sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O Cristo vitorioso


 Estava ali um homem, enfermo havia trinta e oito anos.

Havia em Jerusalém o tanque chamado Betesda, que, periodicamente, adquiria propriedades curativas, depois que um Anjo — ou Espírito Superior — descia e lhe agitava as águas, magnetizando-as.

Quem entrasse primeiro, uma vez agitadas as águas, ficava curado de qualquer doença.

Era natural, e bem humano, que ali se reunisse uma multidão de enfermos, esperando o momento exato em que o Celeste mensageiro deveria agitar o tanque, em nome das forças do bem.

Bem humano, também, era a disputa que se verificava, um procurando antecipar-se ao outro, pois, como era notório, quem primeiro entrasse ficaria curado.

Entre os doentes, naquele dia, encontrava-se um homem acometido de paralisia havia trinta e oito anos.

Um paralítico no meio de dezenas de paralíticos. Jesus passava na direção do templo, para as festividades israelitas.

Vendo aquele homem no auge da ansiedade, perguntou-lhe: “Queres ser curado”?

E, ante a melancólica explicação do paralítico, de que não podia caminhar, diz-lhe o Mestre: — “Levanta-te, toma o teu leito e anda”.

O episódio sugere inúmeras considerações.

É de se notar, em princípio, a espontaneidade de Jesus, no interesse por aquele enfermo, cuja atitude não foi igual à de outras personagens beneficiadas pelo Senhor.

Bartimeu, por exemplo, o conhecido “cego de Jericó”, atraiu a atenção de Jesus com tremendo alarido: — “Filho de David, tem misericórdia de mim” — insistindo de tal modo que muitos o repreendiam.

E o Divino Amigo, compadecendo-se, restituiu-lhe a visão corporal.

De outra vez, um homem coberto de chagas prostrou-se-lhe aos pés, suplicando: — “Senhor, se quiseres, podes purificar-me”!

A mulher siro-fenícia, cuja filha fora tomada por um Espírito obsessor, pediu tanto a Jesus que a curasse, que os discípulos, irritados, rogavam ao Mestre:

— “Despede-a, pois vem chorando atrás de nós”.

Mas Jesus, exaltando-lhe a fé, atendeu-a.

* * *

Com o paralítico do tanque das ovelhas, tudo se passou diferentemente.

Ele não reconhecera a Jesus.

Não lhe pedira que o curasse.

Não sabia que o Mestre por ali andava.

O que desejava — isto sim — era dar o mergulho salvador em primeiro lugar.

Ignorava que o Cristo podia curá-lo com um simples pensamento, com uma simples vibração, com um simples impulso de Sua vontade.

Era paralítico e ninguém o conduzia ao tanque - eis a sua resposta, franca e sincera, ao ser interrogado por Jesus.

Por suas palavras, depreende-se que desejava apenas ajuda física: - “Senhor, não tenho quem me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.”

Houve, então, o gesto sublime, espontâneo, generoso, fraternal:

“Levanta-te, toma o teu leito e anda”.

* * *

O Amor de Jesus transcende fronteiras.

Abrange o Universo.

Limitado em suas expressões de fraternidade, pretende o homem, quase sempre, bitolar, medir, estereotipar o Amor do Cristo, enclausurar-Lhe a Misericórdia.

Esquecido do:

“Tende por Templo - o Universo

Por imagem - Deus

Por Lei - a Caridade

Por altar - a Consciência”.

Situa-o, muita vez, entre as quatro paredes de uma igreja, de uma casa.

O fenômeno, contudo, é compreensivelmente humano e humanamente compreensível.

A irradiação do Amor de Jesus envolve todos os seres que evolucionam nos círculos planetários e interplanetários.

A não compreensão da excelsitude, da grandeza do Cristo, reflete um grau evolutivo.

Traduz “uma visão”.

Onde pulse um coração sincero — aí está Jesus, estendendo braços amigos, mãos generosas, como o fez com o doente do tanque.

Mesmo que esse coração ainda gravite noutros rumos evolutivos, polarizado por outras atrações — far-se-á Jesus presente, embora nem sempre possa ser percebido.

O que importa ao Cristo é curar, salvar, educar.

Restituir ao homem do mundo o que o homem do mundo perdeu: o endereço de Deus.

* * *

O paralítico de trinta e oito anos simboliza o homem de boa vontade.

O homem que levou até o fim a sua cruz.

O homem anônimo, cuja alma valorosa se esconde, muitas vezes, num corpo imobilizado.

Retrata a multidão de aflitos que o mundo não conhece, mas que o percuciente olhar de Jesus alcança, cheio de amor.

O interesse do Mestre, restituindo-o à dinâmica da vida, representa confortadora retribuição a quantos perlustram, com dignidade, os caminhos da Terra, arrastando dificuldades.

A cura do paralítico demonstra que a administração do mundo está, acima de tudo, com o Supremo Poder.

Revela que, dando a cada um segundo as suas obras, milhares de almas retomam a carruagem física, em processos de reajuste e aperfeiçoamento.

É que o Cristo permanece, vitorioso, no leme da Embarcação Terrestre, desde os primórdios da vida planetária, apascentando, com inexcedível ternura, as ovelhas que o Pai lhe confiou.

Martins Peralva – Livro: Estudando o Evangelho

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