Recebi a carta
em que a sua generosidade me pergunta como viver em paz, sem aversões e sem
inimigos.
Creia que despendi muito tempo procurando um caminho
para a resposta.
Meditei, meditei, até que um professor iluminado por
muitas experiências, falou-me, bem-humorado:
— Augusto,
sobre tranquilidade e inimigos, tenho uma pequena história que vale a pena ser
contada.
E prosseguiu:
Nos tempos medievais, grande parte da Europa era
recortada por numerosos domínios. Foi assim que existiu um reino na Itália,
cujos habitantes se caracterizavam pelo gênio criativo e trabalhador. Tudo
corria, por lá, às mil maravilhas, quando certa parte do território entrou em
dificuldade para o relacionamento harmonioso dos cidadãos entre si.
Tudo começou com tricas domésticas que rapidamente
degeneraram em conflitos sociais que se comunicaram à vida produtiva do País.
Desorganizara-se o trabalho, o ódio estabelecia a
delinquência, a luta de classes oferecia péssimos exemplos à comunidade e,
quando o desequilíbrio atingiu o auge, reuniram-se os soberanos com os juízes e
conselheiros nos quais se inspiravam e resolveu-se que o filho único do casal
fosse em missão punitiva ao encontro dos dissidentes, de modo a restaurar os
princípios da segurança.
O jovem prometeu liquidar todos os inimigos do reino
e, dias depois, cavalgando soberbo corcel, o rapaz, acompanhado de assessores,
partiu em busca da recuada província que a rebeldia infestava.
Atingida a meta, os colaboradores do príncipe, com
grande espanto, viram-no convidar as autoridades responsáveis pelos negócios do
Estado para um entendimento em praça pública.
Marcado o dia para o diálogo aberto, notou-se que o
rapaz iniciou a reunião, pedindo a Deus abençoasse a todos os que ali
compareciam de boa vontade.
Finda a prece, requisitou o debate e, com admiração
para todos os moradores do rebelado recanto, passou a perdoar todas as
injúrias, assacadas contra a sua família; acatou as petições da justiça; mandou
pagar as indenizações que lhe foram apresentadas com documentos justos e
reorganizou o serviço das classes diversas e, em todas as manifestações, se
comportou com tal bondade que, em poucos dias, a comissão vitoriosa retornava à
capital com inúmeros protestos de paz e amizade, assinados por aqueles mesmos
compatriotas dantes considerados subversivos.
Recebido pelos pais que já haviam colhido informações
tendenciosas, com relação ao seu comportamento que, para muitos, expressava
fraqueza e covardia, entregou os resultados da missão que executara sem ameaças
e sem lágrimas, sem perseguição e sem morte.
Após o relatório a que se via compelido pela força das
responsabilidades de que fora revestido, o pai levantou-se e indagou
asperamente:
— Então, que
fez você das ordens que lhe confiamos? Onde a sua promessa de nos destruir os
inimigos?
O rapaz, surpreendido, respondeu com humildade:
— Pai, o
mandato com que fui honrado foi honestamente cumprido. Anulei todos os nossos
adversários, deles fazendo cooperadores e amigos. Não restou um só dos inimigos
do reino, porquanto, foi possível transfigurar todos os nossos opositores em
companheiros que passaram a trabalhar e a produzir para a comunidade com
sinceridade e sensatez.
O genitor, confundido pela informação, permaneceu em
silêncio, ignorando como reformular o assunto, mas a soberana, de coração
compreensivo e justo, adiantou-se para o moço e concluiu o episódio,
falando-lhe com o manifesto carinho maternal:
— Deus o
abençoe, meu filho! Todas as suas providências foram louváveis. Muitos ganham a
guerra, mas você ganhou a paz que nos beneficia a todos e precisamos reconhecer
que sem paz é impossível sustentar o trabalho do bem.
Esta é a ligeira história que, de minha parte,
igualmente lhe ofereço por modelo da vida em paz. Não sei se consegui
satisfazê-la, mas acredite que fiz aqui o melhor que se me fez possível. Se não
pude, porém, responder aos seus argumentos com clareza, terei muita satisfação
em dialogar consigo outra vez.