sábado, 10 de dezembro de 2022

O Mestre e o discípulo

 


Discípulo: Senhor, sinto-me desalentado diante das iniquidades do século. Parece que jamais os homens se mostraram tão rebeldes à razão e ao sentimento, como nestes tempos.

Mestre: Desalentado? Por quê? Duvidas, acaso, da segurança do Universo? Desalento é fraqueza, é falta de fé.

Discípulo: Quero ter fé, Senhor, mas vejo a cada passo surgirem tais impedimentos e tais embaraços à vinda do reino de Deus, que o desânimo me invade a alma.

Mestre: És mais carnal que espiritual. A precipitação é peculiar ao homem. Quando o domínio do Espírito se estabelece, o coração se acalma, serenam as paixões e a fé não vacila mais. A pressa é, não só inimiga da perfeição, como também da razão. Os atrabiliários e insofridos jamais arrazoam com acerto. O reino de Deus há de vir e está vindo a cada instante, para aqueles que o querem e sabem querê-lo. A vontade de Deus há de ser feita na Terra, como já o é nos céus. Espera e confia, vigia e ora. Não deves medir o curso das ideias como medes o curso da tua existência: esta se escoa através de alguns dias fugazes, enquanto que aquelas se agitam no transcorrer dos séculos e dos milênios.

Discípulo: Bem sei, Senhor, que deve ser como dizes. Eu supunha, no entanto, que a obra da evolução caminhasse sem intermitências; por isso queria vê-la em marcha ascensional, triunfando dos óbices e tropeços com que os homens, em sua ignorância e maldade, costumam juncar-lhe o caminho. Esta vitória do mal sobre o bem, da opressão sobre a liberdade me amargura e angustia. Tal vitória é certamente efêmera; contudo, é um entrave à evolução, é uma pedra de tropeço que, não se sabe por quanto tempo, conservará o carro do progresso entravado.

Mestre: Enganas-te. A evolução é lei imutável. Não há forças, não há potências conjugadas capazes de a impedir, nem mesmo embaraçar-lhe a ação e a eficiência. Nem um só instante a obra da evolução sofreu interrupções na eternidade do tempo e no infinito do espaço.

Discípulo: Como explicas, então, Senhor, a iniquidade, a tirania, a mentira e a corrupção, que ora imperam na sociedade terrena? O mundo estará evolutindo sob o influxo de tais elementos?

Mestre: Erras nos teus juízos, pelos motivos já expostos. Ignoras que é precisamente sofrendo iniquidades e suportando opressão que o homem vai compreender o valor da justiça e da liberdade? Não sabes que só a experiência convence os Espíritos rebeldes? Não vês como os doentes amam a saúde, como os oprimidos sonham com a liberdade e os perseguidos suspiram pela justiça? Julgas que esta geração adúltera e incrédula se converta apenas com os testemunhos do céu e com as palavras de amor expressas no Evangelho do reino? Supões que todos se amoldam à graça sem o aguilhão da lei? Em mundos como este, é preciso privar os seus habitantes de certos bens, para que se inteirem do valor e importância desses mesmos bens. Suportando injustiças e afrontas, vendo seus direitos postergados pelo despotismo, os homens aprenderão a venerar a justiça, subordinando-lhe os interesses temporais e tornando-se capazes de renúncias e de sacrifícios em prol de seu advento.

Discípulo: Começo a ver luz onde tudo se me afigurava escuro. Todavia, Senhor, seja-me permitido ainda algumas perguntas.

Mestre: Pede e receberás; bate e se te abrirá, busca e acharás.

Discípulo: De tal modo, a obra da redenção jamais se interrompe e, mesmo através de todas as anomalias, ela se realiza fatalmente?

Mestre: Decerto: se assim não fora, a Suprema Vontade não se cumpriria e Deus deixaria de ser Deus. A evolução, no que respeita ao Espírito, opera-se pela educação dos seus poderes e faculdades latentes. Ora, todas as vicissitudes, todas as lutas, todos os sofrimentos, em suma, contribuem para incentivar o desenvolvimento das possibilidades anímicas. Assim, pois, quer o Espírito goze os salutares efeitos da prática do bem e da conduta reta; quer suporte as amargas consequências do mal cometido, da negligência no cumprimento do dever, da corrupção a que se entregue, ele estará educando-se, e, portanto, evolvendo. Pelo amor e pela dor, sob a doçura da graça, ou sob a inflexibilidade da lei — caminhará, sempre, em demanda dos altos destinos que lhe estão reservados.

Discípulo: Falas na santa obra da educação. Feriste, Senhor, o alvo, o eixo em torno do qual giram as minhas lucubrações mais acuradas. Compreendo muito bem a importância da educação. Vejo claramente que só a religião da educação, tal como ensinaste e exemplificaste, pode salvar a Humanidade. Mas, como vingará esta fé, se os dirigentes, os dominadores de consciências, aqueles, enfim, que têm ascendência sobre o povo são os primeiros a deseducá-lo, a corrompê-lo, premiando os caracteres fracos e venais que se sujeitam aos seus caprichos e perseguindo os poucos que, capazes de sofrer pela justiça e pela verdade, pelo direito e pela liberdade, resistem ao despotismo do século? Tal processo de corrupção não invalidará, pelo menos por tempo indeterminado, a eficiência da educação?

Mestre: Nada há encoberto que não seja descoberto, nem algo oculto que se não venha a saber. Falas em processo de corrupção que poderá deseducar o povo. Ignoras, então, que o Espírito educado jamais se deseduca? A lei é avançar e não retroagir. Os que se submetem às influências dos maus e dos prevaricadores, deixando-se corromper por falaciosas promessas, são Espíritos fracos, egoístas e amigos da ociosidade, da vida cômoda e fácil. São os tais que entram pela porta larga e transitam pela estrada espaçosa e ampla que conduz à perdição. É possível que tais indivíduos se abastardem ao extremo, levados pelos corruptores de consciências; mas, o dia do despertar há de chegar. Tanto maior será a reação quanto mais o Espírito se tenha degradado. E, às vezes, é o único meio de corrigir os cínicos, os hipócritas e os indolentes.

Discípulo: E os empreiteiros da corrupção, até quando continuarão entregues a tão abjeta tarefa?

Mestre: Eles são instrumentos inconscientes de punição. Os homens castigam-se mutuamente. São semelhantes aos seixos que rolam no fundo dos rios, arrastados pela corrente das águas. No começo, eram ásperos e arestosos, mas, à força de se entrechocarem e se friccionarem, acabam alisando-se, tornando-se polidos e brunidos, como trabalhados por mão de artista. Cumpre notar ainda que a cada um será dado segundo as suas obras. O déspota de hoje será a vítima de amanhã — pois quem com ferro fere com ferro será ferido.

Discípulo: Estás com a razão, Senhor. És, de fato, o caminho, a verdade e a vida. És a luz do mundo.

Mestre: Lembra-te do que eu disse: Vós sois o sal da terra e a luz do mundo. Não se acende uma candeia para colocá-la debaixo dos móveis, mas no velador, para que a todos ilumine. Portanto, não basta que me consideres luz, é preciso que te tornes luz.

Discípulo: Cada vez mais me arrebatas com a tua luz, aclarando os problemas da vida, tornando acessíveis a todas as inteligências os mais complexos problemas sociais.

Mestre: Confessas que tens entendido o que eu disse? Bem-aventurado serás, se puseres em prática os meus ensinamentos. Não te esqueças: se os praticares. Trata, pois, de descobrir o reino de Deus em ti mesmo, no teu coração; depois, procura implantá-lo em teu lar; depois, em tua rua; depois, no mundo. Não tenhas pressa. Confia e espera, vigia e ora. Não penses em fazer o mais, antes de fazer o menos. No Universo, tudo é ordem e harmonia.

Pedro de Camargo – Livro: O Mestre na Educação

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