Estava ali um homem, enfermo
havia trinta e oito anos.
Havia em Jerusalém o tanque chamado Betesda, que,
periodicamente, adquiria propriedades curativas, depois que um Anjo — ou
Espírito Superior — descia e lhe agitava as águas, magnetizando-as.
Quem entrasse primeiro, uma vez agitadas as águas, ficava
curado de qualquer doença.
Era natural, e bem humano, que ali se reunisse uma
multidão de enfermos, esperando o momento exato em que o Celeste mensageiro
deveria agitar o tanque, em nome das forças do bem.
Bem humano, também, era a disputa que se verificava, um
procurando antecipar-se ao outro, pois, como era notório, quem primeiro
entrasse ficaria curado.
Entre os doentes, naquele dia, encontrava-se um homem
acometido de paralisia havia trinta e oito anos.
Um paralítico no meio de dezenas de paralíticos. Jesus
passava na direção do templo, para as festividades israelitas.
Vendo aquele homem no auge da ansiedade, perguntou-lhe:
“Queres ser curado”?
E, ante a melancólica explicação do paralítico, de que
não podia caminhar, diz-lhe o Mestre: — “Levanta-te, toma o teu leito e anda”.
O episódio sugere inúmeras considerações.
É de se notar, em princípio, a espontaneidade de Jesus,
no interesse por aquele enfermo, cuja atitude não foi igual à de outras
personagens beneficiadas pelo Senhor.
Bartimeu, por exemplo, o conhecido “cego de Jericó”,
atraiu a atenção de Jesus com tremendo alarido: — “Filho de David, tem
misericórdia de mim” — insistindo de tal modo que muitos o repreendiam.
E o Divino Amigo, compadecendo-se, restituiu-lhe a visão
corporal.
De outra vez, um homem coberto de chagas prostrou-se-lhe
aos pés, suplicando: — “Senhor, se quiseres, podes purificar-me”!
A mulher siro-fenícia, cuja filha fora tomada por um
Espírito obsessor, pediu tanto a Jesus que a curasse, que os discípulos,
irritados, rogavam ao Mestre:
— “Despede-a, pois vem chorando atrás de nós”.
Mas Jesus, exaltando-lhe a fé, atendeu-a.
* * *
Com o paralítico do tanque das ovelhas, tudo se passou
diferentemente.
Ele não reconhecera a Jesus.
Não lhe pedira que o curasse.
Não sabia que o Mestre por ali andava.
O que desejava — isto sim — era dar o mergulho salvador
em primeiro lugar.
Ignorava que o Cristo podia curá-lo com um simples
pensamento, com uma simples vibração, com um simples impulso de Sua vontade.
Era paralítico e ninguém o conduzia ao tanque - eis a sua
resposta, franca e sincera, ao ser interrogado por Jesus.
Por suas palavras, depreende-se que desejava apenas ajuda
física: - “Senhor, não tenho quem me ponha no tanque, quando a água é agitada;
pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.”
Houve, então, o gesto sublime, espontâneo, generoso,
fraternal:
“Levanta-te, toma o teu leito e anda”.
* * *
O Amor de Jesus transcende fronteiras.
Abrange o Universo.
Limitado em suas expressões de fraternidade, pretende o
homem, quase sempre, bitolar, medir, estereotipar o Amor do Cristo,
enclausurar-Lhe a Misericórdia.
Esquecido do:
“Tende por Templo - o Universo
Por imagem - Deus
Por Lei - a Caridade
Por altar - a Consciência”.
Situa-o, muita vez, entre as quatro paredes de uma
igreja, de uma casa.
O fenômeno, contudo, é compreensivelmente humano e
humanamente compreensível.
A irradiação do Amor de Jesus envolve todos os seres que
evolucionam nos círculos planetários e interplanetários.
A não compreensão da excelsitude, da grandeza do Cristo,
reflete um grau evolutivo.
Traduz “uma visão”.
Onde pulse um coração sincero — aí está Jesus, estendendo
braços amigos, mãos generosas, como o fez com o doente do tanque.
Mesmo que esse coração ainda gravite noutros rumos
evolutivos, polarizado por outras atrações — far-se-á Jesus presente, embora
nem sempre possa ser percebido.
O que importa ao Cristo é curar, salvar, educar.
Restituir ao homem do mundo o que o homem do mundo
perdeu: o endereço de Deus.
* * *
O paralítico de trinta e oito anos simboliza o homem de
boa vontade.
O homem que levou até o fim a sua cruz.
O homem anônimo, cuja alma valorosa se esconde, muitas
vezes, num corpo imobilizado.
Retrata a multidão de aflitos que o mundo não conhece,
mas que o percuciente olhar de Jesus alcança, cheio de amor.
O interesse do Mestre, restituindo-o à dinâmica da vida,
representa confortadora retribuição a quantos perlustram, com dignidade, os
caminhos da Terra, arrastando dificuldades.
A cura do paralítico demonstra que a administração do
mundo está, acima de tudo, com o Supremo Poder.
Revela que, dando a cada um segundo as suas obras,
milhares de almas retomam a carruagem física, em processos de reajuste e
aperfeiçoamento.
É que o Cristo permanece, vitorioso, no leme da
Embarcação Terrestre, desde os primórdios da vida planetária, apascentando, com
inexcedível ternura, as ovelhas que o Pai lhe confiou.
Martins
Peralva – Livro: Estudando o Evangelho