Allan Kardec é vastamente conhecido como o
codificador da Doutrina Espírita. Contudo, mais da metade de sua vida esteve
ligado ao ensino e à educação da juventude, o que provavelmente também foi influenciado
pelo fato de que em sua vida participaram destacados pedagogos, cujas ações e ideias
puderam servir-lhe de modelo e inspiração. Em seu tempo ele foi considerado um
especialista em assuntos de ensino. Suas obras dirigiram-se a alunos,
professores e outras pessoas que se ocupavam do ensino e da educação (exemplo:
livros didáticos, manuais de métodos, etc.), ou a pessoas que tivessem influência
jurídica e administrativa no sistema educacional francês (projetos de reformas,
propostas de mudanças no sistema educativo em geral e nas instituições em
particular). (...)
A vida do pedagogo Rivail está cercada de esquecimento,
em parte objetivado por ele mesmo, para proteger diversas pessoas, e, de outro lado,
provocado naturalmente pelo sucesso de suas publicações e atividades
posteriores, ligadas a assuntos geralmente não comentados em escolas. Contudo,
para imaginar um perfil completo da pessoa conhecida até dos simpatizantes do
Espiritismo, seria necessário saber mais detalhadamente sobre o período de vida
de Rivail antes da publicação de O Livro dos Espíritos – o período de vida
principalmente dedicado a um amplo trabalho pedagógico – cumprimento de tarefas
de ensino e educação, criação de livros específicos e artigos com profundas
considerações a problemas atinentes. (...)
Resumindo a opinião sobre a educação, é
necessário mencionar as seguintes conclusões de H. D. L. Rivail:
“1) Educação é uma ciência única;
2) Se observamos que muitas pessoas
ensinam de forma inadequada, a causa disso é a falta de estudos especializados
nessa área;
3) Todos os atrasos relativos à educação
são imputáveis ao fato de que poucas pessoas avaliam o seu verdadeiro objetivo,
sem compreender o que seja educação; o que ela pode ser e, em consequência
disso, o que é necessário fazer para que a situação melhore. A educação está
agora, escreveu Rivail, em semelhante situação em que esteve a química há cem
anos. Ela é uma ciência ainda não totalmente constituída e cujas bases ainda
não estão definidas.”
As últimas obras pedagógicas de Rivail
(primeiras edições) surgiram em 1850; todas as que se sucederam se referiam ao espiritismo,
embora também estas certamente estivessem vinculadas aos interesses pedagógicos
do autor.
Em O Livro dos Espíritos, primeira obra
espírita de Allan Kardec, é possível encontrar alguns fragmentos que tratam da
educação. Eles são ou opiniões de Rivail, agora oculto sob o pseudônimo, e que
correspondiam a suas obras anteriores, ou dos Espíritos. Estes últimos talvez
devessem ser tratados como fonte externa, mas para reconhecer o papel de homem (pedagogo)
na compilação do livro, é necessário mencionar ao menos as citações mais
relevantes.
SOBRE
A ESSÊNCIA DA EDUCAÇÃO:
“Não basta dizer ao homem que ele deve
trabalhar, é necessário também que o que vive do seu trabalho encontre
ocupação, e isso nem sempre acontece. Quando a falta de trabalho se generaliza,
toma as proporções de um flagelo, como a escassez. A ciência econômica procura
o remédio no equilíbrio entre a produção e o consumo, mas esse equilíbrio,
supondo-se que seja possível, sofrerá sempre intermitências e durante essas
fases o trabalhador tem necessidade de viver. Há um elemento, que se não se
ponderou bastante, e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria:
a educação. Não a educação intelectual, mas a moral e nem ainda a educação
moral pelos livros, mas a que consiste na arte de formar os caracteres, aquela
que cria hábitos, porque a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Quando
se pensa na massa de indivíduos diariamente lançados na corrente da população,
sem princípios, sem freios e entregues aos próprios instintos, deve-se admirar
das consequências desastrosas desse fato? Quando essa arte for conhecida,
compreendida e praticada, o homem seguirá no mundo hábitos de ordem e de previdência
para si mesmo e para os seus, de respeito pelo que é respeitável, hábitos que
lhe permitirão atravessar de maneira menos penosa os maus dias inevitáveis.
A desordem e a imprevidência são duas
chagas que somente uma educação bem compreendida pode curar. Nisso está o ponto
de partida, o elemento real do bem-estar, a garantia da segurança de todos.”
(item 685a).
SOBRE
O LIVRE-ARBÍTRIO:
“O homem não é fatalmente conduzido ao
mal; os atos que pratica não ‘estavam escritos’; os crimes que comete não são resultado
de um decreto do destino. Ele pode, como prova e como expiação, escolher uma
existência em que se sentirá arrastado para o crime, seja pelo meio em que
estiver situado, seja pelas circunstâncias supervenientes. Mas será sempre
livre de agir como quiser.
Assim, o livre-arbítrio existe no estado
de Espírito, com a escolha da existência e das provas; e no estado corpóreo com
a faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que voluntariamente estamos
submetidos. Cabe à educação combater as más tendências e ela o fará de maneira
eficiente quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem.
Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a
modificá-la, como se modificam a inteligência pela instrução e as condições
físicas pela higiene.” (Item 872)
SOBRE
O PROGRESSO DA HUMANIDADE:
“Louváveis esforços são feitos, sem
dúvida, para ajudar a humanidade a avançar; encorajam-se, estimulam-se,
honram-se os bons sentimentos, hoje mais do que em qualquer outra época, e não obstante
o verme devorador do egoísmo continua a ser a praga social. É um verdadeiro
mal, que se espalha por todo o mundo e do qual cada um é mais ou menos vítima.
É necessário combatê-lo, portanto, como se combate uma epidemia. Para isso,
deve-se proceder à maneira dos médicos: remontar à causa. Que se pesquisem em
toda a estrutura do organismo social, desde a família até os povos, da choupana
ao palácio, todas as causas, as influências patentes ou ocultas que excitam,
entretêm e desenvolvem o sentimento do egoísmo. Uma vez conhecidas as causas, o
remédio se apresentará por si mesmo; só restará então combatê-las, senão a
todas ao mesmo tempo, pelo menos por parte, e pouco a pouco o veneno será
extirpado. A cura poderá ser prolongada, porque as causas são numerosas, mas
não se chegará a esse ponto se não se atacar o mal pela raiz, ou seja, com a
educação. Não essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas a que
tende a fazer homens de bem.
A educação, se for bem compreendida, será
a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres
como se conhece a de manejar as inteligências, poder-se-á endireitá-los, da
mesma maneira como se endireitam as plantas novas. Essa arte, porém, exige
muito tato, muita experiência e uma profunda observação. É um grave erro
acreditar que basta ter a ciência para aplicá-la de maneira proveitosa. Quem
quer que observe, desde o instante do seu nascimento, o filho do rico como o do
pobre, notando todas as influências perniciosas que agem sobre ele, em consequência
da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que o dirigem e como em geral os
meios empregados para moralizar fracassam, não pode admirar-se de encontrar no
mundo tanta confusão. Que se faça pela moral tanto quanto se faz pela
inteligência e ver-se-á que, se há naturezas refratárias, há também, em maior
número do que se pensa, as que requerem apenas boa cultura para darem bons frutos.”
(Item 917)
Evidentemente todo o conteúdo de O Livro
dos Espíritos, além do sentido filosófico, tem um profundo sentido educativo.
Alguns ensinamentos ou sentenças dos
Espíritos poderiam ser tratados até mesmo como tema de vastos estudos e discussões
pedagógicas, pois eles claramente espelham problemas da sociedade na época de
Rivail e, paradoxalmente, também de agora.
SOBRE
AS LEIS SOCIAIS:
“Uma sociedade depravada tem certamente
necessidade de leis mais severas. Infelizmente essas leis se destinam antes a
punir o mal praticado do que a cortar a raiz do mal. Somente a educação pode reformar
os homens, que assim não terão mais necessidade de leis tão rigorosas.” (Item
797)
SOBRE
O EGOÍSMO:
“À medida que os homens se esclarecem
sobre as coisas espirituais, dão menos valor às coisas materiais; em seguida é
necessário reformar as instituições humanas que o entretêm e excitam. Isso depende
da educação.” (Item 914)
É interessante observar os paralelos e as
estreitas vinculações entre os textos produzidos pela mesma pessoa, embora em
dois períodos distintos da vida, aparentemente diferentes no fundo, mas
visivelmente baseados nos mesmos ideais, educativos e atuais em todas as
circunstâncias.
É recomendável, então, considerar as ideias
e ações do futuro codificador da doutrina espírita, no contexto de sua atividade
posterior. A doutrina em si mesma, de fato, é muito rica em valores educativos.
(...)
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