sábado, 3 de abril de 2021
sexta-feira, 2 de abril de 2021
A porta estreita
Em conhecida
passagem do Evangelho, Jesus exorta os homens a que entrem pela porta estreita,
alertando-os de que larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz à
perdição, e muitos são os que entram por ela; E porque estreita é a porta, e
apertado, o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem (Mateus,
7:13-14).
É preciso
compatibilizar tais assertivas com a figura de um Deus pleno de amor, justiça,
bondade e poder que Ele apresentou à humanidade como um autêntico Pai.
Afinal, tem-se um
Pai amoroso estabelecendo nos roteiros de Seus filhos uma passagem estreita e
de difícil acesso à felicidade, enquanto a porta para a perdição apresenta-se
larga, a ponto de serem poucos os que se saem bem na escolha.
O Espírito Emmanuel,
mentor do médium Francisco Cândido Xavier, ajuda a entender a metáfora. No
livro Ceifa de luz, ele assevera que nosso dever é nossa escola e que
a senda estreita a que se refere Jesus é a fidelidade que nos cabe manter limpa
e constante, no culto às obrigações assumidas diante do Bem Eterno. Ainda
afirma que, para sustentá-la, é imprescindível sacrificar no santuário do
coração tudo aquilo que constitua bagagem de sombra no campo de nossas
aspirações e desejos.
Dessas reflexões,
surge claro que a passagem pela porta estreita implica o cumprimento dos
próprios deveres, o que o homem apenas consegue mediante o sacrifício de seus
vícios e paixões negativas.
Os deveres que a
vida impõe representam um programa de aprendizado e sublimação, traçado antes
da reencarnação, o qual o Espírito se propôs a cumprir. O atendimento de tais
deveres costuma ser árduo, pois a eles se contrapõem os hábitos do homem velho,
necessitado de retificar suas concepções e se adequar à harmonia das leis
cósmicas.
Conforme Kardec
elucida em O livro dos Espíritos, nas questões 614 e seguintes, Deus
rege o universo com base em leis perfeitas, plenas de justiça e misericórdia,
voltadas a realizar a felicidade do homem. Elas lhe indicam o que deve fazer ou
deixar de fazer e ele só é infeliz quando delas se afasta. Ou seja, a
felicidade deve constituir a regra, e não a exceção.
Em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, no capítulo XVIII, item 5, esclarece-se que a porta
da salvação não é estreita para a Humanidade em geral, mas apenas para uma sua
parcela situada, pelo seu próprio estado evolutivo, em um mundo de provas e
expiações. Afinal, não faz mesmo sentido que um Deus amoroso estabeleça uma
sistemática na qual a conquista da felicidade é extremamente difícil, a ponto
de ensejar a perdição da maioria de Suas criaturas.
A estreiteza da
porta traduz, por assim dizer, uma pequena crise do processo evolutivo, na qual
o ser imortal é convidado à transcendência, ao abandono de hábitos e
sentimentos próprios de fases mais primitivas, mas se apega a eles com certa
insistência.
Segundo se infere da
Codificação, os mundos de provas e expiações se caracterizam pela imensa
maioria de seus habitantes ser formada de Espíritos com importantes conquistas
intelectuais, mas moralidade vacilante, pífia, revelada pela presença de
numerosos vícios e paixões negativas.
Extrai-se de O
Livro dos Espíritos que as paixões humanas não são negativas em seu
princípio, na medida em que este se encontra na natureza e tudo o que Deus faz
é bom e tem utilidade providencial (questão 907).
As paixões podem
levar à realização de grandes coisas, pois decuplicam as forças do homem e o
auxiliam na execução dos desígnios da Providência (LE, questão 908). Elas
apenas se tornam negativas quando o homem não mais as governa, mas é por elas
governado, e causam prejuízo para ele ou para outrem.
A Espiritualidade
Superior é enfática ao afirmar que o homem, pelos seus esforços, pode vencer as
suas más inclinações. Ela aduz que falta ao homem é vontade de se reformar e
ainda lamenta: Ah, quão poucos dentre vós fazem esforços! (LE, questão
909).
Bem se vê que a
Humanidade terrena passa por uma crise evolutiva, mais propriamente por uma
crise de moralidade, revelada pela vivência de paixões negativas, sobre as
quais não exerce o devido controle, quando poderia fazê-lo.
A disciplina em
controlar as próprias tendências negativas exige algum esforço, mas é
plenamente viável. Ela constitui o necessário para viabilizar a passagem pela
porta estreita de que fala o Evangelho. Trata-se de domar em si a ira, o
orgulho, a inveja, o egoísmo, o ciúme, a gula, o desequilíbrio da sexualidade,
dentre outros hábitos e sentimentos infelizes.
Deus, em Sua
sabedoria e em Sua bondade, situa o Espírito encarnado em ambientes nos quais
ele é naturalmente convidado à sublimação. Coloca-o em um contexto
profissional, familiar e social em que precisa atender uma série de deveres. Se
os atende, sacrificando para isso suas fantasias, caprichos e desejos,
atravessa a sua porta estreita, a que lhe cabe naquela encarnação.
É necessário e
urgente que a criatura encarnada se empenhe em ser um profissional honesto e
competente, um pai ou mãe presente e dedicado, um filho respeitoso e obediente,
um aluno estudioso, um irmão compreensivo, um esposo fiel e afetuoso, um
cidadão honesto, etc. Ela precisa
atentar para os deveres de cada dia e cumpri-los, sem buscar desculpas para a
conduta indigna.
Como ensina o
Espírito Lázaro, no item 7 do capítulo XVII de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, na ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir-se,
por se achar em antagonismo com as atrações do interesse e do coração. Ele
também afirma que o dever é o mais belo laurel da razão.
Então, o senso do
dever é o mais belo, o maior prêmio que a razão esclarecida confere ao homem.
Ele lhe possibilita identificar o que deve fazer, embora a conduta
identificada, por vezes, contrarie os desejos mais profundos de seu coração.
Uma vez feita essa identificação, resta aplicar a vontade firme para viver e
fazer o que é certo, o que implica domar os maus instintos, essa velha herança
do primitivismo que impede a conquista da paz e da plenitude. Trata-se da
evolução intelectual auxiliando a consolidação da evolução moral.
Convém ressaltar que
a evolução moral constitui a conquista por excelência, que faz o Espírito
ascender na escala espiritual. A Espiritualidade Superior admite três grandes
ordens ou categorias principais de classificação na referida escala, a saber:
Espíritos imperfeitos, bons Espíritos e Espíritos puros (LE, questões 100 e
ss.).
Para passar de
Espírito imperfeito para bom Espírito, o ser imortal precisa vencer por
completo as más paixões e ter apenas o desejo do bem. Não são a
intelectualidade, os conhecimentos e a ciência que fazem a diferença, mas a
questão moral. Conforme consta da questão 107 de O Livro dos Espíritos,
os bons Espíritos retiram do amor que os une uma fonte de inefável ventura, que
não tem a perturbá-la nem a inveja, nem os remorsos, nem nenhuma das más
paixões que constituem o tormento dos Espíritos imperfeitos.
Essa peculiaridade
de desejar apenas o bem, de não possuir mais paixões malévolas, é que torna os
bons Espíritos tão notáveis, às vezes até incompreensíveis, em sua psicologia.
Um bom exemplo a ser
citado é o do Espírito Joanna de Ângelis, mentora do médium Divaldo Pereira
Franco, na encarnação em que ostentou o nome de Joana de Cusa e conviveu com
Jesus. Segundo a narrativa do livro Boa Nova, do Espírito Humberto de
Campos, ditado ao médium Francisco Cândido Xavier, ao final da vida ela se
encontrava, juntamente com um filho, amarrada ao poste do martírio. Por ser
cristã e não renegar sua fé, foi condenada a ser queimada viva.
Nos derradeiros
instantes de sua vida, quando as labaredas já lhe lambiam o corpo envelhecido,
a soldadesca ainda a importunava. Um dos soldados lhe indagou se o Cristo
apenas lhe havia ensinado a morrer. Ela buscou tomar fôlego, por entre as dores
do martírio, e encontrou forças para responder: Não apenas a morrer, mas também
a vos amar!
Impressiona que uma
pessoa, em instante tão crítico, sendo queimada viva e ainda provocada, tenha
encontrado forças para proclamar seu amor pelo verdugo. A chave para entender
essa conduta é considerar que Joana de Cusa, nesse momento, já era um bom
Espírito. Ela já havia vencido o mal em si mesma, domado todas as paixões
negativas. Ela não poderia blasfemar ou ofender, pois nada disso mais existia
nela. Em seu íntimo pacificado, havia apenas o bem. Ela já havia cruzado a
porta estreita.
Ocorre que ninguém
consegue o pleno domínio das más paixões em um repente e nem surge sublime de
um instante para o outro. A evolução é um processo gradativo, embora possa ser
acelerado enormemente pela vontade.
Pode-se afirmar que
há a porta estreita situada ao término de uma longa jornada, que marca a
transição da fase de Espírito imperfeito para a de bom Espírito. Mas também
existe a porta estreita de cada existência, a fim de que ela seja bem
aproveitada.
Deus é que dosa as
experiências, conforme as possibilidades de cada um de Seus filhos.
Ao homem resta, em
sua condição de aprendiz na grande escola da vida, identificar e cumprir os
seus deveres de cada dia. Entender que a sua felicidade não vem de realizar
fantasias e caprichos, que frequentemente apenas refletem o desejo de reviver
hábitos de um passado que convém deixar para trás em caráter definitivo.
Finalmente,
compreender que lhe compete basicamente ser digno e bondoso e aplicar a vontade
firme na realização desse projeto, que constitui o seu roteiro de libertação, a
sua porta estreita.
Prece da mocidade espírita
Senhor!
Ensina-me
a servir ao próximo para que eu aprenda a servir-Te.
Não
me abandones à vontade das experiências inferiores, nem me confies aos meus
próprios desejos.
Venho
hoje ao encontro do Teu Evangelho de Luz, mas trago no coração a sombra em que
respirei até ontem.
Mestre,
querer é poder, todavia, induz-me a querer o Bem para que o mal não me
inutilize.
Fazei-me
sentir que somente os meios retos conduzem aos fins corretos.
Dá-me
a cultura da inteligência e do coração.
Não
me deixe vaguear na razão da força para que a força da razão me auxilie a
discernir.
Guia-me
os propósitos para que a minha coragem não seja petulância e para que a minha
humildade não seja abjeção.
Fortalece-me
o pensamento no estudo e guarda minhas mãos no trabalho digno.
Mostra-me
o amor que brilha no espírito, acima do nevoeiro da carne, a fim de que não me
precipite na voragem da ilusão.
Inspira-me
o respeito aos companheiros mais velhos que me dirigem os passos, para que a
irreverência não me conduza ao escárnio de meu próprio caminho.
Inspira-me
a compreensão, a diligência e a fraternidade!
Ampara-me
na conquista do prêmio do dever bem cumprido.
Sustenta-me
para que eu seja fiel ao Bem e ensina-me que, à claridade da Tua Bênção,
depende apenas de mim que eu seja pior ou melhor, hoje e amanhã!
Auxilia,
perdoa, trabalha, ama e serve, gastando sensatamente os recursos que o Céu te
situou no caminho e nas mãos, como quem sabe que a Contabilidade Divina a todos
nos procura no grave instante do acerto justo.
A verdade
“Eu sou o caminho e a verdade.” — Jesus (João, 14.6)
Por
enquanto, ninguém se atreverá, em boa lógica, a exibir, na Terra, a verdade
pura, ante a visão das forças coletivas.
A
profunda diversidade das mentes, com a heterogeneidade de caracteres e
temperamentos, aspirações e propósitos, impede a exposição da realidade plena
ao espírito das massas comuns.
Cada
escola religiosa, em razão disso, mantém no mundo cursos diferentes da
revelação gradativa. A claridade imaculada não seria, no presente estágio da
evolução humana, assimilável por todos, de imediato.
Há
que esperar pela passagem das horas. Nos círculos do tempo, a semente, com o
esforço do homem, provê o celeiro; e o carvão, com o auxílio da natureza, se
converte em diamante.
Por
isto, vemos verdades estagnadas nas igrejas dogmáticas, verdades provisórias
nas ciências, verdades progressivas nas filosofias, verdades convenientes nas
lides políticas e verdades discutíveis em todos os ângulos da vida civilizada.
Semelhante
imperativo, porém, para a mentalidade cristã, apenas vigora quanto às massas.
Diante
de cada discípulo, no reino individual, Jesus é a verdade sublime e reveladora.
Todo
aquele que lhe descobre a luz bendita, absorve-lhe os raios celestes,
transformadores… E começa a observar a experiência sob outros prismas, elege
mais altos padrões de luta, descortina metas santificantes e identifica-se com
horizontes mais largos. O reino do próprio coração passa a gravitar ao redor do
novo centro vital, glorioso e eterno. E à medida que se vai desvencilhando das
atrações da mentira, cada discípulo do Senhor penetra mais intensivamente na
órbita da Verdade, que é a Pura Luz.
Emmanuel / Chico Xavier – Vinha de Luz – FEB – cap. 175
sábado, 27 de março de 2021
Biografia do Sr. Allan Kardec
É ainda sob o golpe
da dor profunda que nos causou a prematura partida do venerável fundador da
Doutrina Espírita, que nos abalançamos a uma tarefa, simples e fácil para suas
mãos sábias e experientes, mas cujo peso e gravidade nos esmagariam, se não contássemos
com o auxílio eficaz dos Espíritos bons e com a indulgência dos nossos
leitores.
Quem, dentre nós,
poderia, sem ser tachado de presunçoso, lisonjear-se de possuir o espírito de método
e organização de que se mostram iluminados todos os trabalhos do mestre? Só a
sua pujante inteligência podia concentrar tantos materiais diversos,
triturá-los e transformá-los, para os espalhar em seguida, como orvalho
benfazejo, sobre as almas desejosas de conhecer e de amar.
Incisivo, conciso,
profundo, sabia agradar e fazer compreendido numa linguagem simples e elevada,
ao mesmo tempo, tão distanciada do estilo familiar quanto das obscuridades da
metafísica.
Multiplicando-se
incessantemente, pudera até agora bastar a tudo. Entretanto, o cotidiano
alargamento de suas relações e o contínuo desenvolvimento do Espiritismo lhe
faziam sentir a necessidade de reunir em torno de si alguns auxiliares
inteligentes e preparava simultaneamente a nova organização da Doutrina e de seus
labores, quando nos deixou, para ir, num mundo melhor, receber a sanção da
missão que desempenhara e coletar elementos para uma nova obra de devotamento e
sacrifício.
Era sozinho!...
Chamar-nos-emos legião e, por muito fracos e inexperientes que sejamos,
nutrimos a convicção íntima de que nos conservaremos à altura da situação, se,
partindo dos princípios estabelecidos e de incontestável evidência, nos consagrarmos
a executar, tanto quanto nos seja possível e de acordo com as necessidades do
momento, os projetos que ele pretendia realizar no futuro.
Enquanto nos
mantivermos nas suas pegadas e todos os de boa vontade se unirem, num esforço
comum pelo progresso e pela regeneração intelectual e moral da Humanidade,
conosco estará o Espírito do grande filósofo a nos secundar com a sua influência
poderosa, dado lhe seja possível suprir à nossa insuficiência e nos possamos
mostrar dignos do seu concurso, dedicando-nos à obra com a mesma abnegação e a
mesma sinceridade que ele, embora sem tanta ciência e inteligência.
Em sua bandeira,
inscrevera o mestre estas palavras:
Trabalho,
solidariedade, tolerância. Sejamos, como ele, infatigáveis; sejamos acordemente
com os seus anseios, tolerantes e solidários e não temamos seguir-lhe o
exemplo, reconsiderando, quantas vezes forem precisas, os princípios ainda
controvertidos. Apelemos ao concurso e às luzes de todos. Tentemos avançar,
antes com segurança e certeza, do que com rapidez, e não ficarão infrutíferos os
nossos esforços se, como estamos persuadidos, e seremos os primeiros a dar
disso exemplo, cada um cuidar de cumprir o seu dever, pondo de lado todas as
questões pessoais, a fim de contribuir para o bem geral.
Sob auspícios mais
favoráveis não poderíamos entrar na nova fase que se abre para o Espiritismo,
do que dando a conhecer aos nossos leitores, num rápido escorço, o que foi, durante
toda a sua vida, o homem íntegro e honrado, o sábio inteligente e fecundo, cuja
memória se transmitirá aos séculos vindouros com a auréola dos benfeitores da Humanidade.
Nascido em Lyon, a 3
de outubro de 1804, de uma família antiga que se distinguiu na magistratura e
na advocacia, Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail) não seguiu essas carreiras.
Desde a primeira juventude, sentiu-se inclinado ao estudo das ciências e da
filosofia.
Educado na Escola de
Pestalozzi, em Yverdun (Suíça), tornou-se um dos mais eminentes discípulos
desse célebre professor e um dos zelosos propagandistas do seu sistema de educação,
que tão grande influência exerceu sobre a reforma do ensino na França e na
Alemanha.
Dotado de notável
inteligência e atraído para o ensino, pelo seu caráter e pelas suas aptidões
especiais, já aos quatorze anos ensinava o que sabia àqueles dos seus
condiscípulos que haviam aprendido menos do que ele. Foi nessa escola que lhe desabrocharam
as ideias que mais tarde o colocariam na classe dos homens progressistas e
livres-pensadores.
Nascido sob a
religião católica, mas educado num país protestante, os atos de intolerância
que por isso teve de suportar, no tocante a essa circunstância, cedo o levaram
a conceber a ideia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silêncio
durante longos anos com o intuito de alcançar a unificação das crenças.
Faltava-lhe, porém,
o elemento indispensável à solução desse grande problema.
O Espiritismo veio,
a seu tempo, imprimir-lhe especial direção aos trabalhos.
Concluídos seus
estudos, voltou para a França.
Conhecendo a fundo a
língua alemã, traduziu para a Alemanha diferentes obras de educação e de moral
e, o que é muito característico, as obras de Fénelon, que o tinham seduzido de modo
particular. (...)
“Pelo ano de 1855, posta em foco a questão das
manifestações dos Espíritos, Allan Kardec se entregou a observações
perseverantes sobre esse fenômeno, cogitando principalmente de lhe deduzir as consequências
filosóficas.
Entreviu, desde
logo, o princípio de novas leis naturais: as que regem as relações entre o
mundo visível e o mundo invisível.
Reconheceu, na ação
deste último, uma das forças da Natureza, cujo conhecimento haveria de lançar
luz sobre uma imensidade de problemas tidos por insolúveis, e lhe compreendeu o
alcance, do ponto de vista religioso.
“Suas obras
principais sobre esta matéria são: O Livro dos Espíritos, referente à parte
filosófica, e cuja primeira edição apareceu a 18 de abril de 1857; O Livro dos
Médiuns, relativo à parte experimental e científica (janeiro de 1861); O
Evangelho segundo o Espiritismo, concernente à parte moral (abril de 1864); O
Céu e o Inferno, ou a Justiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A
Gênese, os milagres e as predições (janeiro de 1868); a Revista Espírita,
jornal de estudos psicológicos, periódico mensal começado a 1o de janeiro de
1858. Fundou em Paris, a 1o de abril de 1858, a primeira Sociedade espírita
regularmente constituída, sob a denominação de Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas, cujo fim exclusivo era o estudo de quanto possa contribuir para o progresso
da nova ciência. Allan Kardec se defendeu, com inteiro fundamento, de coisa
alguma haver escrito debaixo da influência de ideias preconcebidas ou
sistemáticas. Homem de caráter frio e calmo, observou os fatos e de suas
observações deduziu as leis que os regem. Foi o primeiro a apresentar a teoria
relativa a tais fatos e a formar com eles um corpo de doutrina, metódico e
regular.
“Demonstrando que os
fatos erroneamente qualificados de sobrenaturais se acham submetidos a leis,
ele os incluiu na ordem dos fenômenos da Natureza, destruindo assim o último
refúgio do maravilhoso e um dos elementos da superstição.
“Durante os
primeiros anos em que se tratou de fenômenos espíritas, estes constituíram
antes objeto de curiosidade, do que de meditações sérias. O Livro dos Espíritos
fez que o assunto fosse considerado sob aspecto muito diverso.
Abandonaram-se as mesas
girantes, que tinham sido apenas um prelúdio, e começou-se a atentar na
doutrina, que abrange todas as questões de interesse para a Humanidade.
“Data do
aparecimento de O Livro dos Espíritos a fundação do Espiritismo que, até então,
só contara com elementos esparsos, sem coordenação, e cujo alcance nem toda
gente pudera apreender. A partir daquele momento, a doutrina prendeu a atenção
dos homens sérios e tomou rápido desenvolvimento. Em poucos anos, aquelas ideias
conquistaram numerosos aderentes em todas as camadas sociais e em todos os
países. Esse êxito sem precedentes decorreu sem dúvida da simpatia que tais ideias
despertaram, mas também é devido, em grande parte, à clareza com que foram
expostas e que é um dos característicos dos escritos de Allan Kardec.
“Evitando as
fórmulas abstratas da Metafísica, ele soube fazer que todos o lessem sem
fadiga, condição essencial à vulgarização de uma ideia. Sobre todos os pontos
controversos, sua argumentação, de cerrada lógica, poucas ensanchas oferece à refutação
e predispõe à convicção. As provas materiais que o Espiritismo apresenta da
existência da alma e da vida futura tendem a destruir as ideias materialistas e
panteístas. Um dos princípios mais fecundos dessa doutrina e que deriva do
precedente é o da pluralidade das existências(...)
Conservara-se,
todavia, em estado de hipótese e de sistema, enquanto o Espiritismo lhe demonstra
a realidade e prova que nesse princípio reside um dos atributos essenciais da
Humanidade. Dele promana a explicação de todas as aparentes anomalias da vida
humana, de todas as desigualdades intelectuais, morais e sociais, facultando ao
homem saber donde vem, para onde vai, para que fim se acha na Terra e por que
aí sofre.
“As ideias inatas se
explicam pelos conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores; a marcha dos
povos e a da Humanidade, pela ação dos homens dos tempos idos e que revivem,
depois de terem progredido; as simpatias e antipatias, pela natureza das
relações anteriores. Essas relações, que religam a grande família humana de
todas as épocas, dão por base, aos grandes princípios de fraternidade, de
igualdade, de liberdade e de solidariedade universal, as próprias leis da
Natureza e não mais uma simples teoria.
“Em vez do postulado: Fora da Igreja não há
salvação, que alimenta a separação e a animosidade entre as diferentes seitas religiosas
e que há feito correr tanto sangue, o Espiritismo tem como divisa: Fora da
Caridade não há salvação, isto é, a igualdade entre os homens perante Deus, a
tolerância, a liberdade de consciência e a benevolência mútua.
“Em vez da fé cega,
que anula a liberdade de pensar, ele diz: Fé inabalável só o é a que pode
encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade. À fé, uma base
se faz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se tem
de crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega
já não é para este século.
É precisamente ao
dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos,
porque ela quer impor-se e exige a abolição de uma das mais preciosas
faculdades do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio.” (O Evangelho segundo o Espiritismo.)
Trabalhador
infatigável, sempre o primeiro a tomar da obra e o último a deixá-la, Allan
Kardec sucumbiu, a 31 de março de 1869, quando se preparava para uma mudança de
local, imposta pela extensão considerável de suas múltiplas ocupações. Diversas
obras que ele estava quase a terminar, ou que aguardavam oportunidade para vir
a lume, demonstrarão um dia, ainda mais, a extensão e o poder das suas
concepções.
Morreu conforme
viveu: trabalhando. Sofria, desde longos anos, de uma enfermidade do coração,
que só podia ser combatida por meio do repouso intelectual e pequena atividade material.
Consagrado, porém, todo inteiro à sua obra, recusava-se a tudo o que pudesse
absorver um só que fosse de seus instantes, à custa das suas ocupações
prediletas. Deu-se com ele o que se dá com todas as almas de forte têmpera: a
lâmina gastou a bainha.
O corpo se lhe
entorpecia e se recusava aos serviços que o Espírito lhe reclamava, enquanto
este último, cada vez mais vivo, mais enérgico, mais fecundo, ia sempre
alargando o círculo de sua atividade.
Nessa luta desigual
não podia a matéria resistir eternamente. Acabou sendo vencida: rompeu-se o
aneurisma e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem houve de menos na Terra; mas,
um grande nome tomava lugar entre os que ilustraram este século; um grande
Espírito fora retemperar-se no Infinito, onde de todos os que ele consolara e
esclarecera lhe aguardavam impacientes a volta!
“A morte, dizia, faz
pouco tempo, redobra os seus golpes nas fileiras ilustres!... A quem virá ela
agora libertar?”
Ele foi, como tantos
outros, recobrar-se no Espaço, procurar elementos novos para restaurar o seu
organismo gasto por uma vida de incessantes labores. Partiu com os que serão os
fanais da nova geração, para voltar em breve com eles a continuar e acabar a
obra deixada em dedicadas mãos.
O homem já aqui não
está; a alma, porém, permanecerá entre nós. Será um protetor seguro, uma luz a
mais, um trabalhador incansável que as falanges do Espaço conquistaram. Como na
Terra, sem ferir a quem quer que seja, ele fará que cada um lhe ouça os
conselhos oportunos; abrandará o zelo prematuro dos ardorosos, amparará os
sinceros e os desinteressados e estimulará os tíbios. Vê agora e sabe tudo o
que ainda há pouco previa! Já não está sujeito às incertezas, nem aos
desfalecimentos e nos fará partilhar da sua convicção, fazendo-nos tocar com o
dedo a meta, apontando-nos o caminho, naquela linguagem clara, precisa, que o tornou
aureolado nos anais literários.
Já não existe o
homem, repetimo-lo. Entretanto, Allan Kardec é imortal e a sua memória, seus
trabalhos, seu Espírito estarão sempre com os que empunharem forte e
vigorosamente o estandarte que ele soube sempre fazer respeitado.
Uma individualidade
pujante constituiu a obra. Era o guia e o farol de todos. Na Terra, a obra
substituirá o obreiro. Os crentes não se congregarão em torno de Allan Kardec;
congregar-se-ão em torno do Espiritismo, tal como ele o estruturou e, com os seus
conselhos, sua influência, avançaremos, a passos firmes, para as fases ditosas
prometidas à Humanidade regenerada.
Revista Espírita – maio/1869
Plataforma do Mestre
“Ele salvará seu
povo dos pecados deles.” (Mateus, 1:21)
Em
verdade, há dois mil anos, o povo acreditava que Jesus seria um comandante
revolucionário, como tantos outros, a desvelar-se por reivindicações políticas,
à custa da morte, do suor e das lágrimas de muita gente.
Ainda
hoje, vemos grupos compactos de homens indisciplinados que, administrando ou
obedecendo, se reportam ao Cristo, interpretando-o qual se fora patrono de
rebeliões individuais, sedento de guerra civil.
Entretanto,
do Evangelho não transparece qualquer programa nesse sentido.
Que
Jesus é o Divino Governador do Planeta não podemos duvidar.
O
que fará Ele do mundo redimido ainda não sabemos, porque ao soldado humílimo
são defesos os planos do General.
A
Boa Nova, todavia, é muito clara, quanto à primeira plataforma do Mestre dos
mestres. Ele não apresentava títulos de reformador dos hábitos políticos, viciados
pelas más inclinações de governadores e governados de todos os tempos.
Anunciou-nos
a celeste revelação que Ele viria salvar-nos de nossos próprios pecados,
libertar-nos da cadeia de nossos próprios erros, afastando-nos do egoísmo e do
orgulho que ainda legislam para o nosso mundo consciencial.
Achamo-nos,
até hoje, em simples fase de começo de apostolado evangélico Cristo libertando
o homem das chagas de si mesmo, para que o homem limpo consiga purificar o
mundo.
O
reino individual que puder aceitar o serviço liberatório do Salvador encontrará
a vida nova.
Emmanuel / Chico Xavier – Vinha de Luz – FEB – cap. 174
sábado, 20 de março de 2021
Conselhos de família
(Primeira sessão)
Foi perguntado ao
Espírito protetor da família se ele podia dar alguns conselhos aos membros
presentes; ele respondeu:
Sim. Tenham
confiança em Deus e procurem instruir-se nas verdades imutáveis e eternas que
lhes ensina o livro divino da Natureza.
Ele contém toda a
lei de Deus, e os que sabem ler e o compreendem são os únicos a seguirem o
verdadeiro caminho da sabedoria.
Que nada do que
vejam seja negligenciado, porquanto cada coisa traz em si um ensinamento e
deve, pelo uso do raciocínio, elevar a alma para Deus e dele aproximá-la.
Em tudo quanto ferir
a inteligência, procurem sempre distinguir o bem do mal: o primeiro, para o
praticar; o segundo, para o evitar.
Antes de formular um
julgamento, voltem sempre o pensamento para o ETERNO, que os guiará ao bem, E
NÃO OS ENGANARÁ JAMAIS.
(Segunda
sessão)
Boa-noite,
meus filhos. Se me amais, procurai instruir-vos; reuni-vos muitas vezes com
este pensamento.
Ponde vossas ideias em comum: é um excelente meio, pois em geral não comunicamos senão as coisas que julgamos boas; temos vergonha das más.
Assim, são guardadas em segredo ou só são comunicadas aos que queremos tornar cúmplices. Distinguem-se os bons dos maus pensamentos, porque os primeiros podem, sem nenhum receio, ser transmitidos a todo o mundo, ao passo que os últimos não poderiam, sem perigo, ser comunicados senão a alguns.
Quando vos vier um pensamento, para julgar de seu valor perguntai-vos se podeis torná-lo público sem inconveniente e se não fará mal: se vossa consciência vo-lo autorizar, não temais, vosso pensamento é bom.
Dai-vos mutuamente bons conselhos, tendo em vista somente o bem daquele a quem os dais, e não o vosso.
Vossa recompensa estará no prazer que experimentareis por terdes sido úteis. A união dos corações é a mais fecunda fonte de felicidades; e, se muitos homens são infelizes, é que só procuram a felicidade para si mesmos.
Ela lhes escapa precisamente porque julgam encontrá-la somente no egoísmo. Digo a felicidade e não a fortuna, porquanto esta última só tem servido como sustentáculo à injustiça, e o objetivo da existência é a justiça.
Se a justiça fosse praticada entre os homens, o mais afortunado seria aquele que realizasse maior soma de boas obras.
Se, pois, quiserdes tornar-vos ricos, meus filhos, praticai muitas ações boas.
Pouco importam os bens do mundo; não é a satisfação da carne que se deve buscar, mas a da alma.
Aquela é efêmera; esta é eterna.
Por hoje é bastante.
Meditai estes conselhos e esforçai-vos para pô-los em prática: aí se encontra o caminho da salvação.
Conselhos ditados numa reunião íntima,
por um Espírito eminentemente superior e benevolente
Revista Espírita – janeiro/1860
O pão divino
“Moisés não vos deu
o pão do Céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do Céu.”
Jesus (João, 6:32)
Toda
arregimentação religiosa na Terra não tem escopo maior que o de preparar as
almas, ante a grandeza da vida espiritual.
Templos
de pedra arruínam-se.
Princípios
dogmáticos desaparecem.
Cultos
externos modificam-se.
Revelações
ampliam-se.
Sacerdotes
passam.
Todos
os serviços da fé viva representam, de algum modo, aquele pão que Moisés
dispensou aos hebreus, alimento valioso sem dúvida, mas que sustentava o corpo
apenas por um dia, e cuja finalidade primordial é a de manter a sublime oportunidade
da alma em busca do verdadeiro pão do Céu.
O
Espiritismo Evangélico, nos dias que correm, é abençoado celeiro desse pão. Em
suas linhas de trabalho, há mais certeza e esperança, mais entendimento e alegria.
Esteja,
porém, cada companheiro convencido de que o esforço pessoal no pão divino para
a renovação, purificação e engrandecimento da alma há de ser culto dominante no
aprendiz ou prosseguiremos nas mesmas obscuridades mentais e emocionais de
ontem.
Observações
de ordem fenomênica destinam-se ao olvido.
Afirmativas
doutrinárias elevam-se para o bem.
Horizontes
do conhecimento dilatam-se ao infinito.
Processos
de comunicação com o invisível progridem sempre. Médiuns sucedem-se uns aos
outros.
Se
procuras, pois, a própria felicidade, aplica-te com todas as energias ao aproveitamento
do pão divino que desce do Céu para o teu coração, através da palavra dos
benfeitores espirituais, e aprende a subir, com a mente inflamada de amor e
luz, aos inesgotáveis celeiros do pão celestial.
Emmanuel / Chico Xavier – Vinha de Luz – FEB – cap. 173
Prece de aceitação
Se eu
pudesse, Jesus,
Queria
estar contigo
Para
ser a esperança realizada
De
quem vai pelo mundo, estrada a estrada,
Entre
a necessidade e o desabrigo...
Desejava
seguir-te, humildemente,
Sem
méritos embora,
Para
erguer-me em consolo de quem chora
Mostrando
o coração enfermo e descontente.
Queria
acompanhar-te nos recintos,
Onde a
dor leciona e aperfeiçoa
A fim
de ser conforto junto dela
E,
manejando a frase terna e boa
Afirmar
como a vida é grande e bela!...
Se
pudesse, Senhor, conversaria com todas as crianças
Para
dizer que não te cansas de criar alegria...
E
seria feliz ao converter-me em modesto recado,
Informando,
Jesus, a todos os velhinhos
Que
nunca estão sozinhos, porque segues conosco, lado a lado...
Se
dispusesse de recursos, queria ser a vela pequenina,
Acesa
no clarão do sol que levas,
De
modo a socorrer aos que jazem nas trevas,
Fugindo
sem razão, da bondade Divina...
Entretanto,
Senhor, sei das deficiências que carrego...
Venho
a ti como estou, por isto mesmo rogo:
Não me
deixes a sós por onde vou...
Se não
posso, Jesus, ser bondade, socorro, paz e luz,
Toma-me
o coração e, perdoando a minha imperfeição,
Esquece
tudo o que meu sonho almeja e ensina-me Senhor,
Com o
teu imenso amor, o que queres que eu seja.
Maria Dolores / Chico Xavier – Livro: Recanto de Paz