Discípulo: Senhor, sinto-me desalentado diante das iniquidades do século.
Parece que jamais os homens se mostraram tão rebeldes à razão e ao sentimento,
como nestes tempos.
Mestre: Desalentado? Por quê? Duvidas, acaso, da segurança do Universo?
Desalento é fraqueza, é falta de fé.
Discípulo: Quero ter fé, Senhor, mas vejo a cada passo surgirem tais
impedimentos e tais embaraços à vinda do reino de Deus, que o desânimo me invade
a alma.
Mestre: És mais carnal que espiritual. A precipitação é peculiar ao
homem. Quando o domínio do Espírito se estabelece, o coração se acalma, serenam
as paixões e a fé não vacila mais. A pressa é, não só inimiga da perfeição,
como também da razão. Os atrabiliários e insofridos jamais arrazoam com acerto.
O reino de Deus há de vir e está vindo a cada instante, para aqueles que o
querem e sabem querê-lo. A vontade de Deus há de ser feita na Terra, como já o
é nos céus. Espera e confia, vigia e ora. Não deves medir o curso das ideias
como medes o curso da tua existência: esta se escoa através de alguns dias
fugazes, enquanto que aquelas se agitam no transcorrer dos séculos e dos
milênios.
Discípulo: Bem sei, Senhor, que deve ser como dizes. Eu supunha, no
entanto, que a obra da evolução caminhasse sem intermitências; por isso queria
vê-la em marcha ascensional, triunfando dos óbices e tropeços com que os
homens, em sua ignorância e maldade, costumam juncar-lhe o caminho. Esta
vitória do mal sobre o bem, da opressão sobre a liberdade me amargura e
angustia. Tal vitória é certamente efêmera; contudo, é um entrave à evolução, é
uma pedra de tropeço que, não se sabe por quanto tempo, conservará o carro do
progresso entravado.
Mestre: Enganas-te. A evolução é lei imutável. Não há forças, não há
potências conjugadas capazes de a impedir, nem mesmo embaraçar-lhe a ação e a
eficiência. Nem um só instante a obra da evolução sofreu interrupções na
eternidade do tempo e no infinito do espaço.
Discípulo: Como explicas, então, Senhor, a iniquidade, a tirania, a
mentira e a corrupção, que ora imperam na sociedade terrena? O mundo estará
evolutindo sob o influxo de tais elementos?
Mestre: Erras nos teus juízos, pelos motivos já expostos. Ignoras que é
precisamente sofrendo iniquidades e suportando opressão que o homem vai
compreender o valor da justiça e da liberdade? Não sabes que só a experiência
convence os Espíritos rebeldes? Não vês como os doentes amam a saúde, como os
oprimidos sonham com a liberdade e os perseguidos suspiram pela justiça? Julgas
que esta geração adúltera e incrédula se converta apenas com os testemunhos do
céu e com as palavras de amor expressas no Evangelho do reino? Supões que todos
se amoldam à graça sem o aguilhão da lei? Em mundos como este, é preciso privar
os seus habitantes de certos bens, para que se inteirem do valor e importância
desses mesmos bens. Suportando injustiças e afrontas, vendo seus direitos
postergados pelo despotismo, os homens aprenderão a venerar a justiça,
subordinando-lhe os interesses temporais e tornando-se capazes de renúncias e
de sacrifícios em prol de seu advento.
Discípulo: Começo a ver luz onde tudo se me afigurava escuro. Todavia,
Senhor, seja-me permitido ainda algumas perguntas.
Mestre: Pede e receberás; bate e se te abrirá, busca e acharás.
Discípulo: De tal modo, a obra da redenção jamais se interrompe e, mesmo
através de todas as anomalias, ela se realiza fatalmente?
Mestre: Decerto: se assim não fora, a Suprema Vontade não se cumpriria
e Deus deixaria de ser Deus. A evolução, no que respeita ao Espírito, opera-se
pela educação dos seus poderes e faculdades latentes. Ora, todas as
vicissitudes, todas as lutas, todos os sofrimentos, em suma, contribuem para
incentivar o desenvolvimento das possibilidades anímicas. Assim, pois, quer o
Espírito goze os salutares efeitos da prática do bem e da conduta reta; quer
suporte as amargas consequências do mal cometido, da negligência no cumprimento
do dever, da corrupção a que se entregue, ele estará educando-se, e, portanto,
evolvendo. Pelo amor e pela dor, sob a doçura da graça, ou sob a
inflexibilidade da lei — caminhará, sempre, em demanda dos altos destinos que
lhe estão reservados.
Discípulo: Falas na santa obra da educação. Feriste, Senhor, o alvo, o
eixo em torno do qual giram as minhas lucubrações mais acuradas. Compreendo
muito bem a importância da educação. Vejo claramente que só a religião da
educação, tal como ensinaste e exemplificaste, pode salvar a Humanidade. Mas,
como vingará esta fé, se os dirigentes, os dominadores de consciências,
aqueles, enfim, que têm ascendência sobre o povo são os primeiros a
deseducá-lo, a corrompê-lo, premiando os caracteres fracos e venais que se
sujeitam aos seus caprichos e perseguindo os poucos que, capazes de sofrer pela
justiça e pela verdade, pelo direito e pela liberdade, resistem ao despotismo
do século? Tal processo de corrupção não invalidará, pelo menos por tempo
indeterminado, a eficiência da educação?
Mestre: Nada há encoberto que não seja descoberto, nem algo oculto que
se não venha a saber. Falas em processo de corrupção que poderá deseducar o
povo. Ignoras, então, que o Espírito educado jamais se deseduca? A lei é
avançar e não retroagir. Os que se submetem às influências dos maus e dos
prevaricadores, deixando-se corromper por falaciosas promessas, são Espíritos
fracos, egoístas e amigos da ociosidade, da vida cômoda e fácil. São os tais
que entram pela porta larga e transitam pela estrada espaçosa e ampla que
conduz à perdição. É possível que tais indivíduos se abastardem ao extremo, levados
pelos corruptores de consciências; mas, o dia do despertar há de chegar. Tanto
maior será a reação quanto mais o Espírito se tenha degradado. E, às vezes, é o
único meio de corrigir os cínicos, os hipócritas e os indolentes.
Discípulo: E os empreiteiros da corrupção, até quando continuarão
entregues a tão abjeta tarefa?
Mestre: Eles são instrumentos inconscientes de punição. Os homens
castigam-se mutuamente. São semelhantes aos seixos que rolam no fundo dos rios,
arrastados pela corrente das águas. No começo, eram ásperos e arestosos, mas, à
força de se entrechocarem e se friccionarem, acabam alisando-se, tornando-se
polidos e brunidos, como trabalhados por mão de artista. Cumpre notar ainda que
a cada um será dado segundo as suas obras. O déspota de hoje será a vítima de
amanhã — pois quem com ferro fere com ferro será ferido.
Discípulo: Estás com a razão, Senhor. És, de fato, o caminho, a verdade e
a vida. És a luz do mundo.
Mestre: Lembra-te do que eu disse: Vós sois o sal da terra e a luz do mundo.
Não se acende uma candeia para colocá-la debaixo dos móveis, mas no velador,
para que a todos ilumine. Portanto, não basta que me consideres luz, é preciso
que te tornes luz.
Discípulo: Cada vez mais me arrebatas com a tua luz, aclarando os problemas
da vida, tornando acessíveis a todas as inteligências os mais complexos
problemas sociais.
Mestre: Confessas que tens entendido o que eu disse? Bem-aventurado
serás, se puseres em prática os meus ensinamentos. Não te esqueças: se os
praticares. Trata, pois, de descobrir o reino de Deus em ti mesmo, no teu
coração; depois, procura implantá-lo em teu lar; depois, em tua rua; depois, no
mundo. Não tenhas pressa. Confia e espera, vigia e ora. Não penses em fazer o
mais, antes de fazer o menos. No Universo, tudo é ordem e harmonia.
Pedro de Camargo – Livro: O Mestre na Educação
Muitos querem apenas ensinar sem se preocupar em praticar.
ResponderExcluir