sábado, 4 de setembro de 2021

Kardec e o trabalho em equipe

 


Se um grupo quiser estar em condições de ordem, de tranquilidade, de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraterno. Todo grupo ou sociedade que se formar sem ter por base a caridade efetiva não terá vitalidade; enquanto que os que se formarem segundo o verdadeiro espírito da doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família que, não podendo viver todos sob o mesmo teto, moram em lugares diversos.

Allan Kardec Revista Espírita de 1862

 

Aprender a trabalhar em equipe é um requisito fundamental para a nossa socialização, pois na vida de relação, de modo geral, somos chamados a conviver com pessoas diferentes, das quais dependemos e com as quais precisamos colaborar.

É um grande erro acreditar que podemos fazer tudo sozinho, sem o auxílio dos demais. É também um equívoco acreditar que o trabalho só sairá bom se formos nós os executores. A autossuficiência é uma das grandes ilusões contra a qual precisamos lutar. Nenhum de nós sabe e pode tudo. Nosso saber e poder são relativos. Todos estamos na condição de aprendizes, em regime de interdependência, destinados a aprender uns com os outros o que ignoramos.

Em torno desta questão, Allan Kardec faz uma advertência que poderíamos considerar como uma constatação de sua parte, tendo em vista que não deixamos de ser imperfeitos pelo simples fato de abraçarmos os princípios espíritas:

Um equívoco muito frequente entre os novos adeptos é o de se julgarem mestres após alguns meses de estudo. Essa pretensão de não mais necessitar de conselhos, e de se julgar acima de todos, é uma prova de insuficiência, pois foge a um dos primeiros preceitos da doutrina: a modéstia e a humildade.

Apenas ousaríamos acrescentar que não são apenas os novos adeptos, muitas vezes, os mais antigos, infelizmente, também pensam assim. Quando não se isolam, fazendo um “Espiritismo a sua maneira” e agregando pessoas em torno do seu carisma, permanecem no movimento fiscalizando os outros e discordando sistematicamente de ideias que não sejam as suas. Creditam-se a condição de “crivos” das iniciativas que se dão no meio espírita.

Diferentemente dessa postura, quando procuramos atuar em equipe, muitas vezes somos chamados a colaborar de maneira anônima, aceitando a liderança de companheiros que estão investidos dessa responsabilidade. Em outras ocasiões, também somos chamados a assumir o comando dos esforços e de uma forma ou de outra, sempre deveremos acatar as decisões que decorram do consenso. Mesmo porque, nenhum de nós é indispensável, embora todos sejamos chamados a colaborar nesse ou naquele setor. Nem mesmo Allan Kardec era indispensável, do contrário o Espírito de Verdade não teria lhe dito:

Não te esqueças de que podes triunfar, como podes falir; neste último caso, um outro te substituirá, pois, os desígnios de Deus não se repousam sobre a cabeça de um homem.

Apesar desta possibilidade, era ele quem reunia as melhores condições para empreender a tarefa de codificar o Espiritismo, embora se encontrassem também reencarnados espíritos prontos a levar adiante os desígnios de Jesus. Essas mesmas almas, como Léon Denis, Gabriel Delanne e outros se encarregaram de desenvolver e difundir as ideias espíritas. Não estavam interessados no comando de nada, queriam antes somar esforços e fazer o melhor que pudessem.

Allan Kardec não apenas valorizava o trabalho em equipe, como também fazia parte de uma, a equipe do Espírito de Verdade, que atuava em conjunto, desdobrando-se na esfera espiritual e material.

O próprio Jesus, quando encarnado entre nós, enfatizou a importância do trabalho em equipe, convocando doze discípulos para o trabalho de evangelização das criaturas.

As obras de André Luiz, em particular, narram a organização, a disciplina, os princípios que regem Nosso Lar e algumas outras colônias espirituais, demonstrando que ninguém, em lugar algum, opera sozinho na obra do bem ou do mal. Mesmo os espíritos inclinados ao mal atuam em conjunto, com tarefas previamente planejadas e posteriormente avaliadas.

Na obra Paulo e Estêvão, os relatos do Espírito Emmanuel informam que na constituição da Casa do Caminho e nos primeiros núcleos do Cristianismo primitivo, havia sempre mais de um companheiro se revezando com outro na execução das tarefas. O sentido da ação em equipe, proclamado de forma silenciosa por Jesus, tomou-se uma importante diretriz na organização e sobrevivência destes primeiros núcleos.

Hoje em dia, para que os centros espíritas possam continuar fieis a Jesus e a Kardec, faz-se necessário que as equipes estejam abertas para se renovarem. Renovarem-se com novas ideias e novos companheiros, sem que ninguém retenha, indefinidamente, o comando de nada. Mas que essa renovação se processe com critérios e não estouvadamente. Que ocorra sem apegos e melindres.

Sabemos que a principal renovação de que temos necessidade é a do nosso mundo interior, pois sem essa, todas as outras ficarão comprometidas. Mas podemos atualizar as técnicas, estudar e implantar novos modelos de gestão, rever a metodologia dos estudos, convidar expositores de outras casas, promover encontros, criarmos grupos para estudar determinada obra, participarmos de encontros de preparação, realizados pelos órgãos de unificação ou aqueles que se dão em determinados centros, analisarmos outras experiências, a fim de que a nossa equipe cresça e o trabalho prossiga com qualidade.

As diretrizes gerais, para esse empreendimento, estão sinalizadas e ao mesmo tempo justificadas na codificação, particularmente em Obras Póstumas; de Allan Kardec:

(...) a direção, de individual que precisou ser no início, deve tornar-se coletiva; primeiro, porque chega um momento em que seu peso excede as forças de um homem, e, em segundo lugar, porque há mais garantia de estabilidade numa reunião de indivíduos, na qual cada um representa sua própria voz, e que nada podem sem o concurso uns dos outros, do que um único, que pode abusar de sua autoridade e querer fazer que predominem suas ideias pessoais.

Para o público dos adeptos, a aprovação ou a desaprovação, o consentimento ou a recusa, as decisões, numa palavra, de um corpo constituído, representando uma opinião coletiva, terão, forçosamente, uma autoridade que jamais teriam, se emanassem de um único indivíduo, que apenas representa uma opinião pessoal. Com frequência rejeita-se a opinião de uma única pessoa, acredita-se que se humilharia por ter que se submeter, enquanto que a de vários é aceita sem dificuldade. (Constituição do Espiritismo: ‘Comissão Central’.)

(...) a ninguém é dado possuir a luz universal, nem nada fazer com perfeição; como pode um homem iludir-se acerca de suas próprias ideias; enquanto outros podem ver o que ele não pode; (Constituição do Espiritismo: ‘Os Estatutos Constitutivos*.)

Há, igualmente, num ser coletivo, uma garantia de estabilidade que não existe quando tudo repousa sobre uma única cabeça: se o indivíduo for impedido por uma causa qualquer, tudo pode ficar entravado. Um ser coletivo, ao contrário, perpetua-se incessantemente; se perder um ou vários de seus membros, nada periclita. (Constituição do Espiritismo: ‘Comissão Central’).

Essas colocações valem para a direção de um órgão de unificação, de um centro espírita, de um departamento existente no centro ou mesmo para uma equipe transitória, que se constitua apenas para a realização de um evento.

Precisamos deixar de reclamar da ausência de colaboradores e começar a nos perguntar:

1. Como a nossa equipe atua?

2. Nela predomina a sinceridade e todos aprendem uns com os outros?

3. Como lidamos com as ideias que são contrárias às nossas?

4. Procuramos conhecer a maneira como as outras instituições espíritas se organizam?

5. Temos nos capacitado para melhor execução da tarefa que abraçamos?

6. Nossa equipe tem se renovado ao longo dos anos com novos irmãos?

7. Nossa equipe planeja, avalia e se avalia?

Mais do que apenas fazer a nossa parte, precisamos analisar se colaboramos para que os outros façam a parte que lhes compete. Não com intromissões que comprometam a autonomia dos companheiros e impeçam que os erros lhes ensinem o que precisam saber, mas com estímulos, sugestões, colocando-nos à disposição para auxiliá-los, tanto quanto esperamos o concurso alheio em nosso próprio auxílio.

Uma equipe formada por espíritas deve ser mais que uma equipe, deve ser uma verdadeira família, onde o fracasso de um atinge a todos e onde o êxito de alguém é o sucesso de todos.

Cezar Braga Said – Livro: Centro Espírita – Uma visão construtiva

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