Há alguns meses um dos nossos médiuns, o Sr. T., que frequentemente
cai em sonambulismo espontâneo, sob a magnetização dos Espíritos, nos disse que
naquele momento a ilha Maurício estava sendo devastada por uma terrível
epidemia, que dizimava a população. Esta previsão realizou-se, até com circunstâncias
agravantes. Acabamos de receber de um dos nossos correspondentes da ilha
Maurício uma carta, datada de 8 de maio, da qual extraímos as passagens
seguintes.
“Vários Espíritos nos anunciaram, uns claramente, outros em
termos proféticos, um flagelo destruidor prestes a nos fulminar. Tomamos estas
revelações do ponto de vista moral, e não do ponto de vista físico. De repente
uma moléstia estranha irrompe nesta pobre ilha; uma febre sem nome, que reveste
todas as formas, começa suavemente, hipocritamente, depois aumenta e derruba a todos
os que pode atingir. É agora uma verdadeira peste; os médicos não a entendem;
até agora, nenhum dos que foram atingidos se curaram. São terríveis acessos que
vos prostram e vos torturam durante doze horas no mínimo, atacando, cada um por
sua vez, cada órgão importante; depois o mal cessa durante um ou dois dias,
deixando o doente acabrunhado até o próximo acesso, e assim se vai, mais ou
menos rapidamente, para o termo fatal.
“Para mim, vejo em tudo isto um desses flagelos anunciados,
que devem retirar do mundo uma parte da geração presente, e destinados a operar
uma renovação tornada necessária.
(...)
“Eu mesmo fui atingido
pela epidemia e estou na quarta recaída. Arruíno-me com o quinino. Isto
prolonga a minha existência, mas, como receio, se as recaídas continuarem, caro
senhor, palavra de honra! É muito provável que em pouco tempo terei o prazer de
assistir como Espírito às vossas sessões parisienses e nelas tomar parte, se
Deus o permitir. Uma vez no mundo dos Espíritos, estarei mais perto de vós e da
Sociedade do que estou na ilha Maurício. Num pensamento transporto-me às vossas
sessões, sem fadiga e sem temer o mau tempo. Aliás, não tenho o menor receio,
eu vo-lo juro; sou muito sinceramente espírita para isto”.
“Enquanto espero, caro senhor, tende a bondade de pedir aos
meus irmãos da Sociedade Espírita que unam as suas às nossas preces pelas
infelizes vítimas da epidemia, pobres Espíritos muito materiais, na maioria, e
cujo desprendimento dever ser penoso e longo. Oremos também por aqueles, muito
mais infelizes que, ao flagelo da moléstia, juntam o da desumanidade”.
(...)
É preciso ser espírita de verdade para encarar a morte com
este sangue frio e essa indiferença, quando ela estende seus malefícios em
redor de nós e quando se sentem os seus ataques. É que, em semelhante caso, a
fé séria no futuro, tal qual só o Espiritismo pode dar, proporciona uma força
moral que, ela mesma, é um poderoso preservativo, como foi dito a propósito da cólera.
(Revista de novembro de 1865). Isto não quer dizer que nas epidemias os
espíritas sejam necessariamente poupados, mas, em tais casos eles têm sido, até
agora, os menos atingidos. Escusado dizer que se trata de espíritas de coração,
e não dos que só o são em aparência.
Os flagelos destruidores, que devem causar danos à Humanidade,
não sobre um ponto do globo, mas em toda parte, são em toda parte pressentidos
pelos Espíritos.
A seguinte comunicação, verbal e espontânea, foi dada sobre
o assunto, logo após a leitura da carta acima:
(Sociedade de Paris, 21 de junho de 1867 – Médium: Sr.
Morin, em sonambulismo espontâneo)
“Avança a hora, a hora marcada no grande e perpétuo relógio
do infinito, a hora na qual vai começar a operar-se a transformação de vosso
globo, para o fazer gravitar rumo à perfeição. Muitas vezes vos foi dito que os
mais terríveis flagelos dizimariam as populações; não é preciso que tudo morra
para se regenerar? Mas, o que é isto? A morte não é senão a transformação da
matéria; o Espírito não morre, apenas muda de habitação.
Observai e vereis começar a realização de todas essas
previsões.
Oh! Como são felizes aqueles que nessas terríveis provações
foram tocados pela fé espírita sincera! Permanecem calmos no meio da tormenta,
como o marinheiro aguerrido em meio à tempestade.
“Eu, neste momento personalidade espiritual, muitas vezes
sou acusado de brutalidade, de dureza e de insensibilidade pelas personalidades
terrestres!... É verdade, contemplo com calma todos esses flagelos
destruidores, todos esses terríveis sofrimentos físicos. Sim, atravesso sem me
comover todas essas planícies devastadas, juncadas de restos humanos! Mas se o
posso fazer, é que minha visão espiritual vai além desses sofrimentos e, antecipando-se
ao futuro, ela se apoia no bem-estar geral que será a consequência desses males
passageiros para a geração futura, para vós mesmos, que fareis parte dessa
geração e que, então, recolhereis os frutos que tiverdes semeado.
“Espírito de conjunto, olhando do alto de uma esfera onde
habita (muitas vezes ele fala de si na terceira pessoa), seu olhar fica em
branco; entretanto, sua alma palpita, seu coração sangra em face de todas as
misérias que a Humanidade deve atravessar, mas a visão espiritual repousa do
outro lado do horizonte, contemplando o resultado que será a sua consequência
certa.
“A grande emigração é útil e aproxima-se a hora em que deve
efetuar-se... ela já começa... A quem será fatal ou proveitosa?
Olhai bem, observadores; considerai os atos desses
exploradores dos flagelos humanos, e distinguireis, mesmo com os olhos do corpo,
os homens predestinados à decadência. Vede-os ávidos de honras, inflexíveis no
ganho, presos, como sua vida, a todas as posses terrenas, e sofrendo mil mortes
pela perda de uma parcela do que, entretanto, precisarão deixar... Como será
terrível para eles a pena de talião, porquanto, no exílio que os espera, lhes
recusarão um copo de água para estancar a sede!... Olhai-os e neles reconhecereis,
sob as riquezas que acumulam à custa dos infelizes, os futuros humanos
decaídos! Considerai seus trabalhos, e vossa consciência vos dirá se esses
trabalhos devem ser pagos lá no alto, ou aqui embaixo! Olhai-os bem, homens de
boa vontade, e vereis que o joio começa, desde esta Terra, a ser separado do
bom grão.
“Minha alma é forte, minha vontade é grande! – Minha alma é
forte porque sua força é o resultado de um trabalho coletivo de alma a alma;
minha vontade é grande porque tem como ponto de apoio a imensa coluna formada
por todos os sentimentos de justiça e de bem, de amor e de caridade. Eis por
que sou forte, eis por que sou calmo para olhar; eis por que seu coração, que
bate quase a estourar em seu peito, não se comove. Se a decomposição é o
instrumento necessário da transformação, assiste ó minha alma, calma e
impassível, a essa destruição!”
Revista Espírita – julho / 1867
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