Vamos definir a pessoa e a missão de Jesus, valendo-nos,
para isso, da sua própria declaração, segundo consta dos Evangelhos.
Desejando que aqueles homens humildes e bons que
escolhera para seus colaboradores soubessem quem ele era e donde procedera,
interrogou-os, certa vez, indagando: Quem diz o povo que eu sou? Eles
retrucaram: Dizem que sois um dos antigos profetas que ressuscitou. E, vós
outros, prosseguiu o Senhor, quem dizeis que eu sou? Pedro, adiantando-se aos
demais, respondeu: Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo.
Jesus, confirmando a resposta do velho pescador,
acrescenta: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, pois não foi a carne nem o
sangue quem to revelou, mas meu Pai que está nos céus...
Sabemos, portanto, quem é Jesus, pelo testemunho celeste
que veio por intermédio de Pedro: é o Cristo, isto é, o ungido, o escolhido,
Filho de Deus vivo.
Ungido e escolhido para quê? Qual a missão que lhe foi
confiada e quais as relações entre ele, o Filho, e o Pai celestial?
Jesus mesmo nos esclarece sobre este ponto, quando,
ressuscitado, diz a Madalena, que pretende lançar-se aos seus pés e abraçá-lo:
Não me toques, ainda não subi para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus. Logo, o Deus de Jesus é o Deus da Humanidade, o Pai comum de todos os
homens, sem nenhuma distinção.
Quanto ao compromisso que veio desempenhar neste orbe,
nós o vemos claramente através da atitude que ele assumiu na sociedade terrena.
Que fez Jesus? Começou reunindo algumas pessoas simples, arrebanhadas das
camadas humildes, e foi-lhes ministrando lições e ensinamentos por meio de
parábolas singelas, prédicas e discursos vazados em linguagem popular,
cimentando com exemplos edificantes todas as doutrinas que transmitia.
A novidade da sua escola consistia particularmente na
divulgação destes princípios: Todos os homens são filhos de Deus, têm todos
essa mesma origem. Da paternidade divina, decorre, como corolário natural, a
fraternidade humana, isto é, todos os homens são irmãos. Portanto, devem
amar-se reciprocamente agindo em tudo segundo a lei de solidariedade.
No entanto, apesar da clareza, lisura e concisão de tal
doutrina, são grandes as dificuldades em torná-la acessível à mente e ao
coração humanos.
Verdades tão naturais, duma lógica irretorquível,
comprovadas pelo testemunho de fatos incontestes, escritas em caracteres
palpitantes no grande livro da Vida, contudo, continuam sendo objeto de
controvérsias, discutidas por uns, rejeitadas por outros.
Ora, a missão de Jesus é precisamente comprovar aquele
asserto, vencer os obstáculos conquistando a Humanidade. Essa obra, sendo de
redenção porque visa libertar o homem dos liames que o prendem à animalidade,
cujos vestígios, nele, são patentes, é, por isso mesmo, obra de educação.
Daí por que Jesus arrogou a si a denominação de Mestre,
considerando aqueles que o acompanhavam como discípulos. Consignemos que foi o
único título com que se adornou, e nenhum outro. Quando, certa vez, o chamaram
“bom”, retrucou: Bom, só há um, que é Deus. Quando o disseram rei, repeliu
peremptoriamente aquele qualificativo, declarando: O meu reino não é deste
mundo. Apenas quis ser Mestre, e disso fez questão, advertindo os seus
discípulos que só a ele o considerassem como tal. Eu sou o vosso Mestre, dizia,
a ninguém mais concedais essa prerrogativa.
O papel que cabe ao mestre é educar. Entendemos por
educação o desenvolvimento dos poderes psíquicos ou anímicos que todos
possuímos em estado latente, como herança havida dAquele de quem todos nós
procedemos.
Pestalozzi define assim a matéria ora em apreço: Educação
é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades do indivíduo.
A instrução, portanto, faz parte da educação, por isso
que se refere aos meios e processos empregados no sentido de orientar o
indivíduo na aquisição de conhecimentos sobre determinada disciplina. A
instrução dirige-se conseguintemente à inteligência. E a educação sob seu
prisma intelectual, bem como a ginástica, os exercícios e esportes, criteriosa e
convenientemente orientados, resumem o que denominamos “educação física”, cuja
importância na esfera da higiene está perfeitamente comprovada.
Ao cultivarmos, porém, esta ou aquela faculdade do Espírito,
resta que não desdenhemos as demais. A monocultura é desaconselhada em todo e
qualquer terreno.
Em matéria educacional, são desastrosos os efeitos da
concentração unilateral de esforços visando determinada cultura em detrimento e
com menoscabo das demais.
Verifica-se, em geral, por parte dos pais, uma grande
preocupação — até certo ponto muito louvável — sobre a educação dos filhos no
que respeita à inteligência. Querem vê-los sobraçando um pergaminho, aureolados
por um título que os habilite ao exercício duma profissão distinta, a qual, não
só lhes assegure a independência econômica — o que importa, sem dúvida, em
justa aspiração — mas que proporcione, sobretudo, riqueza, fama e glória. O
futuro da prole é visto desse prisma utilitário e vaidoso que encerra, segundo
semelhante critério, o alfa e o ômega da vida.
Há evidentemente uma ilusão nesta maneira de ver e
proceder. Somos, nós os pais, vítimas do egoísmo, esse pecado original com que
todos nascemos e do qual dificilmente nos vamos desvencilhando. Orgulhamo-nos
com o diploma empunhado pelos herdeiros do nosso nome. Queremos vê-los alvo de
aplausos e louvores, seja, embora, na órbita dum intelectualismo vazio e
estéril. A nossa vaidade sente-se lisonjeada com isso, dando-nos a falsa
impressão de havermos cumprido perfeitamente o nosso dever com relação àqueles
que a Providência Divina nos confiou para que os orientássemos na sua caminhada
pela estrada da vida. Não cogitamos, senão perfunctoriamente, daquilo que
concerne às qualidades morais, à formação e consolidação do caráter, a direção,
em suma, que levará nossos filhos a criarem personalidade própria; não curamos
de fazê-los homens de bem, independentes e honestos, com aquele mesmo interesse
e afã que empregamos na ilustração do seu intelecto. Preocupamo-nos muito mais
com o cérebro do que com o coração. Fazemos tudo para enriquecê-los da
sabedoria livresca, deixando-os, às vezes, pobres de sentimentos.
Isto não quer dizer, apressamo-nos em declarar, que nós,
os pais, menosprezemos a virtude deixando de reconhecer o valor da educação
moral: absolutamente não. O que se dá é que geralmente se imagina que o ser
bom, justo e verdadeiro; o ser probo, sincero e amorável, não requer
aprendizagem. Supomos que tudo isso seja coisa tão natural e comezinha que não
constitui matéria de ensino! Imagina-se que essa parte da educação,
incontestavelmente a mais excelente, há de efetuar-se por si mesma, à revelia
de cuidados, dispensando o aparelhamento requerido para outras modalidades de
educação.
Tal o grande erro generalizado que é preciso corrigir. A
ideia de geração espontânea é quimérica. Do nada, nada se tira.
Tudo o que germina, germina duma semente. Tudo o que
evolve, evolve dum germe ou embrião. Não podemos esperar que aflorem na alma da
mocidade qualidades nobres e elevadas sem que, previamente, tenhamos feito ali
a sua sementeira.
Honestidade, espírito de justiça, noção do dever são como
as artes, e até mesmo os misteres mais simples, virtudes que se adquirem tal
como é adquirido o saber neste ou naquele ramo das especulações científicas.
Tudo depende de estudo, experiência e tirocínio. As ciências requerem
aprendizado.
O saber e a virtude são expressões daquela riqueza
inacessível aos estragos da traça, à pilhagem dos ladrões, e que a própria
morte não logrará arrebatar, por isso que representa o fruto do trabalho e do
esforço próprio e individual. Daí decorre a legitimidade e a inalienabilidade
da sua posse.
Os contemporâneos de Jesus, perplexos diante da sabedoria
e do poder revelados por ele, diziam: Como sabe este, letras sem haver
aprendido? Não somos hoje tão ingênuos como os daquela geração, supondo que
seja só este meio onde ora nós nos achamos, o único propício para aprender, e
que só este planetoide de categoria inferior constitui campo propício para o
Espírito atuar e agir desenvolvendo suas incalculáveis e maravilhosas
possibilidades. O erro geocêntrico que fazia da Terra o centro do Universo,
passou. Ninguém mais sustenta essa absurdidade. Podemos, pois, firmar este
postulado: aquele que revela conhecimento e virtudes, caráter reto e íntegro,
conquistou-os, aqui ou alhures, não importa onde, nem quando: constata-se o
fato.
O patrimônio científico, como o moral, é sempre resultado
da educação. A sementeira do bem e da verdade, do amor e da justiça, nunca se
perde. Sua germinação pode ser imediata ou remota, porém jamais falhará. A obra
da redenção humana é obra de educação. Jesus é o divino educador. Ele crê
piamente na eficiência dessa obra, à qual consagrou a sua vida. Sim, Jesus nos
deu a sua vida, não só no sentido do sacrifício cruento pela causa da nossa
redenção, como na acepção de votar-se, de dedicar-se continuamente ao
desempenho de tão ingente encargo. E de que maneira vem ele se desobrigando
dessa incumbência? Ensinando, influindo e atuando na alma humana, através dos
Espíritos de luz incorporados à Igreja triunfante que do Alto Jesus dirige. E o
que ensinou e continua ensinando o excelso Mestre? Que diga por nós a
eloquência do inolvidável tribuno sacro, o grande Antônio Vieira:
“Vindo a sabedoria divina em pessoa, e descendo do Céu à
Terra a ser Mestre dos homens, a nova cadeira que instituiu nesta grande
universidade do mundo, e a ciência que professou foi só ensinar a ser bom e
justo, santo, numa palavra, e nenhuma outra.
A retórica deixou-a aos Túlios e aos Demóstenes; a
filosofia, aos Platões e aos Aristóteles; as matemáticas, aos Ptolomeus e aos
Euclides; a médica, aos Apolos e aos Esculápios; a jurisprudência, aos Sólons e
aos Licurgos, e, para si, tomou só a ciência de salvar e tornar bons os
homens."
Eis aí a matéria, a disciplina que ainda não aprendemos.
Sem o seu conhecimento não solucionaremos os nossos problemas, tanto do
presente como do futuro. Duvidar, descrer dessa ciência e dessa arte que se
chama educação, arte e ciência que têm por fim transformar o indivíduo, é negar
a evidência da evolução, essa lei incoercível, fartamente comprovada em todos
os planos da Natureza, em todas as fases da Vida no seu curso infinito e
progressivo.
Fora da educação, dessa educação que se transmuda em cada
indivíduo em autoeducação, não há redenção possível. Tudo o mais que se tem
propalado neste terreno não passa de pura fantasia. Quando o homem nota e
percebe em si mesmo, no seu interior, o influxo da força renovadora da
evolução, começa a colaborar conscientemente com Deus na formação da sua própria
individualidade. Ruy Barbosa, num magistral discurso que pronunciou na Festa do
Trabalho, teve esta feliz inspiração: O Criador, disse ele, começa e a criatura
acaba a criação de si própria. A segunda criação, a do homem pelo homem,
assemelha, às vezes, em maravilhas, à mesma criação do homem pelo divino
Criador.
Realmente, é isso precisamente o que se dá. O homem é coautor
dessa entidade misteriosa que é ele mesmo. Nascemos de Deus, fonte inexaurível
da Vida, e renascemos todos os dias, em nós mesmos, através das transformações
por que passamos mediante a influência da autoeducação, cumprindo-se assim
aquele célebre imperativo de Jesus: Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é
perfeito.
A confusão ora reinante na sociedade resulta do descaso a
que se tem votado tão magna questão. Os males que flagelam a humanidade
contemporânea procedem da descrença, do cepticismo e da falta de confiança na
eficiência da educação moral. O mundo está em crise, crise de dignidade. Desta
se originam as outras. Não é de sábios que carecemos. Os problemas da inteligência
estão, por assim dizer, resolvidos conforme atesta o surto imenso de progresso
material atingido. Não obstante, o momento que atravessamos é dos mais
angustiosos. Os grandes financistas e economistas não solucionam o problema do
pão. Os estadistas de renome não resolvem satisfatoriamente o problema
político. Os sociólogos de alta envergadura mostram-se impotentes diante dos
problemas sociais tais como o pauperismo, o crime, o vício e a enfermidade. Por
quê? Certamente porque lhes falta a percepção íntima das grandes realidades da
Vida, dessa Vida que não começa no berço nem termina no túmulo; percepção que
só se alcança através do culto sincero da verdade; que só se aprende sondando
os arcanos da consciência e auscultando a sua voz; que só se logra no estudo e
na meditação da ciência da moral, que é a ciência do coração.
Não é de conhecimentos que precisam os homens da
atualidade, responsáveis pela situação aflitiva dos dias que correm: é de
sentimento!
Inteligência desenvolvida e culta, desacompanhada do
senso moral, constitui sério perigo para a sociedade. Os grandes males que
convulsionam o mundo não procedem dos analfabetos e dos ignaros, elementos mais
ou menos inconscientes que agem como instrumentos; que não dispõem de meios e
recursos para levarem a cabo as empresas maléficas de exploração, de
escravatura e de opressões. São as inteligências cultas e traquejadas, sem
moralidade e sem fé, divorciadas do verdadeiro sentimento religioso, que urdem
e executam os planas diabólicos de usurpação de direitos, de espoliações e de
tirania das consciências.
Todos sabem disso. É um fato que ninguém contesta. Mas,
não basta sabermos, é preciso agirmos. Conhecer a origem dos males que nos
afetam, não é tudo: é necessário atacá-los no seu reduto, desalojá-los para
vencê-los. Não nos iludamos, pois: devemos cuidar da educação do nosso coração
com o mesmo interesse e esmero que cuidamos do nosso cérebro. Se é vergonhosa a
ignorância intelectual, mais ainda é a ignorância moral. Nem todos podem ser
sábios, mas todos podem ser bons. A bondade também é força, e a mais poderosa e
fecunda de todas, porque é força que constrói, é força que edifica. É com ela
que removeremos os obstáculos e as pedras de tropeço do caminho da nossa evolução,
na conquista de todos os bens, na escalada às regiões luminosas onde a Vida é
eterna, e o amor, sem restrições nem intermitências, reina em todas as almas, oh!
vós que sois pais, lembrai-vos da vossa responsabilidade como mentores dos
vossos filhos, oh! vós, que sois preceptores e mestres, pesai bem o compromisso
que assumis no desempenho da tarefa a que vos dedicais. Pais e mestres, cerrai
fileiras dando as mãos uns aos outros, como legítimos expoentes do lar e da
escola, as duas colunas em que a sociedade se apoia, os dois templos augustos,
os dois santuários onde se exerce o verdadeiro sacerdócio.
“SURSUM CORDA!” (erguei os corações)
Elevemo-nos acima das vulgaridades da época. Desembaracemo-nos das
farandulagens
(túnica) do homem velho. Enverguemos a
túnica do homem novo, do homem do futuro. Renasçamos para o porvir que será o
resultado do labor presente. Sacudamos o pó da estrada percorrida. Abandonemos,
de vez, as superstições e as utopias com respeito à nossa redenção. Sem
educação porfiada, paciente e perseverante nada conseguiremos de positivo na
obra da emancipação espiritual. Não é com pílulas e xaropes que se resolve o
problema da saúde: é com higiene, no seu sentido amplo e lato. Não será com as
consolidadas paulistas ou minoras nem com as loterias que equilibraremos as
nossas finanças avariadas: há de ser com trabalho e economia. Não é com
maquilagens e artifícios semelhantes que alcançaremos beleza e relativo
prolongamento da mocidade: é obedecendo e respeitando a Natureza, cultivando bons
costumes, hábitos honestos e pensamentos puros. Não é, finalmente, esposando
crendices e condescendendo com preconceitos, rituais e cerimônias cuja essência
se desfaz ao sopro do raciocínio, que lograremos a nossa salvação: é pela obra
da autoeducação exercida com perseverança, sem esmorecimentos, com decidida
vontade de nos espiritualizarmos, de nos aperfeiçoarmos continuamente.
Façamos ponto, citando as palavras autorizadas de Léon
Denis sobre este momentoso assunto:
“Como a educação da alma é objeto da Vida, importa em
resumir seus preceitos em palavras: aumentar tudo quanto for intelectual e
elevado. Lutar, combater, sofrer pelo bem dos homens e dos mundos. Iniciar seus
semelhantes nos esplendores do verdadeiro e do belo. Amar a Verdade e a Justiça,
praticar para com todos a caridade, a benevolência — tal o segredo da
felicidade presente e futura, tal o Dever, tal é a fé que Cristo legou à
Humanidade”.
O problema do Brasil, disse o saudoso e humanitário
facultativo Dr. Miguel Couto, é um só: Educação.
Parodiando o ilustre cientista patrício, diremos nós:
Esse problema não é só do Brasil, é da Humanidade. Sendo o de cada um de nós, é
o problema de todos, é o problema universal, por isso que é mediante a
autoeducação que se processa a evolução dos seres livres, conscientes e
racionais.
Pedro
de Camargo – Livro: O mestre na educação – Capítulo 2