Desde a promessa de Jesus, no Evangelho de João, até a vinda do
Consolador, podemos ver, através da História, o trabalho bimilenar de
preparação que se realizou, para o seu cumprimento. Bastaria isso para nos
mostrar a importância daquele momento em que o Espírito da Verdade se
identificou para o Prof. Rivail. Após dois mil anos de fermentação histórica,
de doloroso amadurecimento do homem, de criminosas deformações da mensagem
cristã, afinal se tornava possível o restabelecimento dos ensinos fundamentais
em sua pureza primitiva. De um lado, o
Espírito da Verdade se apresentava aos homens, à frente de elevadas entidades
espirituais, que voltavam à terra para completar a obra do Cristo; de outro
lado, Allan Kardec se colocava a postos, à frente de criaturas
espiritualizadas, dispostas a colaborarem na imensa tarefa. O Céu e a Terra se
encontravam e se davam as mãos. A Falange do Consolador não era apenas uma
graça que descia do alto, mas também uma equipe de trabalhadores humanos, que
se elevava para recebê-la.
A própria intimidade, logo
estabelecida entre o Espírito da Verdade e Allan Kardec, as relações afetivas
que se desenvolveram entre ambos, prolongando-se na consolidação de uma profunda
confiança espiritual, através de quinze anos de intensa atividade, é suficiente
para mostrar-nos quanto se achavam integrados no mesmo esforço, para a
consecução do mesmo objetivo. Se o Espírito da Verdade comandava, por assim
dizer, as atividades no plano espiritual, Allan Kardec fazia o mesmo no plano
material. A Falange do Consolador se apresentava, portanto, como aquele grande
exército espiritual, de que nos fala Conan Doyle, que tinha à frente uma turma
de batedores. Desta vez, porém, os batedores estavam encarnados, constituíam a
ponta de lança, a vanguarda terrena. E seu chefe, seu comandante, seu
orientador, era o Prof. Rivail, um homem de cinquenta anos de idade, largamente
experimentado, duramente provado, intensamente preparado para a grande missão.
Somente ele, com o discernimento, a serenidade, a acuidade espiritual, o
desprendimento, a isenção de ânimo, a coragem e a profunda cultura que o
caracterizavam, podia colocar-se à frente da equipe que enfrentaria o “velho
mundo”, eriçado de preconceitos e ambições, para fazer nascer entre os homens a
alvorada de um mundo novo”, irradiante de compreensão e de amor.
As pessoas que, dotadas de
uma certa cultura, entusiasmam-se hoje com as possibilidades da época, e
pretendem reformar a obra de Kardec, refundi-la, ou mesmo substituí-la por suas
elucubrações pessoais ou por instruções particulares que recebem de espíritos
pseudossábios, deviam meditar um pouco sobre a grandeza daquele momento em que
o Espírito da Verdade se revelou ao Prof. Rivail. O que então se cumpria era
uma promessa do Cristo, através de todo um imenso processo de amadurecimento
espiritual do homem terreno. Kardec era apenas o instrumento necessário à
elaboração do Terceiro Testamento, da codificação da Terceira Revelação, e nunca,
jamais, como ele mesmo acentuou, um Revelador, um Profeta, um Messias, ou ainda
um Filósofo, que por si mesmo elaborasse um novo sistema de pensamento. De
outro lado, o Espírito da Verdade não se dizia o detentor exclusivo da Verdade,
nem o Revelador Espiritual, mas o orientador dos trabalhos de toda a Falange do
Consolador.
Ao lado do Espírito da
Verdade encontramos toda a plêiade de entidades espirituais que subscrevem a
mensagem publicada nos “Prolegômenos” de “O Livro dos Espíritos”, e as demais,
que aparecem como autoras das numerosas mensagens transcritas nesse livro, bem
como no “Evangelho Segundo o Espiritismo” e nas outras obras da codificação.
Além dessas entidades, as que não transmitiram mensagens diretas, mas
auxiliaram o advento do Espiritismo, em todo o mundo, através de operações
invisíveis, mas tão importantes, ou mais ainda, do que as visíveis e
ostensivas. Ao lado de Allan Kardec, encontramos os seus colaboradores, desde
os que foram incumbidos de despertar-lhe a atenção para os fenômenos, e a que
já aludimos várias vezes, até os médiuns que mais diretamente o serviram, como
as meninas Baudin, a Srta. Japhet, a Srta. Ermance Dufaux, Camille Flamarion,
Víctorien Sardou, Tjedeman-Manthêse, Henri Sausse, o editor Didier, Gabriel
Delanne, os companheiros da Sociedade Espírita de Paris, aquela que foi sua
companheira de vida e de lutas, Amelie Boudet, e tantos outros, inclusive os
que, fora de França, em todas as partes do mundo, se dispuseram a auxiliá-lo na
grande batalha.
Nem todos os componentes da
Falange do Consolador, na sua vanguarda encarnada, exerceram funções de
destaque. Entretanto, quantos trabalhadores humildes, que passaram
despercebidos aos olhos humanos, brilham felizes nas constelações espirituais.
À maneira do que se deu com a divulgação do Cristianismo, conhecemos um grupo
de espíritos que desempenharam atividades evidentes e ocuparam posições de
grande responsabilidade no trabalho missionário, mas desconhecemos milhares de
criaturas que, por toda parte, executaram tarefas de importância fundamental,
na obscuridade e na humildade. Da mesma maneira, não conhecemos a extensão dos
trabalhos espirituais, desenvolvidos no espaço, e ignoramos os nomes, até
mesmo, dos principais Espíritos a serviço da causa. Mas que importam os nomes,
se cada qual, no espaço e na terra, teve a sua recompensa na própria
oportunidade de trabalho?
O importante é procurarmos
compreender o que foi esse momento histórico e espiritual do advento do
Consolador. A publicação de “O Livro dos Espíritos”, em primeira edição, a 18
de abril de 1857, em Paris, marca o primeiro impacto da Doutrina Espírita no
século. Não é ainda o livro definitivo, em sua forma acabada, que só virá a
tomar com a segunda edição. Mas é o primeiro clarão da grande alvorada. Depois,
virão “O Livro dos Médiuns”, em 1861, desenvolvendo e completando o livrinho
“Instruções Práticas”; “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, em 1864, tendo
nessa primeira edição o título de “Imitação do Evangelho Segundo o
Espiritismo”; “O Céu e o Inferno”, em 1865; “A Gênese, Milagres e as Predições,
Segundo o Espiritismo”, em 1888. Com esse livro, concluía a Codificação. No ano
seguinte, a 31 de março, Allan Kardec deixaria o mundo, encerrando sua missão.
Mas encerrando-a apenas no tocante àquela existência, pois o seu trabalho se
prolongaria pelos séculos, e os próprios Espíritos o advertiram da necessidade
de uma nova encarnação, para prosseguimento da obra iniciada.
José Herculano Pires – Livro O espírito e o
Tempo
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