segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A minha primeira iniciação no Espiritismo

 


Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes.

Encontrei um dia o magnetizador, Sr. Fortier, a quem eu conhecia desde muito tempo e que me disse: “Já sabe da singular propriedade que se acaba de descobrir no Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas que se podem magnetizar, mas também as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade.” “É, com efeito, muito singular” — respondi —; “mas, a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam.” Os relatos, que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em Marselha e em algumas outras cidades, não permitiam dúvidas acerca da realidade do fenômeno.

Algum tempo depois, encontrei-me novamente com o Sr. Fortier, que me disse: “Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale.

Interrogada, ela responde.” “Isto agora” — repliquei-lhe —, “é outra questão. Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé”. (...)

Eu estava, pois, diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às Leis da Natureza e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as experiências, realizadas em presença de pessoas honradas e dignas de fé, confirmavam a minha opinião, quanto à possibilidade do efeito puramente material; a ideia, porém, de uma mesa falante ainda não me entrara na mente.

No ano seguinte, estávamos em começo de 1855, encontrei-me com o Sr. Carlotti, amigo de 25 anos, que me falou daqueles fenômenos durante cerca de uma hora, com o entusiasmo que consagrava a todas as ideias novas. (...)  

Foi o primeiro que me falou na intervenção dos Espíritos e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer, me aumentou as dúvidas. “Um dia, o senhor será dos nossos”, concluiu. “Não direi que não”, respondi-lhe; “veremos isso mais tarde.”

Passado algum tempo, pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia do Sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que daqueles fenômenos me falaram no mesmo sentido em que o Sr. Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era funcionário público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e, quando me convidou a assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, à Rua Grange-Batelière, 18, aceitei imediatamente. A reunião foi marcada para terça-feira,18 de maio às oito horas da noite.

Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti então a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas ideias estavam longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo.

Bem depressa, ocasião se me ofereceu de observar mais atentamente os fatos, como ainda o não fizera. Numa das reuniões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento com a família Baudin, que residia então à Rua Rochechouart. (...)

 Os médiuns eram as duas senhoritas Baudin, que escreviam numa ardósia com o auxílio de uma cesta, chamada carrapeta e que se encontra descrita em O livro dos médiuns. Esse processo, que exige o concurso de duas pessoas, exclui toda possibilidade de intromissão das ideias do médium.

Aí, tive ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas formuladas, algumas vezes, até perguntas mentais, que acusavam, de modo evidente, a intervenção de uma inteligência estranha. (...)

Foi nessas reuniões que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos, ainda, por meio de revelações do que de observações. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão.

Foi assim que procedi sempre em meus trabalhos anteriores, desde a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas ideias e nas crenças; fazia-se mister, portanto, andar com a maior circunspeção, e não levianamente; ser positivista, e não idealista, para não me deixar iludir.

Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal. Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles. (...)

Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como houvera feito com homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados.

Tais as disposições com que empreendi meus estudos e neles prossegui sempre. Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui. (...) Allan Kardec

                            

Extratos retirados do Livro Obras Póstumas – Segunda parte – págs. 225 a 230 – 41ª edição – FEB

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