou em profundo silêncio, descobrindo a felicidade íntima.

Pitágoras construiu a sua escola de sabedoria iniciática em Crotona e transmitiu a técnica do conhecimento imortalista.

Os cristãos primitivos, que se celebrizaram pela busca e dedicação à verdade, defrontaram a Espiritualidade e apaziguaram-se.

Os santos da escatologia católica, em retiros, silêncios e sacrifícios, superaram-se, abrindo espaços para futuras experiências ditosas...

Dante Alighieri vislumbrou as paisagens post-mortem, fazendo grandioso legado à posteridade.

Allan Kardec, entretanto, encarou com coragem os fenômenos da vida e entregou-se por inteiro ao trabalho de demitizá-la dos tabus teológicos, das superstições da ingenuidade, dos arrazoados anticientíficos, que desfrutavam de cidadania cultural.

De princípio, sem parti pris, investigou com absoluta serenidade as manifestações mediúnicas, demandando as suas causas e procurando compreendê-las com o escalpelo da razão, fato após fato, buscando encontrar uma linguagem universal lógica, irrecusável, eliminando todas as hipóteses que não as enfrentasse com segurança.

Identificada essa causa, verificou a qualidade moral dos agentes propiciadores e suas consequências éticas profundas.

Refundiu, ante as sucessivas evidências, as conclusões estabelecidas de começo até quando confirmadas pela demonstração experimental que lhes concedeu legitimidade.

Restituiu a Deus a dignidade perdida ante a vulgar conceituação antropomórfica que os homens lhe emprestaram e estudou as origens da vida, nos elementos, espiritual e material, constitutivos do Universo, para proclamar o mecanismo da evolução num processo constante e irreversível, através das etapas sucessivas da reencarnação que atesta a sabedoria divina e propõe a todos os seres a fatalidade da perfeição, relativa, que certamente alcançarão.

Passou pelo crivo da observação os antigos postulados religiosos e os analisou com os instrumentos de que dispunha, mediante a constante comunicação com os Espíritos, o que resultou na reformulação da ideia da morte, aniquilando em definitivo esse fantasma de que se utilizavam os fátuos das religiões e das crendices para concederem bênçãos e maldições ao talante da astúcia e do suborno através dos bens perecíveis.

Allan Kardec situou Jesus no seu devido lugar como “o ser mais perfeito que Deus ofereceu aos homens para servir-lhes de modelo e guia”, tornando-O o amigo e irmão mais sábio, que nos ensinou a técnica da felicidade, sem fugir, Ele mesmo, à exemplificação até o holocausto, justo e simples, mestre e companheiro de todas as criaturas.

Enquanto permaneciam os ditames impostos pela presunção dos teólogos confundindo as leis civis, transitórias, com as leis divinas, Kardec apoiou-se na lei natural - o amor - para lecionar deveres e responsabilidades iguais para todos os homens, que são os construtores do próprio destino.

Perscrutou os problemas decorrentes da “exploração do homem pelo homem” e recordou a igualdade de direitos e deveres, eliminando todo e qualquer privilégio de casta, credo, posição social e econômica, concedendo à caridade, envilecida pelo pieguismo e adulteração de finalidade, o seu verdadeiro sentido paulino e social, que propicia o socorro ao carente, de imediato, quando for o caso, promovendo-o em seguida, a fim de realizar-se na comunidade onde vive.

Abriu as portas para a investigação paranormal, pioneiro que permanece insuperado, pedagogo e psicólogo exemplar, equilibrado em todas as colocações apresentadas, que fazem de O Livro dos Espíritos, por ele escrito com a cooperação dos Mentores da Humanidade, uma Obra ímpar, que desafia o segundo século de publicação sem sofrer qualquer fissura no seu conteúdo, num período em que todo conhecimento sofreu contestação e alterou a face cultural da Terra.

O Livro dos Espíritos, desse modo, não é apenas a pedra angular sobre a qual se ergue a Doutrina Espírita, mas, também, é o tratado de robusta estrutura para orientar a Economia, a Sociologia, a Psicologia, a Embriologia, a Ética, então desvairadas, elucidando a Antropologia, a Biologia, a Fé, cujos fundamentos necessitavam da preexistência e sobrevivência do ser inteligente, que o Espiritismo comprovou e tomou acessível a todo examinador consciente e responsável.

Assim, sem O Livro dos Espíritos, com seus parâmetros soberanos e esclarecedores, não existe Doutrina Espírita, tanto quanto sem Allan Kardec não existiria esse colosso granítico demarcador da Humanidade, que é O Livro dos Espíritos, que o porvir bendirá, tornando-se manual iluminativo para as consciências do presente e do futuro.

 

Vianna de Carvalho / Divaldo Franco – Reflexões Espíritas

Um comentário:

  1. Texto muito esclarecedor. Allan Kardec é, sem dúvida, o co-autor desta Doutrina de Luz, após a segunda edição de "O Livro dos Espíritos".

    ResponderExcluir