quinta-feira, 23 de abril de 2020

Aquiescência à prece


Imaginais quase sempre que o que pedis na prece deve realizar-se por uma espécie de milagre. Esta crença errônea é a fonte de uma imensidade de práticas supersticiosas e de muitas decepções. Também conduz à negação da eficácia da prece. Porque vosso pedido não é acolhido da maneira por que o entendeis, concluis que era inútil e então, por vezes, murmurais contra a justiça de Deus. Pensam outros que tendo Deus estabelecido leis eternas, às quais todos os seres estão submetidos, não as pode derrogar para anuir aos pedidos que lhe são feitos. É para vos premunir contra o erro, ou melhor, contra o exagero destas duas ideias que me proponho vos dar algumas explicações sobre o modo de aquiescência à prece.
Há uma verdade incontestável: Deus não altera nem suspende para ninguém o curso das leis que regem o Universo. Sem isto a ordem da Natureza seria incessantemente perturbada pelo capricho do primeiro que chegasse. É, pois, certo que toda prece que não pudesse ser atendida senão por uma derrogação destas leis ficaria sem efeito. Tal seria, por exemplo, a que tivesse por objetivo a volta à vida de um homem realmente morto, ou o restabelecimento da saúde se a desordem do organismo é irremediável.
Não é menos certo que nenhuma atenção é dada aos pedidos fúteis ou inconsiderados. Mas ficai persuadidos de que toda prece pura e desinteressada é ouvida e que é sempre levada em conta a intenção, mesmo quando Deus, em sua sabedoria, julgasse a propósito não a atender; é sobretudo então que deveis dar prova de humildade e de submissão à sua vontade, dizendo a vós mesmos que melhor do que vós ele sabe o que vos pode ser útil.
Há, sem dúvida, leis gerais a que o homem está fatalmente submetido; mas é erro crer que as menores circunstâncias da vida estejam fixadas de antemão de maneira irrevogável; se assim fosse, o homem seria uma máquina sem iniciativa e, por conseguinte, sem responsabilidade. O livre-arbítrio é uma das prerrogativas do homem; desde que é livre para ir à direita ou à esquerda, de agir conforme as circunstâncias, seus movimentos não são regulados como os de uma máquina. Conforme faz ou não faz uma coisa e conforme a faz de uma maneira ou de outra, os acontecimentos que disso dependem seguem um curso diferente; visto que são subordinados à decisão do homem, não estão submetidos à fatalidade. Os que são fatais são os que são independentes de sua vontade; mas, todas as vezes que o homem pode reagir em virtude de seu livre-arbítrio, não há fatalidade.
O homem tem, pois, um círculo, dentro do qual pode mover-se livremente. Esta liberdade de ação tem por limites as leis da Natureza, que ninguém pode transpor; ou, melhor dizendo, esta liberdade, na esfera da atividade em que se exerce, faz parte dessas leis; é necessária e é por ela que o homem é chamado a concorrer para a marcha geral das coisas; e como ele o faz livremente, tem o mérito do que fez de bem e o demérito do que fez de mal, de sua indolência, de sua negligência, de sua inatividade. As flutuações que sua vontade pode imprimir aos acontecimentos da vida de modo algum perturbam a harmonia universal, pois essas mesmas flutuações faziam parte das provas que incumbem ao homem na Terra.
No limite das coisas que dependem da vontade do homem, Deus pode, pois, sem derrogar suas leis, anuir a uma prece, quando é justa, e cuja realização pode ser útil; mas acontece muitas vezes que ele julga a sua utilidade e a sua oportunidade de modo diverso que nós, razão por que nem sempre aquiesce. Se lhe aprouver atendê-la, não é modificando seus decretos soberanos que o fará, mas por meios que não saem da ordem geral, se assim nos podemos exprimir. Os Espíritos, executores de sua vontade, são então encarregados de provocar as circunstâncias que devem levar ao resultado desejado. Quase sempre esse resultado requer o concurso de algum encarnado; é, pois, esse concurso que os Espíritos preparam, inspirando os que devem nele cooperar o pensamento de uma ação, incitando-os a ir a um ponto e não a um outro, provocando encontros propícios que parecem devidos ao acaso. Ora, o acaso não existe nem na assistência que se recebe, nem nas desgraças que se experimenta.

 Um Espírito Protetor - Revista Espírita – maio / 1866

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