Existe no
folclore de várias nações do mundo antiga lenda que exprime comumente a verdade
de nossa vida.
Certo homem
que pervagava, infeliz, padecendo intempérie e solidão, encontrou valiosa pedra
em que se refugiou, encantado.
À maneira de
concha em posição vertical, o minúsculo penhasco protegia-o contra as bagas de
chuva, ofertando-lhe, ao mesmo tempo, o colo rijo sobre o qual vasta porção de
folhas secas lhe propiciava adequado ninho.
O atormentado
viajor agarrou-se, contente, a semelhante habitação e, longe de consagrar-se ao
trabalho honesto para renová-la e engrandecê-la, confiou-se à pedintaria.
Além,
jornadeavam companheiros de Humanidade em provações mais aflitivas que as dele,
contudo, acreditava-se o mais infortunado de todos os seres e preferia
examiná-los através da inveja e da irritação.
Adiante,
sorria a gleba luxuriosa, convidando-o à sementeira produtiva, no entanto,
ocultava as mãos nos andrajos que lhe cobriam a pele, alongando-as simplesmente
para esmolar.
Na imensidão
do céu, cada manhã, surgia o Sol, como glorioso ministro da Luz Divina,
exortando-o ao labor digno, mas o desditoso admitia-se incapacitado e enfermo
de tal sorte, que não se atrevia a deixar a pedra protetora.
Ouvia de
lábios benevolentes incessantes apelos à própria renovação, a fim de
exercitar-se na prática do bem, a favor de si mesmo, mas, extremamente
cristalizado na ociosidade e no desalento, replicava com evasivas, definindo-se
como sofredor irremediável, vomitando queixas ou disparando condenações.
Não podia
trabalhar por faltarem-lhe recursos, não estudava por fugir-lhe o dinheiro, não
ajudava de modo algum a ninguém por ser pobre até à miserabilidade completa,
dizia entre sucessivas lamentações.
Rogava pão,
suplicava remédio, mendigava socorro de todo gênero, acusando o destino e
insultando o próximo…
Por mais de
meio século demorou-se na pedra muda e hospitaleira, até que a morte lhe
visitou os farrapos, arrebatando-o da carne às surpresas do seu reino.
Foi então que
mãos operosas removeram o enorme calhau para que a higiene retornasse à
paisagem, encontrando sob a pequena rocha granítica um imenso tesouro de moedas
e joias, suscetível de assegurar a evolução e o conforto de grande comunidade.
O devoto da
inércia experimentara desolação e necessidade, por toda a existência, sobre um
leito de inimaginável riqueza.
Assim somos
quase todos nós, durante a reencarnação.
Almas famintas
de progresso e acrisolamento, colamo-nos ao grabato físico para a aquisição de
conhecimento e virtude, experiência e sublimação, mas, muito longe de entender
a nossa divina oportunidade, desertamos da luta e viajamos no mundo à feição de
mendigos caprichosos e descontentes, albergando amarguras e lágrimas, no culto
disfarçado da rebeldia.
E, olvidando
nossos braços que podem agir para o bem, estendemo-los não para dar e sim para
recolher, pedindo, suplicando, retendo, reclamando e exigindo, até que chega o
momento em que a morte nos faz conhecer o tesouro que desprezamos.
*
Se a lenda que
repetimos pode merecer-te atenção, aproveita o aconchego do corpo a que te
acolhes, entregando-te à construção do bem por amor ao bem, na certeza de que a
tua passagem na Terra vale por generosa bolsa de estudo, e de que amanhã
regressarás para o ajuste de contas em tua Esfera de origem.
Irmão X (Humberto
de Campos) / Chico Xavier
Livro: Contos e apólogos
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