Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes.
Encontrei
um dia o magnetizador, Sr. Fortier, a quem eu conhecia desde muito tempo e que
me disse: “Já sabe da singular propriedade que se acaba de descobrir no
Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas que se podem magnetizar,
mas também as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade.” “É,
com efeito, muito singular” — respondi —; “mas, a rigor, isso não me parece
radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade,
pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam.” Os
relatos, que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em
Marselha e em algumas outras cidades, não permitiam dúvidas acerca da realidade
do fenômeno.
Algum
tempo depois, encontrei-me novamente com o Sr. Fortier, que me disse: “Temos uma
coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova,
magnetizando-a, como também que fale.
Interrogada,
ela responde.” “Isto agora” — repliquei-lhe —, “é outra questão. Só acreditarei
quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos
para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no
caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé”. (...)
Eu
estava, pois, diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às Leis da
Natureza e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as
experiências, realizadas em presença de pessoas honradas e dignas de fé,
confirmavam a minha opinião, quanto à possibilidade do efeito puramente
material; a ideia, porém, de uma mesa falante ainda não me entrara na mente.
No
ano seguinte, estávamos em começo de 1855, encontrei-me com o Sr. Carlotti,
amigo de 25 anos, que me falou daqueles fenômenos durante cerca de uma hora,
com o entusiasmo que consagrava a todas as ideias novas. (...)
Foi
o primeiro que me falou na intervenção dos Espíritos e me contou tantas coisas
surpreendentes que, longe de me convencer, me aumentou as dúvidas. “Um dia, o
senhor será dos nossos”, concluiu. “Não direi que não”, respondi-lhe; “veremos
isso mais tarde.”
Passado algum tempo, pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia do Sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que daqueles fenômenos me falaram no mesmo sentido em que o Sr. Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era funcionário público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e, quando me convidou a assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, à Rua Grange-Batelière, 18, aceitei imediatamente. A reunião foi marcada para terça-feira,18 de maio às oito horas da noite.
Foi
aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam,
saltavam e corriam em condições tais que não deixavam lugar para qualquer
dúvida. Assisti então a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica
numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas ideias estavam longe de
precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente decorria de uma causa.
Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles
fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que
tomei a mim estudar a fundo.
Bem
depressa, ocasião se me ofereceu de observar mais atentamente os fatos, como
ainda o não fizera. Numa das reuniões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento
com a família Baudin, que residia então à Rua Rochechouart. (...)
Os médiuns eram as duas senhoritas Baudin, que
escreviam numa ardósia com o auxílio de uma cesta, chamada carrapeta e que se
encontra descrita em O livro dos médiuns. Esse processo, que exige o concurso
de duas pessoas, exclui toda possibilidade de intromissão das ideias do médium.
Aí,
tive ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas formuladas, algumas
vezes, até perguntas mentais, que acusavam, de modo evidente, a intervenção de
uma inteligência estranha. (...)
Foi
nessas reuniões que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos,
ainda, por meio de revelações do que de observações. Apliquei a essa nova
ciência, como o fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias
preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; dos
efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico
dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas
as dificuldades da questão.
Foi
assim que procedi sempre em meus trabalhos anteriores, desde a idade de 15 a 16
anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender;
percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão
controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a solução que eu procurara
em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas ideias e nas
crenças; fazia-se mister, portanto, andar com a maior circunspeção, e não
levianamente; ser positivista, e não idealista, para não me deixar iludir.
Um
dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos,
nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria,
nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau,
que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor
de uma opinião pessoal. Reconhecida desde o princípio, esta verdade me
preservou do grave escolho de crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu
de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns
deles. (...)
Conduzi-me,
pois, com os Espíritos, como houvera feito com homens. Para mim, eles foram, do
menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores
predestinados.
Tais
as disposições com que empreendi meus estudos e neles prossegui sempre.
Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui. (...) Allan
Kardec
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