Quando as Ciências se afirmavam e a fé cega
cedia lugar à razão, ele soube arrancar dos fenômenos curiosos das mesas
girantes uma doutrina integral.
Portador de sensibilidade acurada, mantendo um
alto senso crítico, Allan Kardec mergulhou o bisturi da investigação no
organismo da morte e estabeleceu a linha direcional para o comportamento humano
responsável em torno da imortalidade.
Ele não se deteve no umbral das investigações,
fascinado pelas informações espirituais que lhe chegaram. Tampouco se permitiu
apaixonar, em momento nenhum, pelas conquistas enobrecedoras.
Perquiriu, com raciocínio claro, examinou com
imparcialidade, investiu o tempo e a vida na busca da Verdade, para brindar a humanidade
com o Consolador que Jesus havia prometido.
Dotado de uma óptica invulgar, soube separar as
gemas dos seixos, os diamantes estelares dos pedregulhos com eles formando um
colar de rara beleza para adornar a vida, tornando-a bem-aventurada.
Investindo o que havia de mais precioso no
conhecimento, para que a Doutrina Espírita pudesse sobreviver à marcha do
progresso, examinou os mais intrigantes problemas do comportamento humano à luz
da reencarnação, oferecendo uma filosofia pragmática, alicerçada no cartesianismo,
facultando no futuro enfrentar com altivez a derrocada da ética e da cultura,
qual ocorre nestes dias.
Confrontou os dogmas religiosos com a realidade
da Ciência, e, fazendo-os implodir, propôs a religião do amor universal tendo
por fundamento as bases essenciais de todas elas, com os seus componentes
confirmados pela investigação científica, do que resultou uma saudável
filosofia comportamental.
Profetizou a evolução da humanidade e o papel
que o Espiritismo deveria desempenhar na transformação do homem.
Advertiu todos aqueles que se adentrassem no
comportamento espírita para que examinassem em profundidade a Doutrina, não se
deixando embair pelas ideias fantasistas ou pelas profecias de arrastamento,
sem conteúdo.
E hoje, quando o Espiritismo sensibiliza milhões
de vidas, o seu Movimento parece deperecer, perdendo em qualidade o que adquire
em quantidade.
Adeptos precipitados tentam enxertar conceitos
supersticiosos no organismo impoluto da Doutrina que dispensa apêndices,
permanecendo ideal conforme foi legada por Allan Kardec.
A invigilância de alguns simpatizantes procura
adaptar crendices ultramontanas ao texto doutrinário, para acomodar interesses
imediatos e vazios, por falta de coragem para arrostar as consequências da fé
na sua legitimidade.
O Espiritismo sobrepõe-se-lhes, porque nenhum
exotismo pode fazer parte do seu contexto.
Teimam introduzir no seu conteúdo superior
práticas, que, embora respeitáveis, são do Orientalismo, não se coadunando com
a tecedura da verdade de que Allan Kardec se fez intermediário consciente.
A Doutrina Espírita, não obstante, respeitando
todos os comportamentos religiosos e éticos da Humanidade, permanece acima de
qualquer conotação suspeita ou desfiguração nas suas bases.
O mediunismo desorganizado e sensacionalista
atrai a atenção para os fenômenos corriqueiros da saúde e da fantasia, de certo
modo tentando transformar o Espiritismo em uma seita de significado impreciso.
Cabe, desse modo, ao espírita consciente
tolerar, mas, não ser conivente; respeitar, mas, não concordar com as
tentativas de intromissão de seitas, de práticas, de crendices e superstições
que fizeram a glória da ignorância nas gerações passadas, poupando a Doutrina
Espírita desse vandalismo injustificável, ao mesmo tempo convidando todos a uma
releitura das suas bases em confronto com os avanços do conhecimento hodierno,
para que se reafirme a indestrutibilidade dos seus ensinamentos, confirmados, a
cada momento, pelas conquistas da razão, da tecnologia e da ciência.
O Espiritismo é a Doutrina que vem de Jesus
através dos imortais, codificada pelo pensamento ímpar de Allan Kardec para
assinalar a era do espírito imortal e permanecer traçando diretrizes para as
gerações do futuro que nos cumpre, desde agora, preservar através de uma
conduta saudável, impoluta e compatível com os postulados que fulguram nesse
colosso, que é o Espiritismo, a Doutrina libertadora dos novos tempos.
Outros estudiosos, lúcidos e sérios,
empreenderam o tentame de interpretar o homem, elucidando os mistérios nos
quais o mesmo se encontrava oculto. Através dos tempos foram realizadas
pesquisas demoradas e aprofundada a sonda de averiguação no corpo ciclópico do
conhecimento, buscando-se respostas.
Livros memoráveis foram escritos, abordando o
fenômeno da vida e especialmente o ser pensante, significando um passo
audacioso nas interpretações valiosas.
Ninguém, no entanto, logrou penetrar tanto nas
causas geradoras da vida em si mesma conforme ele o conseguiu.
Sócrates contentou-se em ouvir o seu daimon.
Buda mergulhou em profundo silêncio, descobrindo
a felicidade íntima.
Pitágoras construiu a sua escola de sabedoria
iniciática em Crotona e transmitiu a técnica do conhecimento imortalista.
Os cristãos primitivos, que se celebrizaram pela
busca e dedicação à verdade, defrontaram a Espiritualidade e apaziguaram-se.
Os santos da escatologia católica, em retiros,
silêncios e sacrifícios, superaram-se, abrindo espaços para futuras
experiências ditosas...
Dante Alighieri vislumbrou as paisagens post-mortem,
fazendo grandioso legado à posteridade.
Allan Kardec, entretanto, encarou com coragem os
fenômenos da vida e entregou-se por inteiro ao trabalho de demitizá-la dos
tabus teológicos, das superstições da ingenuidade, dos arrazoados
anticientíficos, que desfrutavam de cidadania cultural.
De princípio, sem parti pris, investigou com
absoluta serenidade as manifestações mediúnicas, demandando as suas causas e
procurando compreendê-las com o escalpelo da razão, fato após fato, buscando
encontrar uma linguagem universal lógica, irrecusável, eliminando todas as
hipóteses que não as enfrentasse com segurança.
Identificada essa causa, verificou a qualidade
moral dos agentes propiciadores e suas consequências éticas profundas.
Refundiu, ante as sucessivas evidências, as
conclusões estabelecidas de começo até quando confirmadas pela demonstração
experimental que lhes concedeu legitimidade.
Restituiu a Deus a dignidade perdida ante a
vulgar conceituação antropomórfica que os homens lhe emprestaram e estudou as
origens da vida, nos elementos, espiritual e material, constitutivos do
Universo, para proclamar o mecanismo da evolução num processo constante e
irreversível, através das etapas sucessivas da reencarnação que atesta a
sabedoria divina e propõe a todos os seres a fatalidade da perfeição, relativa,
que certamente alcançarão.
Passou pelo crivo da observação os antigos
postulados religiosos e os analisou com os instrumentos de que dispunha,
mediante a constante comunicação com os Espíritos, o que resultou na reformulação
da ideia da morte, aniquilando em definitivo esse fantasma de que se utilizavam
os fátuos das religiões e das crendices para concederem bênçãos e maldições ao
talante da astúcia e do suborno através dos bens perecíveis.
Allan Kardec situou Jesus no seu devido lugar
como “o ser mais perfeito que Deus ofereceu aos homens para servir-lhes de
modelo e guia”, tornando-O o amigo e irmão mais sábio, que nos ensinou a
técnica da felicidade, sem fugir, Ele mesmo, à exemplificação até o holocausto,
justo e simples, mestre e companheiro de todas as criaturas.
Enquanto permaneciam os ditames impostos pela
presunção dos teólogos confundindo as leis civis, transitórias, com as leis
divinas, Kardec apoiou-se na lei natural - o amor - para lecionar deveres e responsabilidades
iguais para todos os homens, que são os construtores do próprio destino.
Perscrutou os problemas decorrentes da “exploração
do homem pelo homem” e recordou a igualdade de direitos e deveres, eliminando
todo e qualquer privilégio de casta, credo, posição social e econômica, concedendo
à caridade, envilecida pelo pieguismo e adulteração de finalidade, o seu
verdadeiro sentido paulino e social, que propicia o socorro ao carente, de
imediato, quando for o caso, promovendo-o em seguida, a fim de realizar-se na
comunidade onde vive.
Abriu as portas para a investigação paranormal,
pioneiro que permanece insuperado, pedagogo e psicólogo exemplar, equilibrado
em todas as colocações apresentadas, que fazem de O Livro dos Espíritos, por
ele escrito com a cooperação dos Mentores da Humanidade, uma Obra ímpar, que
desafia o segundo século de publicação sem sofrer qualquer fissura no seu
conteúdo, num período em que todo conhecimento sofreu contestação e alterou a
face cultural da Terra.
O Livro dos Espíritos, desse modo, não é apenas
a pedra angular sobre a qual se ergue a Doutrina Espírita, mas, também, é o
tratado de robusta estrutura para orientar a Economia, a Sociologia, a
Psicologia, a Embriologia, a Ética, então desvairadas, elucidando a Antropologia,
a Biologia, a Fé, cujos fundamentos necessitavam da preexistência e
sobrevivência do ser inteligente, que o Espiritismo comprovou e tomou acessível
a todo examinador consciente e responsável.
Assim, sem O Livro dos Espíritos, com seus
parâmetros soberanos e esclarecedores, não existe Doutrina Espírita, tanto
quanto sem Allan Kardec não existiria esse colosso granítico demarcador da
Humanidade, que é O Livro dos Espíritos, que o porvir bendirá, tornando-se
manual iluminativo para as consciências do presente e do futuro.
Vianna de Carvalho / Divaldo
Franco – Reflexões Espíritas