21 de setembro de 1861. — (Em
minha casa; médium: Sr. d’A…)
A pedido do Sr. Lachâtre, então residente em
Barcelona, eu lhe enviara certa quantidade de O Livro dos Espíritos, de O Livro
dos Médiuns, das coleções da Revista Espírita, além de diversas obras e
brochuras espíritas perfazendo um total de cerca de 300 volumes. A expedição da
encomenda fora regularmente feita pelo seu correspondente em Paris, num caixão
que continha outras mercadorias e sem a menor infração da legalidade. À chegada
dos livros, fizeram que o destinatário pagasse os direitos de entrada, mas, antes
de os entregarem, houve que ser entregue uma relação das obras ao bispo, pois,
naquele país, a polícia de livraria competia à autoridade eclesiástica. O bispo
se achava então em Madri. Ao regressar, tomando conhecimento da relação dos
livros, ordenou que eles fossem apreendidos e queimados em praça pública pela
mão do carrasco. A execução da sentença foi marcada para 9 de outubro de 1861.
Se se houvesse tentado introduzir aquelas obras como
contrabando, a autoridade espanhola teria o direito de dispor delas à sua
vontade; mas, desde que absolutamente não havia fraude, nem surpresa, como o
provava o pagamento espontâneo dos direitos, fora de rigorosa justiça que se
ordenasse a reexportação dos volumes, uma vez que não convinha se lhes
admitisse a entrada. Ficaram, porém, sem resultado as reclamações apresentadas
por intermédio do Cônsul francês em Barcelona. O Sr. Lachâtre me perguntou se
valeria a pena recorrer à autoridade superior. Opinei por que se deixasse
consumar o ato arbitrário; entendi, porém, acertado ouvir a opinião do meu guia
espiritual.
Pergunta. (à Verdade) — Não ignoras, sem dúvida, o que
acaba de passar-se em Barcelona, com algumas obras espíritas. Quererás ter a
bondade de dizer-me se convirá prosseguir na reclamação para restituição delas?
Resposta. — Por direito, podes reclamá-las e
conseguirias que te fossem restituídas, se te dirigisses ao Ministro de
Estrangeiros da França. Mas, ao meu parecer, desse auto de fé resultará maior
bem do que o que adviria da leitura de alguns volumes. A perda material nada é,
a par da repercussão que semelhante fato produzirá em favor da Doutrina. Deves
compreender quanto uma perseguição tão ridícula, quanto atrasada, poderá fazer
a bem do progresso do Espiritismo na Espanha. A queima dos livros determinará
uma grande expansão das ideias espíritas e uma procura febricitante das obras
dessa doutrina. As ideias se disseminarão lá com maior rapidez e as obras serão
procuradas com maior avidez, desde que as tenham queimado. Tudo vai bem.
Obras póstumas — 2ª Parte.
***
"Assistiram ao Auto de Fé: um sacerdote com os
hábitos sacerdotais, empunhando a cruz numa mão e uma tocha na outra; um
escrivão encarregado de redigir a ata do Auto de Fé; um ajudante do escrivão;
um empregado superior da administração das alfândegas; três serventes da
alfândega, encarregados de alimentar o fogo; um agente da alfândega
representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo.”
"Uma multidão incalculável enchia as calçadas e
cobria a imensa esplanada onde se erguia a fogueira. Quando o fogo consumiu os
trezentos volumes ou brochuras espíritas, o sacerdote e seus ajudantes se
retiraram, cobertos pelas vaias e maldições de numerosos assistentes, que
gritavam: Abaixo a Inquisição! Em seguida, várias pessoas se aproximaram da
fogueira e recolheram as suas cinzas."
Revista Espírita -
nov. de 1861: 'Resquícios da Idade Média'
***
Na Revista Espírita daquele mesmo mês, Kardec publicou
duas comunicações espirituais, dentre tantas, recebidas na Sociedade Parisiense
de Estudos Espíritas; a primeira foi assinada pelo Espírito Dollet, que havia
sido um livreiro do século XVI:
"O amor da verdade deve sempre fazer-se ouvir:
ela rompe o véu e brilha ao mesmo tempo por toda parte. O Espiritismo tornou-se
conhecido de todos; logo será julgado e posto em prática. Quanto mais
perseguições houver, tanto mais depressa esta sublime doutrina alcançará o
apogeu. Seus mais cruéis inimigos, os inimigos do Cristo e do progresso, atuam
de maneira que ninguém possa ignorar a permissão de Deus, dada àqueles que deixaram
esta Terra de exílio, de voltarem aos que amaram. Ficai certos: as fogueiras
apagar-se-ão por si mesmas; e se os livros são lançados ao fogo, o pensamento
imortal lhes sobrevive."
Dollet
***
“Graças a esse zelo imprudente, todo o mundo na
Espanha vai ouvir falar do Espiritismo e quererá saber o que é ele; é tudo
quanto desejamos. Podem queimar-se livros, mas não se queimam ideias; as chamas
das fogueiras as superexcitam, em vez de abafar. Aliás, as ideias estão no ar,
e não há Pireneus bastante altos para as deter. Quando uma ideia é grande e
generosa encontra milhares de pulmões prestes a aspirá-la.”
Allan Kardec -
Revista Espírita, setembro de 1864 - “O novo bispo de Barcelona”
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Referências: Obras póstumas, Revista Espírita nov/1861, cartilha Auto de fé de Barcelona (UEM)
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