(...) O mártir
da inconfidência, depois de ter examinado, amarguradamente, a defecção dos companheiros,
reveste-se de supremo heroísmo. Seu coração sente uma alegria sincera pela
expiação cruel a ele somente reservada, já que seus irmãos de ideal poderiam
continuar na posse do sagrado tesouro da vida. As falanges de Ismael cercam-lhe
a alma leal e forte, inundando-a de santificadas consolações.
Tiradentes entrega o Espírito a Deus, nos suplícios da forca, no dia 21 de abril de 1792. Um arrepio de angustiosa ansiedade percorre a multidão, no instante em que o seu corpo balança, pendente das traves do campo da Lampadosa.
Mas, nesse
momento, Ismael recebia nos seus braços carinhosos e fraternais a alma
edificada do mártir.
— “Irmão
querido, — exclama ele, — resgatas hoje os delitos cruéis levados a efeito por
ti, quando te ocupavas do nefando mister de inquisidor, nos tempos passados…
Resgataste o pretérito obscuro e doloroso, com as lágrimas do teu sacrifício em
favor da pátria do Evangelho de Jesus. Passarás a ser um símbolo para a
posteridade, com o teu heroísmo resignado nos sofrimentos purificadores… Novo
gênio que surges, espargirás novas bênçãos sobre a terra do Cruzeiro, em todos
os séculos do seu futuro… Regozija-te no Senhor pelo desfecho dos teus sonhos
de liberdade, porque cada um será justiçado de acordo com as suas obras e se o
Brasil se aproxima da sua maioridade como nação, ao influxo do amor divino,
será o próprio Portugal quem virá trazer até ele, todos os elementos da sua
emancipação política, sem o êxito incerto das revoluções feitas à custa do
sangue fraterno, para multiplicar os órfãos e as viúvas na face sombria da
Terra…”
Um sulco
luminoso desenhou-se nos Espaços, à passagem das gloriosas entidades que vieram
acompanhar o Espírito iluminado do mártir que não chegou a contemplar o
hediondo espetáculo do esquartejamento.
Daí a alguns
dias, a piedosa rainha portuguesa enlouquecia, ferida de morte na sua
consciência pelos remorsos pungentes que a dilaceravam e, consoante as
profecias de Ismael, daí a alguns anos era o próprio Portugal que vinha trazer,
com D. João VI, a independência do
Brasil, sem o êxito incerto das revoluções fratricidas, cujos resultados
invariáveis são sempre a multiplicação dos sofrimentos das criaturas,
dilaceradas pelas provações e pelas dores, entre as pesadas sombras da vida
terrestre.
Humberto de Campos — Trecho extraído do capítulo 14 do livro: Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho.
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