Tudo fizera
para pagar os quinhentos mil cruzeiros…
Desesperava-se.
Tudo debalde…
O desejo de
autoeliminação escaldava-lhe o crânio.
Sentia a
necessidade de orar… Mas, como?
Abnegado amigo
dispôs-se a conduzi-lo a determinado templo espírita, a fim de que pudesse
recolher algum esclarecimento e consolo.
Apreensivo,
recebeu a palavra de generoso Mentor, que lhe dizia, em página breve:
— “Irmão
Avelino. Deus esteja conosco. Não desespere. Simples quarto de hora está
revestido de imenso valor e, por vezes, modifica inteiramente o destino. Volte
ao lar e ouça Jesus no Evangelho. Somente o Evangelho guarda bastante luz para
a solução de nossos problemas.”
Terminada a reunião, afastou-se Avelino, sem dar-se
por satisfeito.
Estava
desapontado e desgostoso. Fugiria do mundo. Ninguém lhe evitaria semelhante
propósito.
Ao retornar a casa, inquieto em suas cogitações,
reparou que os faróis do ônibus incidiram sobre a frente de um transportador de
carga, a movimentar-se em sentido contrário, e pôde ler, nitidamente, no para-choque:
— “Deus viaja
conosco.”
“Todo
motorista é engraçado” — pensou.
Chegando em casa, entrega-lhe a esposa afetuosa carta
de um companheiro.
Retira-lhe o
conteúdo.
Começa a
leitura e esbarra com a saudação:
— “Deus esteja
conosco, hoje e sempre.”
Deixou a missiva, contrafeito, e falou de si para
consigo:
— “Sempre a
filosofia religiosa!…”
Ainda assim, enfadado de tudo, notou que a esposa
andara lendo o Evangelho, porque um exemplar do Novo Testamento descansava na
mesa, a pequena distância.
Mais curioso que interessado, abriu o livro, e seus
olhos caíram sobre o versículo onze do capítulo treze, na segunda carta do
Apóstolo Paulo aos Coríntios: “Quanto ao mais, regozijai-vos, sede perfeitos,
sede consolados, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz será convosco.”
Abandonou o livro, desalentado.
Esparramou-se
em velha poltrona e ouviu conhecido locutor encerrando o programa naquelas
primeiras horas da madrugada:
— “Deus esteja
conosco.”
Desligou o aparelho, sem dizer palavra.
Beijou a
esposa, então recolhida, com o enternecimento de quem se despede pela última
vez.
Tornou à copa.
Estava decidido. Terminaria tudo.
O gargalo de
uma garrafa verte a cerveja sobre alta dose de violento corrosivo.
Antes, porém, do gesto infeliz, pensa um pouco.
Fita,
angustiado, a cena familiar que o rodeia… No cimo de grande armário vê,
rasgado, o verde papagaio de papel que lhe recorda o filhinho.
Guardando a taça entre as mãos, dirige-se ao quarto
próximo e inclina-se, quase em pranto, para Ricardo, o garoto que dorme.
O leito,
pressionado, estala de leve e o menino acorda, atarantado.
À frente da inesperada visita, atira-se nos braços
paternos, fazendo ir ao chão o copo que se estilhaça no piso, ao mesmo tempo
que exclama, expansivo:
— Papai!
Papai! Hoje na aula escrevi sem errar o primeiro ditado da professora:
“Confiemos em Deus!”
Avelino, agora chorando e rindo, abraçou o petiz.
Deus vencera!
Deus, que o cercava por toda parte, ajudá-lo-ia a
pagar os quinhentos mil cruzeiros.
— Obrigado,
meu filho! — Clamou, feliz, levando o lenço aos olhos.
A seguir, descerrando larga janela, contemplou o céu
rutilante de estrelas…
E, tomado de
júbilo inconsciente, gritou, espontâneo:
— Obrigado,
meu Deus!
Delirando de alegria, apertou o filhinho com mais
ternura e, aliviado enfim, respirou, a longos haustos, como se tivesse
encontrado a felicidade pela primeira vez…
Hilário Silva / Waldo Vieira – Livro: A Vida Escreve
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